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Resenha: "Dylan Dog Nova Série vol. 13" de Ratigher e Alessandro Baggi

Foto do escritor: Paulo ViniciusPaulo Vinicius

Uma vila não tão pacata da Escócia é visitada por Dylan Dog que é contratado para investigar um desaparecimento, que se torna um assassinato assim que ele chega ao local. Mas, Port Frost esconde segredos misteriosos que poderão levar nosso protagonista ao inferno.


Sinopse:


Fiona pede a Dylan Dog que investigue o homicídio da sua amiga Molly, em Port Frost. Molly era criticada pelos moradores do local por seu comportamento por demais desenvolto e desinibido. Ao chegar ao povoado irlandês, no litoral, sobre o qual paira uma antiga lenda, o Investigador do Pesadelo se dá conta do alucinante clima de ódio que logo desembocará num evento catastrófico. Uma trama que leva Dylan e Fiona a confrontar as razões do Mal que se aninha nas profundezas do coração dos homens.






Uma bela história que trata do tema do mal que se esconde no coração dos homens. Sempre procuramos entender o que leva uma pessoa a cometer atos malignos. Será uma maldição, uma tendência, um instinto primitivo? Algumas pessoas que consideramos incapazes de realizar determinadas ações podem nos surpreender subitamente em um átimo de fúria. O mal pode estar travestido de inúmeras formas e mesmo o mero sentimento de esperança pode ser uma armadilha daquilo que nos quer tirar do caminho do bem. Ratigher faz um exame minucioso nos levando a uma pequena cidade escocesa que parece afetada por alguma coisa que altera o coração das pessoas. Ou será mesmo? Em um local onde aqueles que não se sentem parte dali acabam sendo rechaçados e ostracizados pelos outros. Essa é uma daquelas edições marcantes das histórias do investigador do pesadelo onde o pesadelo é bem real mesmo.


A narrativa começa com Fiona indo procurar Dylan Dog em Craven Road para contratá-lo. Sua amiga Megan desapareceu misteriosamente em Port Frost. Megan era sua melhor amiga e alguém que queria sair dali de qualquer forma. Uma linda mulher que atraía os olhares dos homens e acabou sendo alvo de suas luxúrias. Fiona acredita que alguém com quem Megan se envolveu pode ser o responsável por seu desaparecimento. A princípio, Dylan não deseja aceitar o caso porque entende que isso não é um caso para alguém que lida com o sobrenatural. Mas, sabemos como o Old Boy tem um fraco para mulheres atraentes, certo? Ao chegar em Port Frost, eles se deparam com o enterro de Megan que foi encontrada morta, vítima de algum ataque enfurecido de alguém. À medida em que Dylan permanece na aldeia, ele percebe que existe uma hostilidade inerente em seus moradores, algo que parece tomar suas consciências momentaneamente. Um velho marinheiro alerta Dylan de que ele tem que ir embora logo! Quem terá matado Megan e o que está provocando a ira dessas pessoas?


"Como se pode dizer algo sensato diante de um sol que se apaga? A noite é escura e vazia, e tudo o que podemos fazer pra ficar melhor é conversar, esperando que o som da nossa voz nos faça sentir menos sós."

A arte dessa edição está belíssima. Alessando Baggi tem uma noção de espaço que é um negócio incrível. Apesar de ele empregar uma quadrinização padrão, parece que suas cenas crescem. Tudo parece mais amplo. Mesmo assim, ele ainda nos entrega alguns quadros maravilhosos como o da escadaria dos gigantes, um acidente natural presente em Port Frost ou nos demais quadros mais para a segunda metade da história. Seu trabalho em preto e branco também está perfeito, com o leitor podendo conferir isso logo nas páginas iniciais em que ele desenha uma boia afundando no oceano. Percebam os detalhes de silhueta, de sombras e o jogo de luzes para empregar o branco no cenário. Seu design de personagens é acima da média e nos quadros em que aparecem múltiplos personagens, conseguimos perceber como ele não emprega o mesmo modelo de personagem. Os cenários de fundo são bem preenchidos, vide o escritório de Dylan com vários artefatos e livros ao fundo ou o simples quarto de Fiona com várias decorações (sem falar na bagunça insana da casa).

O roteiro de Ratigher é bastante filosófico no que diz respeito à natureza do mal. É uma daquelas histórias do Dylan que o leitor só compreende por inteiro em uma segunda leitura. Aliás, o personagem nesta edição tem um bom contraste na forma de Fiona. Enquanto Dylan é mais experiente no sentido de que ele já teve mais encontros com o mal, o que o tornou alguém mais fleumático e reflexivo nesse assunto, Fiona tem uma visão reta e direta, do confronto e enfrentamento. Só que essa abordagem nem sempre é a melhor porque ela acaba nos levando a ações impulsivas que podem nos colocar mais facilmente na mira do mal. O que nos parece certo em um primeiro momento precisa ser entendido em seu contexto para que não cometamos enganos. Gosto de pensar que Ratigher nos entregou uma história que possui inúmeras camadas interpretativas e cujas respostas não são as mais simples possíveis. As escolhas que Dylan faz são as corretas em determinadas ocasiões, e mesmo seus chutes são precisos. Escolhas que talvez não fizéssemos. Iríamos adotar a abordagem de Fiona e nos arrepender depois.


A propósito, Fiona não é uma personagem de fácil compreensão. Pensamos que ela é apenas uma amiga preocupada com o desaparecimento de sua companheira, mas pouco a pouco percebemos que ela possui sentimentos conflitantes. Como o flerte inicial dela com Dylan, uma tentativa de entender se ela possui o mesmo sex appeal de sua amiga. Por sinal, uma cena extremamente sensual criada por Baggi. Voltando a ela, Fiona é uma mulher real: com suas qualidades e defeitos. Ela não é um estereótipo criado apenas para tocar a trama. Tem um momento onde ela fere a mão em que a gente é levado por um caminho até que a narrativa nos mostra que não é bem assim. Ou seja, Fiona é uma personagem não confiável, no sentido daquilo que, em literatura, chamamos de narrador não confiável. Não se pode confiar integralmente naquilo que ela está contando. Em uma segunda leitura, percebi o quanto Fiona não contou para Dylan. É nessas ausências que a narrativa ganha muito mais corpo.

Falando na narrativa ela tem um quê de Edgar Allan Poe. Ao explorar o coração das pessoas, Ratigher faz com que a gente observe o local onde a história se passa com mais atenção. Os olhares nervosos, as ações que acontecem no fundo das cenas. Mesmo alguma situação colocada ao fundo, ou em um quadro que parece ter sido inserido ali por acaso tem importância para o desenrolar da narrativa. Há uma progressão na essência do mal que permeia Port Frost. O que começa como um olhar torto, um comentário fofocado com o vizinho, se transforma em uma hostilidade aparente que redunda em uma briga de bar, em uma pichação maldosa na parede ou em uma criança agredindo outra sem uma razão aparente. Até Fiona tem seus sentimentos exacerbados já que ela deseja que Dylan permaneça no local para tentar descobrir o que de fato aconteceu com sua amiga. É uma progressão mesmo e Ratigher vai mantendo a atenção do leitor nesse crescendo. Nesse sentido, a narrativa é muito bem pensada à medida em que as preocupações vão se alterando com o passar do tempo. Começa como uma investigação de assassinato, depois vai para uma coleta de informações para entender se Dylan é necessário ali e ao final já é uma questão de sobrevivência mesmo.


O elemento sobrenatural é bem introduzido por Ratigher. E, como em qualquer história que vai versar sobre o espírito humano, o mal não chega a ser palpável. Não é algo sólido, que pode ser derrotado. É como contar sobre a história da caixa de Pandora. A gente não pode dar um soco na Pandora por tentar abrir a caixa. Aproveita-se uma lenda local, que é baseada na vida real (a lenda por trás da escadaria de gigantes realmente existe, só não com aquela conotação no final) e o autor criou em cima disso. A maneira como ele expõe a maneira como um fenômeno natural afeta a consciência das pessoas é sensacional porque quando as coisas começam de fato a acontecer, o terror que sentimos é bem maior. Isso acontece com o leitor que realmente se engajou com o que lhe foi entregue desde o começo da história. O fantasioso se torna verossímil e a nossa descrença é suspensa por alguns momentos. Por esse motivo, o clímax se torna tão impactante, porque é uma consequência de tudo o que foi construído ao longo da narrativa.


Parece brincadeira que eu diga isso quase sempre, mas essa edição é mais uma daquelas melhores histórias do personagem. Impactante, surpreendente e com um ótimo aproveitamento de roteiro. Não conhecia o trabalho do Ratigher e já me tornei fã de carteirinha. Sem mencionar na arte de Alessandro Baggi. Parece covardia que a Sergio Bonelli tenha tantos artistas virtuosos assim. Tem uma arte de página inteira do Dylan que é um negócio assustador ao mesmo tempo em que é belo. Só posso aplaudir mais uma edição que me faz pensar o quanto fiz bem em começar a acompanhar as histórias do Dylan. Sempre tem alguma coisa legal ou inovadora em suas histórias.












Ficha Técnica:


Nome: Dylan Dog Nova Série vol. 13 - No Coração do Mal

Autor: Ratigher

Artista: Alessandro Baggi

Editora: Mythos

Tradutor: Julio Schneider

Número de Páginas: 100

Ano de Publicação: 2020


Outros Volumes:

Vol. 1 Vol. 6 Vol. 11

Vol. 2 Vol. 7 Vol. 12

Vol. 4 Vol. 9

Vol. 5 Vol. 10








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