Resenha: "O velho barão inglês" de Clara Reeve
- Paulo Vinicius
- 17 de abr.
- 6 min de leitura
Edmund é um rapaz nascido em circunstâncias estranhas e que foi adotado pelo barão Fitz-Owen em sua casa. Uma disputa pela mão de lady Emma fará o ciúme despertar naquela casa e segredos há muito escondidos serão revelados e os fantasmas do armário sairão para assombrar os incautos.

Sinopse:
O romance O velho barão inglês, escrito por Clara Reeve (1729-1807), tem seu reconhecimento pelo fato de ser uma grande influência para a ficção gótica. É inspirado em O castelo de Otranto, de Horace Walpole (obra também publicada pela Escotilha), fato que a própria autora revelou, em seu prefácio audacioso, ao emitir opiniões contundentes sobre a obra. Por outro lado, ela procurou, de maneira magistral, buscar soluções e refinamentos estilísticos para que O velho barão inglês fosse moldado com estimável valor literário. Reeve claramente atingiu o objetivo, presenteando-nos com uma obra que nos conduz a uma atmosfera fantástica e sombria, repleta de revelações surpreendentes e com passagens arrebatadoras.
O que um simples ato de ciúmes é capaz de desencadear? Ao terminar a leitura de O Velho Barão Inglês, romance pré-vitoriano de Clara Reeve, é o que me passou pela cabeça. Toda a confusão que acontece no livro se dá porque um personagem tolo decide ter ciúmes do protagonista, que até então nem era interessado na garota e nem poderia se casar com ela dadas as estipulações sociais da época, e isso faz com que todo um segredo que estava escondido por anos de esquecimento ressurgirem. O ciúme tira a nossa racionalidade, faz com que vejamos monstros onde eles não existem. Nos tornamos irracionais e esquecemos das regras de decoro. Nessa narrativa que bebe muito de O Castelo de Otranto (romance clássico de fantasmas escrito por Horace Walpole), Clara Reeve brinca com as convenções sociais e nos traz uma narrativa sobre indivíduos honrados e tolos desonestos.
A narrativa começa com sir Philip Harclay que acabava de voltar de uma campanha no Oriente Médio onde havia passado por inúmeros desafios e agora deseja uma vida tranquila. Só que a perda de um querido amigo o faz visitar as terras de lorde Fitz-Owen onde acaba por conhecer o jovem Edmund, um rapaz que foi adotado pelo velho barão por conta de sua honradez e inteligência. Depois da visita a narrativa passa a tocha para Edmund e aí vamos conhecer um pouco mais da vida desse jovem rapaz. Apesar de ser muito talentoso, existe um teto social ao qual ele não pode quebrar. Por mais virtuoso que seja, Edmund é um camponês cujos pais são pessoas simples que vivem nas terras do barão. A amizade de Edmund desperta a ira de membros da família de lorde Fitz-Owen que fazem o possível para destruir a reputação dele. Quando algo grave acontece, Edmund é enviado para uma ala abandonada do castelo onde dizem que espíritos malignos assombram o lugar. É lá que o garoto irá descobrir um segredo terrível envolvendo o antigo dono do castelo e poderá mudar sua vida para sempre.
Clara Reeve escreveu O Velho Barão Inglês em 1778. Menciono isso porque ao lermos a obra vamos observar várias características típicas de romances vitorianos ou até góticos (embora ache um exagero afirmar isso como comento a seguir). Uma escrita bastante pesada que se vale de descrições extensas sobre o ambiente e o humor dos personagens. Aqueles adjetivos exagerados para qualificar virtudes ou defeitos daqueles que estão envolvidos na trama. Uma frequente exortação da fé católica para justificar certas ações. Personagens que são exageradamente emotivos. Tudo entra na cartilha de obras posteriores. Porém, Clara Reeve é uma das precursoras desse gênero de histórias. Aconselho os leitores a irem com calma na leitura porque podemos nos perder do rumo tomado pela narrativa com frequência. Detalhes acabam se perdendo em um fluxo de pensamento constante com mudanças de direção que acontecem subitamente na história. A escrita da Clara Reeves é em terceira pessoa onisciente com o leitor observando a tudo do alto. Não há divisão por capítulos, sendo uma escrita corrente até o final.

O livro se pinta como sendo uma história de fantasmas, mas assim como no romance de Walpole, há bem pouco disso. O tema do sobrenatural é abordado como uma forma de os personagens pagarem por seus pecados, sendo perseguidos por aqueles a quem cometeram o mal. Ou seja, o espírito é um elemento de enredo que serve como um deus ex machina e o autor precisa começar a contar a verdade sobre algum mistério ou segredo. Quando não há como conseguir pistas materiais, o fantasma surge e, através de uma linguagem críptica, procura auxiliar o protagonista ou seus aliados na direção certa. Não há o terror propriamente dito, mas a vergonha e o medo de estar próximos a alguém que já passou por esse plano. Também não veremos os fantasmas agindo fisicamente ou diretamente com o mundo material. Me parece que é em O Castelo de Otranto e nesses romances pré-góticos que se estabelece o alcance dos espíritos daqueles que já se foram. Também se torna uma convenção de que ao se resolver a injustiça, estes passam para o outro mundo. Nesse sentido, o romance de Clara Reeve é muito bom para estudarmos o que viria a se tornar convencional em histórias de fantasmas. E considero também O Velho Barão Inglês até mais acessível, no sentido de compreensão, do que O Castelo de Otranto.
Esta história é aquele grande novelão dramático que a gente pode esperar de alguns romances vitorianos. Temos um elenco de personagens que habitam uma grande casa que até então parecia equilibrada e tranquila quando um evento marca a mudança de ares. Edmund é uma espécie de ser estranho dentro da casa já que é um camponês e alguém que deveria fazer parte do corpo de empregados da casa, mas por causa do carinho sentido pelo barão se tornou quase um agregado. Os momentos iniciais da narrativa servem para que o leitor se acostume com aquele ambiente específico. É mostrado os personagens, algo que é feito usando sir Harclay como nossos olhos. A narrativa não é sobre Harclay, com ele servindo de estopim para a história. Depois de temos uma visão geral sobre o ambiente, passamos para Edmund, que é o verdadeiro protagonista. Aos poucos, Reeve vai inserindo sua cota de mistérios acerca das origens do protagonista. O segundo ato vem com as tentativas de descreditar a imagem do protagonista até o momento da tragédia.
O tom do terceiro ato me fez pensar em O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, com uma busca por "vingança" do protagonista. Claro que a vingança aqui é menos física, e mais no aspecto do status e do reconhecimento. Há uma inversão de ações nesta parte. Se o protagonista era passivo até então, tentando se defender daqueles que queriam lhe fazer mal, a partir daqui ele passa a ser ativo, tendo o conhecimento de parte dos mistérios e almejando justiça enquanto corre atrás dos detalhes da verdadeira história. Assim como em romances de mistério, sempre falta algum elemento do segredo que escapa, algo crucial e que fará a diferença mais adiante. A mudança de status do protagonista provoca uma reviravolta na história que segue até o seu momento climático. Reeve segue bem essa cartilha, mas a narrativa nunca chegou a me empolgar tanto. Há um ritmo bem retilíneo no seu andamento e mesmo quando o mistério começa a ser revelado, algumas incongruências incomodam o leitor. Outro ponto é que nunca senti que o protagonista realmente corria perigo ao longo da história. Havia sempre uma margem de segurança em suas ações.
A única personagem feminina mais ativa da história, lady Emma, é bem irrelevante no todo. Ela é o "objeto cobiçado" pelo protagonista e pelo líder dos seus agressores. Tem a mãe do protagonista, mas ela aparece em pouquíssimos momentos. Apesar do sucesso de Reeve como autora, não posso dizer o mesmo sobre a inclusão de quaisquer personagens femininos na trama. O que é possível afirmar como positivo é que a personagem tem algum grau de liberdade para escolher aquele com quem irá se casar. Isso até certo ponto. Nunca desrespeitando as normais sociais.
O Velho Barão Inglês é um daqueles romances que servem como fonte de estudo sobre a sociedade de sua época. Poder ter acesso a um romance do século XVIII e que teve, tematicamente, bastante influência sobre o que viria depois é um privilégio. Vale aos autores também buscarem as origens de certas convenções sobre histórias de fantasmas. É bom conhecer para saber como é possível subverter. Os personagens são minimamente interessantes e todo o ar de novela dramática faz com que o leitor fique preso na história até o seu desfecho. Os personagens não são necessariamente empáticos, mas mal ou bem queremos saber os seus destinos. Ressalto a importância de uma leitura atenciosa dados os detalhes que são postos em cada parágrafo, mesmo com eles parecendo longos ou empolados demais. É um bom livro, que é fruto de sua época e precursor de muita coisa boa que viria no próximo século.


Ficha Técnica:
Nome: O Velho Barão Inglês
Autor: Clara Reeve
Editora: Escotilha
Tradutora: Luisa Geisler
Número de Páginas: 160
Ano de Publicação: 2021
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