É mais um verão em família e Rose vai junto de seus pais para sua casa de veraneio em Awago. Lá ela vai se reencontrar com sua amiga Windy onde juntas aprontarão todas. Mas, esse não será um verão qualquer já que muita coisa irá acontecer.

Sinopse:
Todo verão, Rose vai com seus pais para uma casa no lago em Awago Beach. É a sua fuga, o seu refúgio. A amiga de Rosie, Windy, também está sempre lá, como a irmãzinha que nunca teve. Mas este verão é diferente. A mãe e o pai de Rose não param de brigar, e quando Rose e Windy procuram se distrair do drama, se deparam com um novo conjunto de problemas. Os adolescentes da praia local, apenas um par de anos mais velhos que elas, se envolvem em algo ruim… algo que põe em risco suas vidas. É um verão de segredos, dor e crescimento, e é uma coisa boa que Rose e Windy tenham uma a outra. Aquele verão é uma graphic novel de duas quadrinistas com verdadeira influência literária. Artistas premiadas, e primas, Jillian e Mariko tamaki colaboram nesta bela, comovente e esperançosa história sobre uma garota à beira do fim da infância - uma história de revelações e renovação.
Minha relação com esse quadrinho é bem curiosa. Acabei comprando durante uma promoção da editora Mino (que sempre tem materiais ótimos) e ele veio junto com os dois últimos volumes de Gideon Falls, que era o quadrinho que eu estava querendo de verdade. Vários colegas destacaram as qualidades da história e da arte e acabei seduzido por isso. Coloquei o quadrinho na minha eterna pilha de leitura e a vida seguiu. Anos se passaram e nada de ler; ele sempre caía e outros quadrinhos passavam a frente. No ano passado decidi fazer uma limpeza e separar várias pilhas de materiais para vender ou doar e Aquele Verão entrou no bolo porque estava parado há muito tempo. Quando estava para vendê-lo, separei uns dez quadrinhos para ler antes de vender de fato e a maioria destes realmente acabei vendendo com exceção de Aquele Verão. Fiquei encantado com a história e isso me fez pensar: por que diabos não li este quadrinho antes? Não vou vendê-lo mais nem de brincadeira. Voltou com orgulho para a minha estante. E quero nas próximas linhas tentar convencê-lo de o quanto este quadrinho é legal. Não vai ser aquela leitura revolucionária, aquela explosão de fogos de artifícios criativos, mas a história é tão boa e tão comum que você vai se identificar com algum ponto dela.
A narrativa não poderia ser mais simples: Rose é uma adolescente que costuma passar suas férias de verão em uma casa de veraneio dos seus pais, Evan e Alice. Em Awago, Rose costuma ficar junto de sua amiga de infância, Windy, que ela sempre encontra nas férias de verão. E elas aprontam todas. Mas, esse verão será diferente porque Rose e Windy estão passando por aquela fase de suas vidas onde as coisas começam a se transformar e suas percepções de mundo também. Alice, sua mãe, parece estar passando por problemas conjugais com seu pai, o que causa muita tensão durante o verão. Enquanto seu pai deseja apenas se divertir e curtir as férias, Alice está em uma fase de depressão que Rose não consegue entender. As duas meninas frequentam o mercadinho local onde compram doces e alugam DVDs para assistir no notebook. Elas estão naquela fase de alugar filmes de terror proibidos, daqueles violentos demais para menores como A Hora do Pesadelo e Tubarão. Rose parece ter um crush pelo garoto idiota do mercado, alguém que Windy apelida carinhosamente de Traste. Só que Dunc parece ter seus próprios problemas quando algo inesperado acontece com sua paquera Jenny. É... esse verão promete.
Já dá para perceber de cara o quanto a arte da HQ é bem diferente. As irmãs Tamaki usaram o branco e o roxo como as duas cores e isso chama a atenção do leitor. Uma simples escolha fazem quadros que pareceriam normais ganharem outro tom para nós. São ângulos e cenas que me parecem familiares, mas que são mais expressivos. Além disso, a HQ me parece quase um mangá não só pelo seu tamanho, mas pela escolha das autoras de usar poucos balões de diálogo e deixar a arte respirar. Tem sequências de várias páginas sem qualquer diálogo ou splash pages uma após a outra. Transforma a leitura em algo muito dinâmico. Devorei a HQ em pouquíssimo tempo, algo que eu não deveria ter feito. Essa é uma daquelas histórias para a gente apreciar e curtir, então passem algum tempo observando as paisagens e os traços propostos pelas autoras. Outra preocupação que elas possuem é em usar outros dos nossos sentidos para complementar a leitura. Por exemplo, tem várias cenas em que elas procuram traduzir para o leitor os sons e cheiros do local onde elas estão. Sejam as batidas fortes do coração da Rose ou a linda sequência de dança da Windy (a que está em cima não é a única). Isso é algo que não vemos com frequência.

A gente consegue visualizar na arte as várias influências que cercam as irmãs Tamaki. Ao mesmo tempo em que o traço tem muito do europeu, com o uso de poucas linhas para representar os personagens (linha clara), as sequências de cenas me fizeram pensar nos mangás japoneses com uma preocupação em apresentar sequências claramente voltados de aspecto para aspecto se concentrando em momentos importantes ou objetos que tiveram algum impacto naquela cena (as pedras da Rose, os doces, o mar onde elas nadam). Existe toda uma naturalidade na maneira como os quadros são apresentados: eles fazem sentido para aquele momento. Por exemplo, quando temos toda uma sequência de quadros sem balonamento em uma chuva, mostrando só a Rose chorando e seguindo para a praia para ficar sozinha. É importante naquele momento focar no cenário e na silhueta da personagem, porque se tratava de uma situação forte para ela. Alguns momentos elas utilizam um ótimo sombreamento que fornece um ar bastante legal e despojado para as cenas.
A narrativa é um bom slice of life, apresentando um recorte da vida da personagem em um determinado verão. As autoras são muito felizes em conseguir apresentar cenário e personagens em tão pouco tempo e fazer com que o leitor se importe com elas. O legal é que isso é feito sem precisar sobrecarregar nos diálogos, às vezes apresentando uma característica de um personagem apenas se focando em acontecimentos. Por exemplo, sabemos que Evan é um pai brincalhão apenas pelas bobagens que ele apronta com as meninas. Os problemas apresentados são bastante comuns e conseguem ser associados às nossas próprias vivências. Podem não ser todos, mas alguns deles podem ter feito parte da sua adolescência. As Tamaki tratam dos temas com bastante seriedade e apresentando o mundo dessas jovens em fase de amadurecimento a partir dos seus próprios olhares. A gente sente uma progressão acontecendo porque as meninas estão claramente alterando seus olhares para o mundo que as cerca. A gente vê a diferença de perspectiva entre as amigas no final; elas continuam amigas, mas algumas coisas claramente mudaram.
Rose é a típica adolescente de sua idade: sempre imaginando que o mundo gira em torno de si. E isso não é uma crítica já que todos nós em algum momento nos achamos assim. Faz parte de nossos próprios egos nos imaginarmos protagonistas de nossas próprias histórias. Só que a Rose ainda é imatura em muitos sentidos. Ela não é capaz de compreender os problemas vividos por seus pais; sua mãe apenas é muito chata para ela. Ela não consegue perceber que o seu crush é um cafajeste e vagabundo completo; apenas que ele é gatinho e descolado. Então a personagem vai ser confrontada com várias situações que vão colocar suas certezas em dúvida. O seu mundo perfeito vai sendo desconstruído pouco a pouco e o mundo real vai transparecendo para ela. O que começa como as "brigas de sempre" de seus pais vai tomando outra proporção à medida em que eles não conseguem mais esconder suas desavenças. Chega ao ponto de ela sentir que o seu lar pode estar sendo destruído e ela poder perder o contato com seu pai, a quem tem um carinho enorme. Ela não está em sincronia mais com sua mãe que lhe parece mais uma pessoa estranha. É interessante que uma colocação que a Windy faz quase no final da HQ para Rose (que a deixa bastante chateada com a amiga) faz bastante sentido. E isso fica claro em como a garota não dá tempo sequer de entender o lado de sua mãe ou da Jenny, a namorada de Dunc.

Como a narrativa é percebida pelo lado da Rose, a Windy acaba vindo muito a reboque na narrativa. Mas, é impressionante o quanto a presença dela é tão forte que ela assume um coprotagonismo. Windy é hiperativa, se expressa com a dança e suas brincadeiras. Ela é a mais criançona das duas, talvez por ser um ano mais nova. Mas, é a que mais amadurece no final a ponto de confrontar sua melhor amiga. Está bem na cara que a Windy nutre sentimentos mais fortes pela Rose e age de forma protetora quando percebe que Rose está caidinha pelo Dunc. Ela ainda está se descobrindo como pessoa, por isso ela é meio vaga em suas assertivas. Procura esconder suas inseguranças com uma postura que parece boba, mas não é. Ela percebe de cara os problemas que Jenny vive com Dunc e o quanto este está sendo canalha com a jovem. Tanto que ela muda a visão que ela tinha da garota depois de algumas interações. E claramente tem uma péssima imagem de Dunc, não só por ser seu rival no amor, mas pelo que ele representa. Se Rose está enfeitiçada pelo crush, Windy o enxerga como é. Ela também é uma ótima parceira e companheira para a sua amiga, principalmente quando percebe o que está acontecendo no ambiente familiar de Rose. É muito legal ver as duas passando por aquela fase de compartilhar gostos de filmes. Elas assistem filmes de terror e acham o máximo ficarem assustadas. É aquele pequeno segredinho particular entre amigas. Também passei por essa fase onde eu e um grupo de colegas nos reuníamos para assistirmos filmes como A Hora do Pesadelo, Sexta-Feira 13, Palhaços Assassinos do Espaço. É uma fase que várias pessoas já passaram.
Não vou entrar nos problemas da Alice e do Evan porque eles fazem parte meio que da essência do que as autoras querem trazer. Mas, gostaria de falar um pouco sobre Dunc e Jenny, até porque eles trazem muito do que é o nosso próprio cotidiano. Eu mesmo já ouvi e presenciei vários casos como esse. Dunc é o típico adolescente babaca que trabalha no mercado local. Tem aquele jeitão de desajustado, bebe, fuma e curte com os amigos. De vez em quando está enrolado com alguma gatinha da região. É curioso porque costumamos construir um estereótipo dessas garotas adolescentes que estão em fase de descoberta sexual como "vagabundas" ou "mulheres fáceis". Aqui no Rio de Janeiro costumamos chamar de "periguetes". A visão do senso comum é de que são garotas sem eira nem beira e que acabam engravidando rápido e merecem estar na posição em que se encontram. É o tipo de visão machista bastante típica de uma sociedade patriarcal. Costumamos jogar a culpa nas mulheres. Não procuramos entender o seu ponto de vista. E o homem é entendido quase sempre como a vítima do processo. As autoras nos mostram a sutileza desses rótulos e o quanto Dunc é um canalha com a Jenny. É óbvio que depois de algumas saídas e pegações no QG sujo dos adolescentes paqueradores, a Jenny engravidar seria uma consequência meio óbvia. O que vamos presenciar depois é o garoto procurando se esquivar da responsabilidade seja evitando as ligações dela, ignorando os apelos de ajuda, alegando que o filho não é dele e até classificando-a como golpista ou "fácil". Rose, como está encantada pelo garoto, ignora todos os sinais de alerta e considera o garoto como descolado. A culpa da confusão toda, na visão dela, é da Jenny. É sua rival e está pagando por ser uma "vagabunda". Essa discussão proposta pelas irmãs Tamaki é fascinante porque percebemos o quanto a sociedade rapidamente julga essas situações, criando os rótulos e as justificativas.
Aquele Verão é uma leitura gostosa e fascinante de fácil compreensão. A arte é linda e considero todos os instrumentos que as autoras usaram uma pequena mostra da versatilidade delas. A narrativa pode ser associada às nossas vidas com bastante facilidade e são propostas discussões bastante pertinentes. Para aqueles que curtiram quadrinhos como Verões Felizes, do Zidrou, ou Uma Irmã, do Bastien Vives, é certamente um estilo de leitura bastante familiar e com altas doses de nostalgia.


Ficha Técnica:
Nome: Aquele Verão Autoras: Jillian Tamaki e Mariko Tamaki
Editora: Mino
Gênero: Ficção
Tradutora: Dandara Palankof
Número de Páginas: 320
Ano de Publicação: 2019
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