Nosso protagonista é um andarilho mudo e sem nome que carrega uma espada e um bebê em uma jornada rumo à Cidade Brilhante. Pelo caminho, eles terão de enfrentar todo o tipo de criaturas infernais em uma série com muitas referências lovecraftianas.
Sinopse:
Seu nome é o Andarilho. Ele não tem outro nome.
Anos se passaram desde que a destruição da humanidade emergiu da Brecha. Sozinho e sem amigos ele caminha através de um terreno desolado e marcado pela guerra.
A cada dia que passa o mundo decai cada vez mais na depravação, torcido e deturpado pela nova ordem, corrompido pelo Usurpador, o inimigo, e sua horda infernal.
O propósito do Andarilho é alcançar a Cidade Brilhante, o último bastião da raça humana e entregar a única arma que pode fazer a diferença nesta guerra sem fim.
A pequena esperança que resta está morrendo. Abandonado pelo seu líder, Os Sete, e seus heróis, Os Cavaleiros Serafim, as últimas defesas do que uma vez foi uma grande civilização estão se transformando em pó.
Mas, a Cidade Brilhante está muito longe e o mundo é um lugar muito perigoso.
Fantasias do gênero grim dark estão se tornando comuns nos dias atuais. Grim Dark é um estilo de histórias em que o livro se volta para uma ação mais violenta, um cenário devastado e um protagonista que muitas vezes é um antiheroi. Alguns autores, como Peter Newman, se destacam por tornar a sua história única, mudando algum elemento do enredo ou criando personagens realmente marcantes. The Vagrant é o primeiro romance de Newman publicado em uma grande editora (tenho certeza que o autor deve ter alguns contos ou novelas escondidos na gaveta). Já em The Vagrant conseguimos perceber a qualidade do trabalho do autor.
Nosso protagonista não tem nome. Ele é conhecido apenas como The Vagrant e ele atravessa uma estrada tortuosa em direção ao norte. Seu objetivo é a Cidade Brilhante, a última cidadela que compõe a defesa dos homens contra as forças infernais. Em seu colo, The Vagrant carrega um bebê e em suas mãos puxa uma cabra. São suas únicas companhias neste mundo. De onde eles vêm? Não se sabe. As poucas informações que temos sobre o personagem é que o bebê não foi tocado pelas energias malignas, a espada que ele carrega na cintura o destaca como um Seraph Knight (um espadachim que combate as forças infernais; talvez um dos últimos) e que as forças do Usurpador estão em seu encalço. Junto do bebê e de sua cabra, The Vagrant viverá inúmeras aventuras, fugindo das forças infernais, mas tocando a vida de todas as pessoas com quem ele tem contato.
É preciso destacar primeiramente a ambientação. Foi muita coragem do autor misturar elementos demoníacos e infernais com uma fantasia tradicional. Aliás, nem tão tradicional assim já que existem também elementos de ficção científica. Claro que existem outros autores como Peter V. Brett em sua saga Ciclo das Trevas que exploram a relação entre humanos e demônios. Mas, em The Vagrant, Newman emprega aspectos de decadência e putrefação em suas descrições. É bem clara a inspiração lovecraftiana quando o autor explora as minúcias da forma horripilante que é Patchwork, um dos personagens presentes na trama. Ou como ele descobre a forma como uma armadura de metal se uniu de forma dolorosa ao corpo de uma jovem, formando o Martelo-Que-Caminha. Só isso já me conquistou.
Porém, o leitor sente bastante dificuldades nas primeiras noventa páginas. Isso porque somos afogados em informações sobre o mundo, que muitas vezes o leitor não pega de imediato. Eu demorei a entender quem era o Usurpador, ou o Incivil. Demorei também para compreender os acontecimentos que levaram à fuga das forças infernais da Brecha. Essa parte inicial da leitura foi um pouco lenta e tortuosa. Entretanto, depois que eu me aclimatei à ambientação, aos personagens e ao enredo, a história fluiu maravilhosamente bem. Os capítulos de interlúdio servem para contar um pouco da mitologia infernal criada pelo autor. Ache interessante que o autor deixou muito espaço para escrever um prequel abordando os acontecimentos anteriores à invasão infernal.
Os personagens são marcantes. Trabalhar com um personagem que não fala deve ter sido um trabalho bem complexo. O protagonista depende da forma como o autor descreve as suas ações ou de outro personagem para passar seus diálogos. Entretanto, isto torna o personagem mais delineado porque as descrições acabam sendo mais profundas. O autor acaba tendo que se concentrar em traços expressivos do personagem como o olhar, o movimento das mãos ou até mesmo alguma outra marca expressiva. Essa qualidade da pena do autor também está presente nas cenas com Vesper. Estas são as cenas mais sutis e sentimentais do livro. A maneira como Newman trabalha os primeiros passos de Vesper ou como ela explora o mundo em seus olhos de bebê é fenomenal. Aplausos para o autor.
Percebi que o autor tem também uma boa noção de ritmo. Quando ele percebe que a trama está com um tom muito sério, ele apresenta uma cena com a Cabra e quebra toda esta sensação de desesperança. A Cabra protagoniza alguns dos momentos mais hilariantes do livro. Prefiro até nem falar muito para deixar o leitor descobrir por si só. Ou então quando o autor alterna para outro personagem e mostra outro lado da ação. Newman não trabalha com Pontos de Vista, mas ele alterna muito bem as cenas mostrando, por exemplo, os motivos para o Incivil ter se separado do Usurpador e como os Cavaleiros de Jade e Pó reagem à decadência de seu líder.
"Ele pega a sua espada, puxa um casaco de um dos cadáveres, enrolando em volta dele e do bebê. Sua testa descansa em seu pescoço, preocupantemente quente. Ele franze a testa e segue em direção a New Horizon. Um homem devastado sem voz, sem amigos e sem uma casa. Um vagabundo."
A temática do livro é a decadência do homem. Diante de uma falta de esperanças provenientes das forças infernais, os homens que moram no sul acabaram contaminados pela semente do mal. Esta mácula acabou por despertar aquilo que há de pior nos homens. Vemos traficantes de jovens, homens que se entregaram às drogas e todo o tipo de violências originadas da falta de esperança. The Vagrant traz esperança de volta por onde ele passa. Não através de sua força descomunal, mas através do seu amor pelo próximo. Aspecto muito bonito da trama que me fez lembrar os quadrinhos do Lobo Solitário de Kazuo Koike. O livro apesar de contar uma história de vingança do protagonista, trabalha vários pontos do bushido ao longo de sua jornada. E The Vagrant pesa neste sentido: o protagonista possui valores que ele se recusa a deixar de lado mesmo diante de situações tão terríveis.
No final, Newman esboça trabalhar a dualidade entre transformação/estabilidade. Enquanto as forças infernais buscam explorar a mudança nos homens, os Sete querem a permanência. Os meia-vidas (aqueles tocados pela mácula) são homens em busca de uma identidade. Suas transformações são baseadas na decadência de seu mestre, entretanto, eles são diferentes, distintos. Mesmo em uma coletividade, eles mantém sua individualidade. Já a Cidade Brilhante é uniforme demais. Todos seguem uma cartilha certa, caracterizando uma civilização de profunda estabilidade. Mas, esta estabilidade também é sinal de decadência, já que a inventividade é menosprezada. Isso faz com que a própria cidade esteja estagnada.
The Vagrant é um livro fantástico com profundas reflexões apresentadas ao longo de suas páginas. Eu destaco o trabalho na ambientação e nos personagens feitas por Newman. Acredito que alguns elementos de enredo, o autor deixou para desenvolver em volumes subsequentes da série. Pensar que isto é o primeiro grande romance de um autor é fantástico. Estou ansioso por novas histórias de The Vagrant, Vesper, da Cabra e de Harm.
Ficha Técnica:
Nome: The Vagrant
Autor: Peter Newman
Série: The Vagrant vol. 1
Editora: Harper Voyager
Gênero: Fantasia/Terror
Número de Páginas: 416
Ano de Publicação: 2016
Outros Volumes:
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