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Foto do escritorPaulo Vinicius

Resenha: "Revista Trasgo nº 2" organizado por Rodrigo van Kampen

Atualizado: 28 de mai. de 2019

Essa segunda edição da Trasgo está muito boa. Além do conto Rosas, de Ana Lúcia Merege, temos uma história escrita por Jim Anotsu e o surpreendente Cinco Bilhões de Victor Oliveira de Faria.

Nesta resenha estão os seguintes contos:


1 - "Rosas" (de Ana Lúcia Merege)

2 - "Cinco Bilhões" (de Victor Oliveira de Faria)

3 - "Hamlet: Weird Pop" (de Jim Anotsu)

4 - "Código Fonte" (de George Amaral)

5 - "A Maldição das Borboletas Negras" (de Albarus Andreos)

6 - "O Homem Atômico" (de Cristina Lasaitis)


Seguem as resenhas:


1 - "Rosas"


Autora: Ana Lúcia Merege Avaliação:

Gênero: Terror



Uau!!! Esse é um daqueles contos que fazem você usar essa interjeição. Simplesmente porque o leitor não vê o que a autora está aprontando até o momento derradeiro. Antes de mais nada é preciso elogiar a escrita da Ana Lúcia. Esse é o terceiro conto que eu leio dela e acho que existem poucos autores com a clareza que ela possui ao nos apresentar os parágrafos. Ela pode nos oferecer uma história de magia, uma aventura, uma alta fantasia ou este terror psicológico. Aliás, estou pisando em ovos ao fazer esta resenha porque quero muito não estragar a surpresa. Mas, basta saber que a autora consegue sair do doce para o horrível em poucas linhas. É uma lenta progressão rumo à decadência do espírito humano.

Nesse sentido a ambientação construída por ela é bem sutil. O leitor vai entrando naquele ambiente doce e "florido", fazendo um trocadilho com o título do conto. O mais legal é perceber como um conto pode apresentar uma história tão interessante com poucas páginas. A reação que eu tive ao terminar de ler foi semelhante à que eu tive quando terminei de ler "A Bicicleta Fantasma", conto curtinho escrito pela Karen Álvares, uma das minhas melhores leituras de 2016. Esse já entrou nesse hall esse ano. A construção do terror psicológico não é algo fácil de fazer. Simplesmente porque o autor precisa fazer toda uma construção progressiva do medo para que o leitor o sinta quando ele vier. E aqui temos um conto de pouco mais de 5 páginas onde a autora consegue fazer isso com maestria. É como se a Ana Lúcia pegasse na sua mão dizendo que tudo vai ficar bem e te levasse para dentro de um túnel escuro e assustador. Ana Lúcia, você já se tornou minha malvada favorita.

Recomendo muito esse conto. Não se deixem levar pelo tamanho. Você será impactado do mesmo jeito. E a autora conseguiu brilhar e mostrar todo o seu talento como contadora de histórias.


2 - "Cinco Bilhões"


Autor: Victor Oliveira de Faria Avaliação:

Gênero: Ficção Científica



Este é um conto incrível sobre Keyra, uma humana que vive em uma Terra bilhões de anos no futuro. Nessa época os humanos já possuem uma outra estrutura corporal e convivem com os tecnoeternos, um grupo de seres artificiais que ajudam a preservar o que restou da humanidade. Nossa protagonista é uma cosmocalculista, especializada em trabalhar com cálculos interestelares. Mas, ela não é uma cosmocalculista comum; ao invés de ter nascido racional, ela é emotiva. Ou seja, ela tem apego ao lugar onde vive e uma estranha relação com o sol vermelho que ilumina a Terra. E quando eles se deparam com a iminente morte do sol vermelho, planos precisam ser traçados. Não é o desejo de Keyra abandonar a Terra, mas os tecnoeternos não veem outra saída. Até que Keyra tomará uma decisão arriscada.

O que eu senti nessa história é uma ode de amor ao nosso sol e ao nosso planeta. Como ele alimenta nossas vidas, como ele nos sustenta. Em todos os personagens desse conto sentimos uma preocupação com o bem-estar da Terra e um desejo por não deixar este lugar para trás. Em um momento em que falamos tanto de aquecimento global e como os próprios homens estão sendo responsáveis por destruir os recursos naturais do planeta, um conto desses chega a aquecer o meu coração. A ficção científica é um gênero que nos ajuda a pensar nosso papel no universo e o autor retoma aqui esta essência. Gostei muito da forma como ele tratou do tema.

Por outro lado, tem algo a mais escondido no fundo da história. Senti que o autor quis trabalhar a noção do ciclo do eterno retorno. Esta é uma ideia trabalhada já em vários lugares e por muitos pensadores de que tudo o que fazemos é cíclico. Nossas vidas são cíclicas. E este círculo é importante para o equilíbrio do universo. Basta pensar na imagem já clássica da cobra que morde o próprio rabo. Tudo está interligado de alguma maneira por uma teia universal que nos guia e nos impele a tomar determinadas ações. O que Keyra faz ao longo do conto é justamente isso; essa é a resposta que ela procurava para poder salvar o sol vermelho. Ao mesmo tempo o autor indica que existe sempre alguma lição a ser aprendida com nossos antepassados. Não vou adentrar mais nesse tema, caso contrário vou estragar as surpresas planejadas pelo autor.

Apesar de parecer ser uma ficção científica mais hard, o autor consegue apresentar seus temas de uma maneira bem simples e objetiva. Em nenhum momento eu fiquei perdido na história mesmo com os altos conceitos apresentados. Esta não é uma história sobre personagens, mas sobre ideias. Portanto, desenvolver muito os personagens nunca fez parte do plano principal. Mesmo assim, a protagonista é bem trabalhada. Temos outros dois personagens que poderiam ter sido melhor caracterizados, mas no final eu entendi aonde o autor quis chegar.

3 - "Hamlet: Weird Pop"


Autor: Jim Anotsu Avaliação:

Gênero: Fantasia



Este conto é uma espécie de sátira feita por Jim Anotsu à modernização de algumas peças de teatro baseadas em textos antigos. É o adaptar ao novo público, atrair uma plateia que não conhece a peça. O que aconteceria se o autor original viesse processar o atual diretor de uma peça por deturpar sua obra? Essa é a proposta presente aqui.

Em primeiro lugar é preciso destacar a habilidade de Anotsu ao escrever uma narrativa simples e torna-la interessante aos olhos do leitor. Se pararmos para refletir um pouco, o que vemos nas linhas aqui é quase uma tirada sobre o mundo contemporâneo. Acho que muitos de nós já pensamos no tema em algum momento seja com adaptações de livros de autores já falecidos (eu já imaginei muitas vezes a Mary Shelley esganando diretores de cinema). A diferença aqui é que Anotsu, de fato, colocou sua ideia no papel. Serve até de lição a muitos autores: se você tem uma ideia original, escreva. Não espere o momento certo ou a ideia incrível. Apenas faça.

A seguir, também vale destacar a presença do fantástico na história. O que eu pude perceber é uma certa inspiração na obra de Neil Gaiman. O fantástico está presente no dia-a-dia, nas bordas escuras e confusas da nossa realidade. Nada de espadas, magias ou mundos incríveis, mas a presença do maravilhoso em nosso mundo. A protagonista tem um susto no começo, quando se depara com a criatura, mas depois ela passa a encarar com graus moderados de adaptação. O mais incrível é que a história toda poderia ter sido apenas fruto da imaginação da protagonista, um momento de stress em que ela passa por tudo aquilo.

A narrativa é em terceira pessoa, com um bom encadeamento de palavras. Dei apenas uma coruja porque não consegui entrar na história. Não consegui comprar a narrativa propriamente dita. Neste caso, a culpa é inteiramente minha e de minhas preferências. Em nada tem a ver com a qualidade do autor ou da narrativa. Fica aquele aviso básico: leitura é algo individual, sendo que um livro em particular pode agradar a mim e não a você. O que eu procuro fazer por aqui é dar algumas pistas do que vocês podem encontrar em uma história. Se eu recomendo Hamlet: Weird Pop? Com certeza. Ainda mais que é um conto curtinho.


4 - "Código Fonte"


Autor: George Amaral Avaliação:

Gênero: Ficção Científica



Adoro quando um autor me surpreende com uma narrativa tensa e cruel. Esse é Código Fonte. Quem se lembra da boa e velha cena dos desenhos do Pica-Pau em que ele era vítima de uma experiência em que a consciência dele era colocada na mente de outra pessoa? Quando eu li Código Fonte me lembrei na mesma hora desse episódio. Nosso protagonista é Alexandre, que frequentou a faculdade juntamente com Cris. Os dois se encontram em um bar retrô em um futuro não especificado. Cris conta uma história insólita sobre as experiências de seu pai. Alexandre fica curioso e vai visitar o pai de Cris e percebe algo incrível. Parece que eu dei spoilers? Só parece mesmo... George Amaral preparou várias surpresinhas ao longo da narrativa.

Apesar de podermos encaixar o conto no gênero da ficção científica, eu o imagino mais como um bom e velho terror. Isso porque o autor precisa construir a tensão e o medo ao longo da história. É necessário situar a narrativa, conduzir o leitor dentro da imaginação e da proposta posta na mesa pelo autor. Aos poucos tudo vai em um crescendo pavoroso até chegar ao final da história, quando acontece uma virada e nosso mundo cai de cabeça para baixo. Nesse sentido eu achei que o autor foi muito bem sucedido nessa construção.

Torna-se importante desenvolver levemente a mentalidade e a psique dos personagens. Não é preciso explicitar longamente o passado do personagem ou sequer apresentar o ambiente. Nesse sentido é que eu posso dizer que a narrativa desse conto é de terror. O aspecto tecnológico serve para contribuir na construção da atmosfera de medo. Só não compreendi totalmente a necessidade da troca de palavras entre Alexandre e o barman na primeira página. A menos que tenha algum significado que eu não tenha compreendido, não vi a necessidade de todo.

A narrativa é em terceira pessoa com vários pequenos detalhes que são inseridos pelo autor aos poucos que vão culminar na virada que acontece lá no final. Gostei desse ponto porque a virada não veio do nada. Se o leitor parar e ler com atenção os trechos iniciais vai perceber nos diálogos trocados pelo protagonista e os demais personagens pequenas informações deixadas aqui e ali. Por essas e outras, eu recomendo muito essa história. Vale mesmo a pena para quem é fã de uma boa história de terror.

5 - "A Maldição das Borboletas Negras"


Autor: Albarus Andreos Avaliação:

Gênero: Terror/Fantasia



Observando estes contos eu percebo o quanto não conheço determinadas lendas e mitos tipicamente brasileiros. Estamos tão acostumados com determinados personagens como o troll, o fantasma, a banshee, e outros desses mitos folclóricos europeus que quando aparece algo calcado no nosso folclore não reconhecemos. Adorei a maneira como o Albarus deu toda uma personalidade ao protagonista (ou seria antagonista?) de seu conto. Temos aqui Jubelina, uma criatura saída das profundezas do charco e que se encontra em uma séria crise de identidade. Ao mesmo tempo ela comete uma série de atrocidades deixando inúmeras vítimas por onde passa.

Queria perguntar de onde o Albarus tirou os nomes Jubelina e Astroaldo? Pelo amor dos meus filhinhos, que bizarro. Realmente parece algo bem regionalista. Onde eu dou aulas me deparo vez ou outra com esses nomes absurdamente estranhos. O que mais me deixou contente foi como a ambientação se relacionava diretamente à trajetória da personagem. Tudo fazia sentido dentro da narrativa básica. As próprias situações apresentadas são bem típicas do interior como pessoas se banhando em um rio, ou alegações de estranhas visagens em uma noite escura. Até mesmo a fala da protagonista é bem regionalizada. Não senti nada forçado ou diálogos estereotipados; muito pelo contrário. Tudo era bem verossímil.

Claro que essa verossimilhança dentro da proposta de mostrar a trajetória de um ser das profundezas fazendo suas vítimas. Compreendi como a crise de identidade da personagem pode ser entendida dentro do contexto da falta de preocupação nossa com os nossos mitos. Se enquadra dentro daquela ideia de que um mito pode desaparecer caso não seja relembrado sempre. Em História, dizemos que uma das funções principais da disciplina é manter a memória viva de um povo. Na literatura alguns autores levaram essa questão e apresentaram histórias bem curiosas. Tal é o caso aqui. Apesar de ser uma narrativa em terceira pessoa, ela é bem próxima da protagonista apresentando exatamente o que ela estava vendo ou sentindo em certos momentos. Somos colocados dentro da mente da personagem.

Enfim, vale destacar também que a escrita é excelente. Bem trabalhada, e tem até uma certa musicalidade nos parágrafos, me fazendo lembrar da literatura de cordel tão típica do nordeste brasileiro. O autor me ganhou nessa.


6 - "O Homem Atômico"


Autora: Cristina Lasaitis Avaliação:

Gênero: Fantasia (?)



Quantos de nós, em nossas vidas boêmias, já não encontramos criaturas absolutamente incríveis em nossas perambulações pelas noites das grandes capitais? Quando eu era solteiro e cursava a minha universidade cansei de me deparar com pessoas absolutamente fascinantes em sua loucura. Pessoas que alegavam serem filhos de Santos Dumont ou bêbados que apresentavam teorias bizarras sobre o desenvolvimento da humanidade. É nesse espírito que Cristina Lasaitis nos apresenta a história de mais um desses bêbados de rua que pode ou não ter sido um cientista nuclear importante.

A história segue um ritmo de causo. É como se alguém estivesse contando a você, leitor, uma história insólita e descrevendo passo a passo como esse “mito” teria ganhado força em uma determinada região. A autora deixa para nós dizer se a história é ou não real e acho que isso nem é o mais importante em questão aqui. No fundo, o que importa é entender como a história vai ganhando corpo através do boca a boca. Uma narrativa construída em terceira pessoa de uma forma bastante realista. Aliás, se me perguntarem eu diria até que não se trata sequer de uma literatura de gênero de tão nublada que é a construção e a superposição da mesma em qualquer estilo específico. Vale a pena pela habilidade da autora de contar uma história fascinante. Remonta até aos velhos contadores de histórias porque ela consegue prender a atenção do leitor o tempo todo. E isso levando em consideração que o conto é bem curtinho.

Podemos dizer também que a autora faz uma crítica sobre como alguns assuntos acabam tomando uma proporção maior do que aquilo que eles são na verdade. Partindo de uma fala de uma pessoa qualquer na rua, as pessoas ouvem e interpretam aquilo que elas desejam. É a velha noção do telefone sem fio. Quando uma pessoa lá no final da fila ouve novamente a mesma história, ela já adotou formas muito diferentes da narrativa original. Pode até não ser mais a mesma história. Pode ter contornos absurdos ou maravilhosos. O segundo caso é o que acontece aqui. Adorei o conto... mesmo com suas limitações de página, a autora conseguiu me conquistar.

Ficha Técnica:

Nome: Trasgo vol. 2 Organizado por Rodrigo van Kampen

Número de Páginas: N/I Ano de Lançamento:2013


Outros Números:


Link para download:

www.revistatrasgo.com.br




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