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Foto do escritorPaulo Vinicius

Resenha: "A Saga do Monstro do Pântano vol. 6" de Alan Moore, Stephen Bissette et al

Alan Moore encerra sua passagem pelo personagem em um arco de histórias onde o Monstro do Pântano tenta retornar para a Terra. Ele vai encontrar o Adam Strange, passar por um planeta biomecânico e até conhecer criaturas semelhantes a ele. Um belíssimo final para a passagem do Mago por este personagem que se tornou marcante em sua carreira.


Sinopse:


De 1983 a 1987, um jovem escritor britânico chamado Alan Moore revolucionou os quadrinhos dos estados unidos. Sua ousada abordagem na série do monstro do pântano, da dc comics, definiu novos padrões para a narrativa gráfica e desencadeou uma revolução na nona arte que repercute até os dias de hoje. partindo das premissas de horror gótico do título e construindo um marcante e intuitivo estilo narrativo e uma profundidade de caracterização sem precedentes, a visão de moore foi traduzida assombrosamente em belos desenhos de colaboradores como Stephen Bissette e John Totleben, Rick Veitch e Alfredo Alcala. o resultado é uma das mais duradouras obras-primas dos quadrinhos. este sexto e último volume da série reúne as edições 57 a 64 de Swamp Thing, e inclui as clássicas histórias Amor Alienígena e Toda Carne É Erva, bem como um texto introdutório de Stephen Bissette.






E com esse volume seis chegamos ao final da caminhada ao lado de Alan Moore contando a história de Alec Holland, o Monstro do Pântano, e sua amada Abigail Cable. Uma jornada que nos levou a vários lugares fantásticos e inusitados, nos fez refletir sobre diversos assuntos. Só tenho a elogiar esse trabalho magistral, e é inegável a marca que ele deixa em cada um de nós. Quando terminei o número 64 posso dizer que estava satisfeito e feliz de ter finalmente conhecido esse quadrinho. Essa é uma série perfeita, seja no seu conteúdo textual ou no artístico. Embora tenha achado o volume anterior melhor, este sexto tem aquele clima de despedida. A gente vai percebendo logo que começamos a ler a Odisseia vivida pelo Monstro que as histórias estão terminando. Por mim, leria as histórias do Moore sobre o Monstro eternamente, mas é visível o cansaço do Mago por conta da quantidade de projetos que ele participava naquele momento. Mesmo assim, ele entrega histórias incríveis até o final. Somente duas delas não tem roteiros dele, mas passaram por ele: Reunião, que foi escrita por Stephen Bissette e Comprimento de Onda, de Rick Veitch, que seria o sucessor de Moore na revista.


Dessa vez queria dar uma passada por cada uma das histórias para que possamos viver estes últimos momentos juntos. Não há spoilers aqui porque este sexto volume deve ser apreciado por todos. Vou mais compartilhar o que li e comentar a respeito. As duas primeiras histórias são Mistério no Espaço e Exilados e mostram o Monstro chegando a Rann, o planeta que se tornou o segundo lar de Adam Strange. O Monstro está tentando retornar para a Terra, após ter sido desconectado do planeta após o encerramento da confusão em Gotham no volume anterior. Ao chegar em Rann, ele se depara com um planeta bastante desértico, habitando por indivíduos focados na tecnologia. No primeiro volume, temos Adam Strange lutando contra o Monstro, em um repeteco dos encontros típicos entre super-heróis. O velho clichê da confusão que os transforma em inimigos no começo para depois se aliarem contra uma ameaça comum. Rann estava passando por uma situação de fome catastrófica e estava em negociações com Thanagar por uma tecnologia que os permitisse recuperar seu ecossistema. Thanagar queria a tecnologia do raio zeta. Quando o Monstro chega, ele muda a balança de negociações.


Moore nos mostra um personagem enfurecido na forma de Adam Strange. Alguém que tenta estar com sua amada o tempo inteiro, mas que por causa da instabilidade do raio zeta que leva e traz o terráqueo, ele nunca consegue estar o tempo todo com ela. São dois capítulos em que existe uma forte tensão sexual permeando as páginas. Essa tensão ou é apresentada de forma direta ou apenas insinuada. A maneira como Adam Strange é mostrado no primeiro capítulo é terrível. Ele é violento e temperamental, resultado de uma intensa vontade de estar com sua parceira, mas atrapalhado pelas circunstâncias. No prefácio, Bissette brinca com a ideia de coito interrompido. E é bem isso mesmo. A reação violenta de Strange à chegada do Monstro é completamente desproporcional. Durante suas reflexões, Strange sempre retoma algum tipo de descrição sexual explícita de sua amada. A virada narrativa no final com uma surpresa deixada ao final da história corrobora isso. A propósito: o xingamento da thanagariana sobre Strange ter sido atraído para Rann apenas para engravidar Alanna não é lá tanto um xingamento assim.


A arte das duas edições foi feita por Rick Veitch e com arte-final do Alfredo Alcala. Veitch combina bem com essa vertente de ficção científica que o Moore se volta nesses últimos volumes. A gente consegue ver a naturalidade como ele desenha ambientes estranhos. A própria palheta de cores empregada é bastante diferente do comum empregado nas mensais do Monstro do Pântano. Há uma enorme quantidade de quadros usando cores quentes como amarelo, vermelho e laranja. As sequências de ação são bem construídas inclusive aquelas que envolvem combates aéreos. Tem outras histórias com uma arte mais impressionante do que essas duas histórias, mas Veitch consegue entregar algo de relativa competência para o leitor. Gostaria que o Veitch tivesse abraçado mais a esquisitice (embora tenha outras histórias completamente doidas neste volume), mas fiquei satisfeito com o resultado. E o roteiro está muito bem contado.


A seguir temos a primeira história que não tem roteiro do Alan Moore, mas de Stephen Bissette. E ela vai trazer de volta dois personagens da fase do Len Wein: o Homem Remendado (Anton Arcane, tio da Abby) e Gregor, o pai dela. Essa é uma história cujo título mostra bem o que ela significa: Reunião. São pessoas do passado da Abby com as quais ela precisava resolver assuntos pendentes. Anton é alguém que causou muito sofrimento na vida dela e agora paga por seus pecados no inferno. Essa história não é tanto sobre Anton, mas com Abby precisando resolver seus sentimentos em relação a seu pai. Ela agora trabalha em uma casa de idosos e sente sua vida definhando. O sofrimento de ter perdido seu amor, sua cidade, seu trabalho em Elysium Lawns. As recordações de seu pai se mesclam com suas insatisfações. Somente quando ela conseguiu resolver essa parte de sua vida, seja a partir de um processo de aceitação, ou de abraçar seus problemas, ou apenas de relegá-los a segundo plano, é que ela vai conseguir seguir adiante. Bissette é muito inteligente com esse roteiro porque ele faz uma associação com a Criatura de Mary Shelley em Frankenstein. A relação da personagem feminina na trama de Shelley e como ela se relacionava com o seu pai e depois com a Criatura.


Repetimos a dupla artística nesta edição e confesso que gostei mais do Veitch aqui. Ele se soltou mais e explorou mais o lado bizarro e do terror. Preciso elogiar os trechos iniciais e finais dessa edição com as imagens incômodas do sofrimento de Anton no inferno. Isso sim é que é representar uma punição demoníaca. Incomoda só de olhar. O design de personagens está mais voltado para o disforme e o curvado/retorcido voltando àquela vibe mais de terror das histórias do Monstro. O que eu senti é que Veitch se inspirou nas edições da revista desenhadas pelo Bernie Wrightson. Boa parte dos quadros emprega jogos de luz e sombra (daí a importância fundamental de um arte-finalista como o Alcala) para representar sombras e silhuetas. O design do Homem Remendado é bem estranho, mas tão legal ao mesmo tempo. Ele vai ficando cada vez mais deformado à medida em que a história vai passando até o momento de clímax lá no final onde a deformidade chega a momentos bem gore, com membros caindo, um rosto se desfazendo.


Estou até agora tentando descobrir se gostei mais de Amor Alienígena ou da história que se segue a ela. Talvez a seguinte porque ela tem um estilo de contar histórias mais tradicional. Essa aqui é puro suco de lisergia do Alan Moore. Para quem achou a relação sexual ampliada pelo inhame maluco bizarra, essa edição como um todo supera e muito isso. Simplesmente temos o Monstro passando por um planeta cuja estrutura formativa é meio carne e meio metal. A consciência planetária se apaixona pelo Monstro, a quem a consciência considera um invasor. E a edição inteira é a consumação desse amor em átomos difusos e estranhos. O Monstro tenta resistir para não ficar preso neste lugar enquanto a consciência mergulha cada vez mais fundo nos segredos universais do amor entre seres incorpóreos. Sério.. isso é de uma piração maravilhosa. John Totleben retorna para essa edição com sua arte e compra toda a insanidade produzida pelo Mago em seus roteiros. Em vários momentos eu jurava que estava lendo algo desenhado pelo Philip Druillet de tão malucas que eram as composições. Lembra muito Lone Sloane até porque não há bem enquadramentos nas páginas. São composições de página inteira ou de splash page com os desenhos formando figuras únicas repletas de detalhes ou sequências de imagens interpoladas.


Saímos de uma história elogiadíssima para outra. Toda Carne é Erva é outro clássico com mais um roteiro insano de Moore onde o Monstro vai parar em um planeta formado por seres vegetais conscientes. Ao buscar se ancorar ao planeta, o Monstro acaba alterando drasticamente a vida destes seres que o veem como alguém que trouxe o apocalipse para o planeta. Moore é inteligente ao nos contar a história do ponto de vida destas criaturas. Acompanhamos suas vidas e seus dilemas até a chegada do Monstro. Por exemplo, o Lanterna Verde desse planeta acaba de perder uma pessoa muito importante em sua vida e tenta lidar com um forte sentimento de depressão. O sacerdote da religião local está com uma terrível crise de fé e pensa em tirar sua própria vida. Um casal está lidando com os prazeres e os delírios da descoberta do amor. O roteiro é muito inspirado e a gente se apega rapidamente a esses personagens. A chegada do Monstro é um momento de ruptura quando Moore pode dar uma conclusão à jornada desses personagens que ele acaba de criar. Aqui sim temos a melhor arte do Veitch, como pode ser vista no quadro acima. Inspirado, detalhista, maravilhoso. Não tenho nem muito o que dizer além do que já mencionei antes.


A próxima história é a segunda sem roteiro de Moore, e sim do Veitch. E já dá uma palhinha do que vai ser a sua trajetória quando ele assume o Monstro em Regênese. Essa é uma narrativa mais puxada para a ficção científica e insere o Monstro na narrativa do conflito entre Darkseid e o resto do universo. O Monstro vai parar dentro de uma caixa materna que é encontrada por Metron pilotando a sua Poltrona Mobius. Seguindo instruções da caixa materna, o Monstro oferece a Metron a possibilidade de eles adentrarem na Fonte e descobrirem os seus mistérios. Mas, o que se esconde lá e o que eles verão? Aqui não quero contar demais, mas de certa forma é uma narrativa que insere mais um elemento para que Darkseid possa pensar em como resolver a Equação Antivida. Parece algo tão óbvio, mas posto de uma forma tão delicada. A arte também é do Veitch e vemos ele seguindo os conceitos insanos de Amor Alienígena, mas dentro de uma formatação mais tradicional.


As duas últimas histórias lidam com o retorno do Monstro à Terra. E não vou mencionar mais do que isso. Tem várias cenas muito marcantes em ambas as edições, mas confesso que A Volta do Bom Gumbo me fez chorar. Narrativa muito marcante e aponta para alguns temas que serão explorados nas próximas décadas nas revistas do Monstro. Ele reflete sobre qual o papel dele neste mundo, já que ele retornou com seus poderes ampliados. Com o controle que ele tem sobre os vegetais, ele poderia resolver a fome no mundo. Mas, será que se ele fizesse isso, resolveria o problema? Como um elemental do verde, o Monstro passa a pensar em si mesmo como alguém isolado do mundo, existindo dentro de sua própria temporalidade. A humanidade precisa aprender e se desenvolver por si mesma, sem a interferência de um ser de tal magnitude. Sem mencionar em sua situação amorosa com Abigail. Tudo isso apresentado de uma maneira muito amorosa por Moore. Fiquei tocado pela delicadeza do roteiro. Vale destacar que a série tem um final fechado bonitinho, amarra todos os elementos de enredo, sem deixar nada para trás. Se o leitor nunca mais tocar em nada do Monstro, não sentirá falta alguma. Moore fez questão de aparar todas as arestas. Fico tentando pensar no que Veitch fez em Regênese porque só sacudindo tudo para continuar a revista. E, mais uma vez: que série fenomenal. Já é inesquecível em meu coração.









Ficha Técnica:


Nome: A Saga do Monstro do Pântano vol. 6

Autores: Alan Moore, Stephen Bissette e Rick Veitch

Artistas: Stephen Bissette, Rick Veitch, John Totleben e Tom Yeates

Arte-Finalistas: Alfredo Alcala e Tom Yeates

Colorista: Tatjana Wood

Editora: Panini

Tradutor: Edu Tanaka

Número de Páginas: 208

Ano de Publicação: 2018


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