O esconderijo de Askeladd e seus homens é descoberto por Thorkell. É aí que se inicia mais uma fuga desesperada, mas situações improváveis complicam a vida de Thorfinn e do príncipe Knut.
Sinopse:
Tramando uma estratégia contra os dinamarqueses, Askeladd sequestra o príncipe Knut e foge da perseguição do bando de Thorkell. No entanto, em sua própria tropa começam a surgir dúvidas a respeito de suas intenções e de sua capacidade. Enquanto isso, Thorfinn continua a sua luta decisiva contra Thorkell, que decide contar para o jovem um pouco mais sobre seu pai.
SPOILERS DE VOLUMES ANTERIORES!!!!
Muitas reviravoltas acontecem neste volume e o que começa como um momento mais simples e tranquilo se torna rapidamente uma confusão. Knut, Ragnar e Thorfinn dividem momentos calmos onde Knut revela um pouco de como foi sua infância na corte do rei Sweyn. Com um coração mais pacífico e menos voltado para as guerras, Knut nunca foi o preferido do pai, embora fosse o primogênito. Enquanto isso Askeladd precisa lidar com dissensões dentro de suas tropas. Diante de tantos planos fracassados, todos no bando parecem querer questionar a sorte de seu líder. E isso leva a uma situação bastante volátil dentro do bando com traições podendo acontecer a qualquer segundo. Em Gloucester, Thorkell parece ter encontrado o rastro de Askeladd e segue em uma audaciosa marcha para uma batalha noturna a fim de pegar todos de surpresa. A sede de batalhas de Thorkell não tem limites e todos sentirão isso na pele e na ponta de seu machado. Um volume onde saberemos mais sobre o passado de Thors e do próprio Askeladd.
Artisticamente, os dois volumes que compõem essa edição deluxe são bastante interessantes. No começo não estava vendo nada demais até porque os primeiros capítulos são bastante calmos em relação ao que se desenrola a seguir, mas algo me chamou a atenção. Yukimura usou muitos quadros focados nos rostos e expressões dos personagens. Vários quadros bastante parecidos, mas trabalhando suas emoções. O que me pareceu foi que o autor usou esse espaço para testar maneiras diferentes de representar expressões e montar uma base para poder usar em cenas maiores. Isso permite a nós, como leitores, apreciarmos mais os traços angulosos do autor que lentamente começa a criar um estilo próprio se afastando do modelo base do traço de mangás. Por exemplo, a coruja é um animal que aparece bastante nas páginas da primeira metade do volume. Existe um elemento simbólico nisso vinculado à morte, mas percebam também como o rosto da coruja se assemelha ao de Askeladd. O olhar observador, as pupilas abaixadas, a cabeça pendendo para o lado. Já de outro lado, Knut vai perdendo aos poucos as expressões inocentes diante do que acontece ao seu redor. Então seu rosto parece mais angustiado. E ainda temos Thorfinn que quando sai do controle parece uma besta insana. E isso é representado através de traços dinâmicos e velozes. Gostei bastante desse exercício artístico do autor. Isso vai ser útil mais adiante.
Já mais adiante temos um foco em escaramuças e pequenas batalhas. Gostei demais de como o Yukimura nos mostra o quanto a guerra pode ser suja e cruel. As sequências de combate são alucinantes com Askeladd cercado por seu exército e o de Thorkell e mais tarde a chegada de Thorfinn. A luta entre Thorkell e Thorfinn é também um espetáculo à parte com uma coreografia bem feita. Fico preocupado quando eles colocam as habilidades dos personagens como sobre-humanas como os feitos bizarros do Thorkell, mas enfim, espero que isso diminua um pouco. Prefiro que Vinland Saga seja mais seinen do que shounen. Quando o mangá se coloca com mais seriedade, onde os combates parecem saídos de um livro do Cornwell é quando o mangá brilha mais. Outro momento empolgante é quando o Bjorn se torna um berserker e sai destruindo tudo ao seu redor. Yukimura não poupou nem um pouco na cena com sangue e vísceras espalhadas por toda a parte.
Na primeira metade, o protagonista é Askeladd. Mesmo com toda a sua tranquilidade e esperteza, uma hora os planos iam começar a dar errado. Esse é um volume onde isso é colocado à prova e percebemos o quanto ele sabe ler as pessoas (e não é porque ele diz isso). Em volumes anteriores isso ficava bastante claro quando achávamos que ele estava tomando decisões intuitivas. Nada disso. Ele é um indivíduo que apenas vem tendo azar em algumas escolhas que fez nas últimas oportunidades. E como vimos nos duelos com Thorfinn, ele é realmente forte. Tem uma cena em que ele está cercado onde conhecemos um pouco de sua verdadeira força. Lembrando que os povos nórdicos são bastante supersticiosos, encarando fortuna e maldição como instrumentos dos deuses. Quando os planos de Askeladd dão errado, a primeira coisa que os homens pensam é que Odin teria abandonado seu líder e que a escolha correta seria passar para o outro lado. É uma interpretação possível além daquela de morrer em batalha para entrar nos campos do Valhalla. Isso é bastante subjetivo e acompanhamos os dois lados da moeda nessa edição.
Outro ponto de destaque tem a ver com o próprio ódio dos ingleses pelos nórdicos. Na visão dos anglo-saxões, eles seriam bestas selvagens que só chegaram na costa das ilhas britânicas para guerrear, roubar e estuprar. Anglos e saxões já haviam estabelecido os seus domínios e estavam em guerra uns contra os outros. Aliás, para quem ficou interessado nessa guerra entre esses dois povos, sugiro lerem a trilogia escrita por Bernard Cornwell que começa com O Rei do Inverno que conta as lendas arturianas a partir de uma perspectiva realista. Seria até uma espécie de prequel antes da chegada dos dinamarqueses. Explica até como o cristianismo conseguiu ganhar tanto espaço como Askeladd demonstra com surpresa quando chega na Mércia. Mas, voltando a esse ódio latente, Askeladd questiona essa visão estreita dos anglos. E isso demonstra a visão de alguém que conhece a história de seu povo. Os dinamarqueses seriam um ramo secundário do povo celta que ocupou as ilhas britânicas durante boa parte da Antiguidade. Eles teriam sido expulsos pelos saxões durante as invasões germânicas ocorridas no decorrer da queda do Império Romano. Portanto, Askeladd questiona a visão dos seus inimigos de que eles seriam os verdadeiros donos das ilhas. Quanto a serem selvagens, guerras não nasceram para ser belas e majestosas. É sujeira, sangue e suor por toda a parte.
Algo com o qual o príncipe Knut vai precisar lidar. Porque não há espaço nessa conjuntura para alguém que deseja paz. Saques, guerras e invasões podem acontecer em um piscar de olhos e apesar do respeito pela vida ser importante, é preciso um coração duro para e tornar um líder de homens. Knut é tudo aquilo o que Thorfinn não é. E somente uma grande perda vai conseguir fazer o príncipe mudar sua postura. Essa edição vai nos mostrar justamente isso com o personagem sendo colocado em uma situação extrema. Em um primeiro momento, ele está pronto para aceitar o seu destino e simplesmente morrer. Mas, será essa a melhor solução? O fato de Knut ter sido criado como um filho de agricultor pode dar a ele uma perspectiva única de estar no poder, compreendendo melhor os dilemas daqueles a quem governa. Askeladd diz que mantém Knut cativo e não morto porque ele pensa poder criar um líder à altura; alguém que ele respeite e possa seguir. Vemos alguns flashes disso na postura de Knut, mas só saberemos se as ambições de Askeladd vão funcionar mais adiante. Lembrando também que Sweyn tem uma preferência maior por Harald, seu filho mais novo e mais propenso a ser um jarl.
Tem também uma discussão meio estranha sobre o amor que não sei se ficou clara exatamente para mim. Além do que a mudança de personalidade no Knut é brusca demais. Entendo o choque da perda de uma pessoa querida, mas é brutal demais. Normalmente, temos o momento do luto que guardamos e depois da etapa de superação e do seguir em frente podemos ter uma mudança em nossos caminhos ou nossa personalidade. Mas, não é algo que acontece em um piscar de olhos. Para mim isso foi um baita de um deus ex machina para poder avançar a narrativa e encontrar um novo objetivo. Achei necessária a mudança no Knut, mas não da forma como foi feita. E essa ideia do amor pela natureza enquanto que o homem seria um fruto da guerra, da inveja e da discriminação não bateu comigo. O debate também foi forçado e não desenvolvido. Para alguém tão temente ao amor como o Knut cair em uma fala tão bizarra como aquela do padre me pareceu fora de contexto. Essa foi a única parte deste volume que me pareceu estranha e é um ponto central para as futuras histórias.
Thorkell também nos conta sobre a sua proximidade com Thors. Vemos um pouco da brilhante vida do troll à frente do exército Jomsviking. Mais do que isso, Thorkell conta o momento em que Thors decide abandonar a vida de guerreiro para se dedicar à sua família. As motivações por trás disso e o momento em que ele é dado como morto em definitivo pelo exército onde ele era um dos principais comandantes. Mais do que a mudança em Knut, aqui parece ser algo muito mais orgânico e que pode revelar uma série de outros mistérios da narrativa. Daí o autor volta à bizarrice do Knut e não satisfeito com isso, relaciona Thor ao Knut. Minha reação de confusão no momento da leitura foi instantânea. Existem algumas sutis similaridades entre os objetivos de ambos (um no passado e outro no presente), mas são tão sutis que não faz sentido comparar. Thors amava sua família e queria uma vida nova para Helga e para a pequena Ylva. O que Knut quer é ser amado por seus súditos, um amor do qual ele nunca recebeu do pai. Por essa razão ele deseja uma nova Dinamarca para todos. São amores muito distintos um do outro.
Um bom terceiro volume, mas algumas decisões de roteiro são bastante questionáveis. O Knut é um bom personagem, mas ele precisa amadurecer ao seu tempo e não se transformar em um jarl super-sensacional e sobre-humano em um estalar de dedos. Por mais que um indivíduo tenha uma postura real ou um olhar que demonstra as suas convicções, homens não se dobram dessa forma. Ainda mais guerreiros viciados em combates mortais como é o exército de Thorkell. Por outro lado, Askeladd revelou ter muito mais pano de fundo do que esperávamos e nos trouxe de volta o velho sonho de Avalon. Os desenhos do Yukimura continuam se aprimorando e atingiram outro patamar neste volume. Resta saber os próximos capítulos desta saga.
Ficha Técnica:
Nome: Vinland Saga Deluxe vol. 3
Autor: Makoto Yukimura
Editora: Panini Comics
Tradutora: Lidia Ivasa
Número de Páginas: 440
Ano de Publicação: 2020
Outros Volumes:
Vol. 2
Vol. 4
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