Ophélie precisa deixar o conforto de seu lar em Anima para casar-se com Thorn, um homem indiferente e calculista do Polo, e acaba envolvida em um jogo de interesses políticos que vão muito além da sua ingênua compreensão.
Sinopse
Honesta e cabeça-dura, Ophélie não se importa com as aparências. Mas, por baixo de seus óculos de aros largos e cachecol desgastado, a garota esconde poderes únicos: ela pode ler o passado dos objetos e atravessar espelhos. A vida tranquila que leva em Anima se transforma quando Ophélie é prometida em casamento à Thorn, herdeiro de um distante e poderoso clã.
Agora, ela terá que deixar para trás tudo o que conhece e seguir seu noivo até Cidade Celeste, a capital flutuante de uma gelada arca conhecida como Polo. Ali, o perigo espreita em cada esquina, e não se pode confiar em ninguém. Sem se dar conta, Ophélie torna-se um peão em um jogo político mortal, capaz de mudar tudo para sempre.
Conspirações Políticas no Polo
A Morro Branco tem me surpreendido bastante trazendo títulos de excelente qualidade e fugindo do lugar comum. Livros cheios de questionamentos atuais e pertinentes, com camadas e mais camadas provocando reflexões no leitor. Um dos seus mais recentes lançamentos de 2018, Os Noivos do Inverno, é uma obra cheia de significados ocultos e muito perspicazes, onde uma leitura atenta revela mais do que uma história interessante e nos permite entender todo o burburinho em torno da série A Passa-Espelhos.
Ophélie é uma moça incomum. Sem atrativos, sem vaidades, sem ambições, desastrada, desatenta, uma verdadeira confusão de roupas, cabelos desgrenhados e inaptidão. Em Anima, sua Arca natal, as pessoas têm dons variados permitindo a construção e restauração de objetos, um profundo conhecimento da história e do passado de seus habitantes, a recuperação de relíquias ou, no caso de Ophélie, a leitura, habilitando o usuário a visitar o passado das coisas tocadas por ele. Tal habilidade lhe rendeu um contrato de casamento com Thorn, um homem de uma arca distante chamada Polo, muito contra a vontade da própria menina, diga-se de passagem. A premissa do casamento arranjado é um clichê bastante conhecido e engana-se quem toma Os Noivos do Inverno apenas por um romance Young Adult que começa a partir do contrato. A história vai, aos poucos, atingindo profundidades inesperadas e tragando Ophélie em uma trama tão enredada que o leitor sente-se sufocado, preso na mesma teia da personagem. Christelle Dabos consegue nos imergir em sua narrativa cheia de paranoias, conspirações e traições, e esse é o pulo do gato para nos conquistar. A narrativa é fluida, enigmática e inteligente, confundindo-nos a todo o momento, inserindo pistas e informações nos levando por raciocínios completamente opostos. É muito interessante deixar-se perder nesses desvios colocados pela autora, só para descobrir mais sobre o funcionamento da sociedade maquiavélica habitando o Polo.
Aliás, falando em Polo, o mundo de Christelle é sensacional. Todos os locais pelos quais Ophélie passa são minuciosamente descritos, desde as pessoas e suas vestimentas exóticas, trejeitos e hábitos até os jardins, casas e palácios. Para quem gosta de worldbuilding, Os Noivos do Inverno é um passeio bem-vindo e necessário. As Arcas são esclarecidas aos poucos com pequenas informações aqui e ali, instigando o leitor a avançar na história. Em termos de magia, Christelle Dabos também foi muito feliz na descrição dos poderes de cada personagem, e todo esse info dumping é de fácil compreensão, além de muito criativo.
No entanto, a escrita me incomodou bastante em diversos pontos da história. A autora repete-se demais, descrevendo Ophélie várias e várias vezes, sempre citando os cabelos embaraçados, as roupas cafonas, o jeito atrapalhado. Várias vezes. Chega a ser irritante ler a mesma coisa o tempo todo. Thorn também é sempre descrito como muito alto, de forma igualmente insistente. Não só esse excesso tem efeito desanimador no fluxo da história como também contribui para a empatia com os personagens ser muito pequena, tendendo ao caricato. A sensação, infelizmente, é bem artificial e, apesar de gostar muito da história, esse ponto me impediu de criar maior conexão com o livro.
“Quando as ilusões somem, só resta a verdade.”
Outro ponto controverso na leitura é a falta de fechamento dos arcos criados pela autora. Na França, país de origem da série A Passa-Espelhos (Le Passe-Miroir), já foram publicados três livros, então, sendo uma série, não há tanto problema em deixar um final tão aberto. Mas, particularmente, não me agrada a falta de resolução para nenhum dos problemas principais propostos pela autora para o primeiro volume.
Apesar desses probleminhas na escrita, e ainda considerando este como sendo o primeiro romance escrito e publicado da autora, eu disse anteriormente que o livro vai muito além de um casamento arranjado, dos personagens e até mesmo do worldbuilding. Isso porque Os Noivos do Inverno traz metáforas inteligentíssimas e muito tocantes sobre maturidade, amor (em uma crítica à supervalorização e romantização dos relacionamentos), sobre autoconhecimento e autoestima, e também sobre a hipocrisia da sociedade de consumo. O ter acima do ser é posto em questão o tempo todo de forma sutil, mas muito presente em um mundo construído sobre aparências.
Christelle Dabos construiu um universo inovador, inteligente, sensível e muito, muito gelado, cheio de personagens perversos e maniqueístas. Os Noivos do Inverno, mesmo partindo da premissa de um casamento, de romance juvenil não tem nada; em vez disso, nos apresenta questionamentos relevantes, uma trama criativa e uma vontade enorme de ler logo o próximo livro da série!
Ficha Técnica:
Nome: Os Noivos do Inverno Autora: Christelle Dabos Série: A Passa-Espelhos #1 Editora: Morro Branco Gênero: Fantasia/Young Adult Tradutora: Sofia Soter Número de Páginas: 416 Ano de Lançamento (no Brasil): 2018
Outros Volumes:
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Livro cedido em parceira com a Editora Morro Branco
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