Paulo Vinicius
Resenha: "The Few and the Cursed vol. 1" de Felipe Cagno e Fabiano Neves
Em um mundo pós-apocalíptico, a Ruiva é uma caçadora de maldições. Sua jornada a leva a investigar a presença de alguns corvos malignos que se alimentam de crianças. Um combate mortal contra criaturas corruptoras que mostram o pior do ser humano.

Sinopse:
No ano de 1840 mais de 90% da água no planeta desapareceu da noite pro dia em circunstâncias misteriosas. Desde então já se passaram setenta anos e o que restou da humanidade aprendeu a sobreviver neste ambiente tão inóspito onde água é tão rara que é usada como moeda de troca. Este é o universo de The Few and Cursed onde uma caçadora de maldições conhecida apenas como Ruiva vai de cidade em cidade atrás de lendas, folclores e mistérios. Acompanhe a Ruiva no seu maior desafio até aqui: Os Corvos de Mana’Olana.
Acompanho o trabalho de Felipe Cagno há algum tempo e meu primeiro contato com ele foi através da HQ Adágio que também foi publicada pela Avec Editora. É curioso porque The Few and the Cursed é o trabalho mais conhecido dele e acabei passando a apoiar o financiamento coletivo por causa de Adágio. Gostei tanto do roteiro que procurei ver que outras coisas ele produzia. E aí entrei em contato com The Few and the Cursed onde nós temos contato com um western pós-apocalíptico. Peguei a campanha da quarta edição em diante e fiquei ainda mais impressionado com o trabalho dele. Cheguei até a sexta edição apoiando e ainda teve os spin-offs que os apoiadores não se arrependeram de ter investido. Agora a Avec Editora traz para nós um volume encadernado com as seis primeiras edições da série (falta ainda o spin-off com outra personagem e um de crônicas que deve integrar outros encadernados). É novamente a Avec acertando nas apostas e apoiando a literatura nacional.
Neste encadernado conhecemos a figura da Ruiva, uma mulher de poucas palavras e muita ação. O mundo em que ela vive sofreu com uma seca devastadora que acabou com os rios e oceanos do mundo deixando uma quantidade pequena de água no mundo que se tornou praticamente a moeda empregada para quaisquer transações. O mundo parou no século XIX e agora as pessoas vivem aterrorizadas não só pela escassez de água, mas pelo surgimento de criaturas sinistras que corrompem o coração do homem, tornando-os seres sobrenaturais de imenso poder. Depois de se envolver em diversas situações pouco amistosas, a Ruiva descobre que corvos malignos foram avistados na cidade de Mana'Olana e que estes corvos se alimentam do sangue de crianças inocentes. Com a ajuda (não muito voluntária) de Jebediah, ela segue até o local para investigar o paradeiro delas e se depara com o lado mais obscuro do homem... e não são necessariamente os corvos que mostram isso.
O roteiro do Felipe tem bastante influências do weird western criado por Robert E. Howard. Aquele faroeste que possui o sobrenatural e como Howard era amigo de Lovecraft e eles trocavam ideias sobre histórias, a gente consegue perceber aquela aura de terror lovecraftiano por trás das criaturas que a Ruiva precisa enfrentar. Felipe é ousado na composição da narrativa ao empregar duas linhas temporais para conduzir a história: uma em que ela ainda vai encontrar pistas sobre os corvos e o paradeiro das crianças e outra onde ela já se encontra na cidade enfrentando diversos desafios. A princípio essa alternância de pontos de vista pode bagunçar a cabeça do leitor, mas isto vai se ajeitando com o passar da história. Acho que o autor deveria ter sido um pouco mais suave nessas mudanças frequentes, mas foi uma escolha criativa. O personagem da Ruiva não é tão aprofundado assim e senti que algumas características dela ficaram no ar, o que me incomodou um pouco. Nada que estrague a diversão, mas é que a personagem é tão interessante que qualquer coisa que fique no ar, deixa a gente com um pé atrás.

A arte da HQ é muito boa mesmo. Bem acima da média. E aí a gente precisa pensar um pouco sobre como os autores pensaram na HQ. Isso porque a gente claramente vê The Few and the Cursed como algo pensado não especificamente para o Brasil, mas para o mercado internacional. Consigo visualizar a HQ facilmente sendo publicada por uma Image, uma Top Cow, uma Dark Horse. O traço é maduro, os cenários são bem pensados e a colorização do Tiago Barsa está de alta qualidade. Percebam os traços finos da personagem e até a ambientação típica de western, algo que agrada demais os norte-americanos. A quadrinização está bem no padrão do comics mesmo com o emprego de 4 a 6 quadros por página, aproveitando bastante o espaço de cada quadro. Temos dois tipos de palhetas de cores empregadas: uma mais puxada para o amarelo e marrom, simbolizando a paisagem desértica pela qual a Ruiva percorre com o seu cavalo e outra mais puxada para o preto e o azul-escuro quando ela enfrenta seus adversários sobrenaturais. Algumas cenas são viscerais como quando um corvo leva uma criança embora.
Gostei das cenas de ação. Elas são muito boas e fluidas. Meu destaque vai para dois momentos em especial. Um combate ao estilo arena de lutas em que a Ruiva precisa derrotar uma série de inimigos para livrar duas pessoas da cobrança de uma taxa de proteção. Ali a gente já via que o roteiro nos apresentava uma personagem completamente bad-ass que não tem medo de jogar sujo para vencer. Aliás, quem espera uma mocinha em dúvida, vai mudando sua opinião porque a Ruiva é quase uma versão do Clint Eastwood de saias. Não tem muita paciência para bobagens, fala pouco e atira muito bem. Outra cena muito boa é uma emboscada que tem mais para a frente na história. Ali dava para ver o quanto os autores beberam de clássicos do faroeste.
Mesmo sendo focado em uma HQ de ação, gostei de como a ambientação é bem criada e desenvolvida. Considero sempre uma missão bem sucedida do roteirista quando ele consegue te mostrar como é o mundo e as engrenagens de seu funcionamento sem precisar ficar explicando muita coisa. O famoso "info dumping", como é chamado na literatura. Quando um autor precisa ficar fazendo toda uma palestra sobre o passado e o presente do mundo para então entrar na história. Muitas das coisas que coloquei aqui na resenha são deduções feitas a partir do que está presente nos quadros da história. Vez ou outra o autor dá uma pisada no freio para falar sobre algum ponto de enredo que é necessário para entender o todo. Mas é algo tão sutil e rápido que a história não perde o fôlego. Pensem que The Few and the Cursed teve cada uma das seis edições com campanhas individuais no Catarse com um certo espaçamento de tempo entre elas. Ou seja, os autores precisavam criar uma história e uma atmosfera que fizessem o leitor retornar para mais histórias. Até porque sabemos que a tendência de uma série é perder leitores com o passar do tempo. Mas, com The Few and the Cursed aconteceu o contrário.

Ainda tem muita coisa a ser explorada no universo da Ruiva. No quesito de desenvolvimento do mundo ainda há aquela clara necessidade de expandir o que foi feito, o que devemos ver em outras histórias. Há também a necessidade de desenvolver melhor a protagonista apresentando alguma coisa do seu passado e de suas habilidades. Mas, gostei demais da narrativa, da arte e do conjunto como um todo. Gostei demais de ver que a Avec pegou os direitos de uma das melhores séries de quadrinhos publicadas nos últimos anos e com isso mais pessoas terão a possibilidade de entrar em contato com este trabalho sensacional do Felipe Cagno e do Fabiano Neves. E que venham mais projetos com a Ruiva. Precisamos de mais histórias!!!


Ficha Técnica:
Nome: The Few and the Cursed vol. 1 - Os Corvos de Mana'Olana
Autor: Felipe Cagno
Artista: Fabiano Neves
Colorista: Tiago Barsa
Letrista: Deyvison Manes
Editora: Avec
Número de Páginas: 232
Ano de Publicação: 2021
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*Material enviado em parceria com a Avec Editora
