Uma das histórias mais aterrorizantes do mestre do horror cósmico ganha uma adaptação em quadrinhos com roteiro de Felipe Castilho e uma arte digna de Yog-Sothoth feita por Fred Rubim.
Sinopse:
O nascimento de Wilbur Whateley abala a rotina dos moradores da pacata Dunwich e joga a cidade em um vórtice de estranheza à medida que o bebê cresce em velocidade anormal e demonstra obsessão por livros antigos, línguas mortas e criaturas cósmicas mais velhas do que o próprio mundo. É so quinze anos depois, quando Wilbur já se tornou um gigantão assustador em busca de uma fórmula no temido Necromicon, que o mistério vai ser revelado. Mas por que precisa de uma edição específica do livro, se já tem um exemplar, herdado de seu avô? Em seu gabinete na Universidade de Miskatonic, o bibliotecário Henry Armitage percebe e procura um modo de impedir o horror inominável que está à espreita. Mas será que os livros bastarão se Wilbur Whateley conseguir terminar seu ritual de invocação sobre as colinas de Dunwich?
A criança maldita
Já aviso logo no primeiro parágrafo o quanto as obras de H.P. Lovecraft não me agradam. Já li pelo menos 4 (inclusive a famosa O Chamado de Cthulhu) e não funcionou para mim. Preferência mesmo. Mas, preciso dizer o quanto eu curti esta adaptação do Felipe Castilho. Ele tornou uma história que eu não curto mais palatável. Se uma adaptação consegue fazer você gostar de uma história que normalmente você não gostaria, só isso já vale cinco estrelas. A junção com a arte do Fred Rubim ficou boa até porque ela combina com esse ar de terror. Quando eu li Le Chavelier nas Montanhas da Loucura já imaginava que veria alguma adaptação ou quadrinho baseado em Lovecraft desenhado pelo Fred em algum momento. Cá estamos.
Temos logo de cara o nascimento de uma criança em circunstâncias tenebrosas. O relato é contado em um tom quase mítico, com trovões caindo por toda a parte, um dia terrível que parece trazer maus auspícios. Nos é contada a história da família Whateley que tem o hábito de realizar casamentos endogâmicos (entre os membros da família). A cidade toda os enxerga como párias e após o nascimento de Wilbur isso se reforça ainda mais. A criança cresce em uma velocidade espantosa, causando o afastamento de todos em relação a eles. Mas, estranhos fenômenos começam a acontecer como o desaparecimento de crianças, o sacrifício de animais deixados mortos ao longo do caminho, a construção de estranhas adjacências na casa da família. Tudo parece convergir para algo tenebroso que pode vir a acontecer em breve.
O mérito da adaptação do Felipe é ele tornar leve um texto que eu considero pesado e carregado de floreios. Ele consegue usar bem a habilidade do Fred em construir cenários e cenas grotescas. Muitas vezes longos trechos do conto são traduzidos em alguns quadros. Isso não é só uma arte competente, mas um roteiro que consegue usar os pontos fortes do artista. Saber enquadrar, saber quando dizer, saber quando pular. Isso sem perder a mensagem do texto. O Felipe já comentou no Instagram que ele adaptou o texto fielmente e eu acredito nisso. Mas, hoje eu prefiro muito mais ler essa adaptação em quadrinhos do que o conto original e até faço um pedido encarecido para ele adaptar mais dos contos do Lovecraft em quadrinhos.
A arte do Fred é feita para esse tipo de obra. Ela tem todos os exageros e estranhezas que uma obra de terror pede. Eu já mencionei o quanto eu gosto da preocupação do artista com o fundo, mas aqui ele precisou trabalhar com uma palheta PB o que faz a sua arte aparecer mais. Se torna necessário trabalhar tão bem com o branco quanto com o preto. Mas, o que eu mais curti aqui foi como ele conseguiu transmitir bem as emoções dos personagens em um trabalho facial generoso. Esse é um conto que trabalha com as emoções de medo, apreensão, horror, nojo. E isso tudo está presente nos quadros. Sem falar nos designs de personagens grotescos que ele espalha pela história. Yog-Sothoth está macabro... e estamos falando do pai do Cthulhu na mitologia cósmica de Lovecraft.
Esse é um dos contos que exploram mais a mitologia cósmica do autor ao nos mostrar que existem famílias antigas que veneram os Antigos. E o quanto eles desejam voltar ao nosso mundo sejam por quais meios forem. Nesta HQ apesar de nos focarmos apenas em um fato isolado ocorrido em uma pequena vila no interior, algumas coisas aqui e ali aumentam o nosso conhecimento sobre essa mitologia. O estudioso que está atrás de pistas sobre Wilbur também é alguém que possui um contato íntimo com o Necronomicon e o estuda. Também é uma história que serve para construir o mito do escritor do livro demoníaco. A gente acaba acompanhando um final que é um pouco estranho, mas isso é do próprio conto do Lovecraft que termina tão subitamente.
Algo que sempre me incomoda nos contos do Lovecraft é o quanto ele é maniqueísta. Tudo é vista com o preto e branco. Não há meios termos. O que eu sinto falta em O Horror de Dunwich é uma explicação melhor para que a família Whateley deteste tanto o vilarejo além de "eles são adoradores dos Antigos" e "eles são ruins". Acho pouco e raso para algo que tem tamanho impacto na mitologia do autor. A narrativa como um todo é bem rápida e a história é facilmente compreensível. Tem toda aquela pegada de início do século XX, apesar de se passar em uma vila. Em alguns momentos senti que o Fred Rubim bebeu um pouco da arte do Andrea Sorrentino de Gideon Falls (resenha do primeiro volume aqui). Claro que no seu próprio estilo de desenho.
Gostei da HQ e eu sou muito fã desta dupla. Compro o que eles publicarem tamanha a qualidade dos dois. Para mim, o Felipe foi muito bem sucedido na sua tarefa de adaptar um conto clássico do Lovecraft. Conseguiu enquadrar bem os exageros e criar uma história realmente assustadora. A arte do Fred combina muito bem com a narrativa em si. Os exageros, os cenários, o horror latente. Tudo está ali, basta procurar um pouquinho. Vale a pena para os fãs de Lovecraft e até para quem não é lá muito fã como eu.
Ficha Técnica:
Nome: O Horror de Dunwich
Autor: Felipe Castilho
Artista: Fred Rubim
Baseado no conto homônimo escrito por H.P. Lovecraft
Editora: Editora de Cultura
Número de Páginas: 56
Ano de Publicação: 2019
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Vou comentar de novo. Que blog legal! Sinto falta de textos em meio a tantos canais de YouTube. Já tive um blog, larguei há tempos. Além do Lovecraft vocês abordam muita "coisa japonesa", que não era popular na minha juventude (tenho quase 50 anos). Um mundo a ser explorado. Voltando à resenha, suas críticas são pertinentes. A maior parte dos contos dele têm um quê de esquemáticos - não todos. Não leria uma HQ, acho que sou purista demais. Por isso também acho complicado adaptá-lo pro cinema. Um filme, contudo, eu recomendo. Uma versão espanhola de "The Shadow over Innsmouth". Vale a pena procurar. Parabéns a todo o time!
P.S. Tem um quê de "Dagon", pelo que me lembro.