Abel é um menino que gosta de se divertir com seus amigos. Por trás de sua expressão honesta e brincalhona se esconde alguém que vive com um pai violento. Mesmo tentando dar o seu melhor todos os dias, ele é repetidamente agredido verbal e fisicamente por ele. Um dia, uma dessas brigas faz seu pai se transformar em um monstro na forma de um tornado.
Sinopse:
As terras entre as costas são vastas, com mudanças lentas e repletas de mágicas secretas. A cidade de Farmington foi destruída enviando um aventureiro ingênuo e seu companheiro vulpino em busca de respostas para acalmar uma tempestade que fala seu nome. Do autor Skottie Young (que já fez roteiros para I Hate Fairyland e Deadpool) e do artista Jorge Corona (Nº1 With a Bullet, Feathers, Big Trouble in China: Old Man Jack) temos a história de Abel, um jovem menino que deve vagar por uma terra antiga para descobrir a história de sua família.
Um pai abusivo
A narrativa começa de uma maneira bem mundana. Somos apresentados a um jovem menino chamado Abel que mora com o seu pai. Ele parece ajudar seu pai fazendo pequenos bicos para ajudar a pagar as coisas. Entrega jornais, no começo da história. Também é bem responsável, apesar de ser uma criança e brinca com os seus amigos. Mas, o seu pai tem um comportamento muito errático. Logo de cara vemos alguns comportamentos bem abusivos de sua parte: reclamando porque ele chegou fora da hora, bateu nele porque ele respondeu o pai de volta (apesar de a situação ser banal). Fica claro esse lado do pai. No final do primeiro número, Abel acaba se envolvendo em um pequeno shoplifting (furto a loja) porque os meninos não tinham dinheiro para comprar doces. O dono da loja os pega e denuncia a cada um dos pais dos envolvidos. Quando o pai de Abel chega, o leitor fica imaginando o que vai acontecer a seguir. Só que Skottie Young nos surpreende jogando elementos mágicos na narrativa e o pai do menino se transforma em uma enorme criatura destruidora. Mesmo diante dos apelos de Abel, o pai continua o agredindo até que ele o atinge e gera uma espécie de marca no corpo do protagonista. O menino se vê obrigado a fugir de casa, com medo de acabar sendo morto pelo pai.
Outro elemento curioso da narrativa é a presença de uma raposa falante. No começo eu achava que Abel era o único que podia falar com ela, mas mais tarde vamos descobrir que ela também pode ser compreendida por outros personagens. A narrativa brinca um pouco com a ideia do Escolhido, apesar de que nesse momento, a raposa e o menino são mais aventureiros que precisaram pegar a estrada devido a acontecimentos trágicos. Quando ele encontra o feiticeiro, o menino só quer uma maneira de se livrar da marca deixada por seu pai. Essa marca parece uma espécie de maldição e o feiticeiro só reforça isso para ele.
Mais para o final, Abel acaba chegando até uma espécie de circo itinerante onde aí é que ele vai saber mais sobre a sua condição. A narrativa é muito simples e direta, mas repleta de pequenos nuances e simbolismos que dão uma segunda interpretação a ela. A estética do mundo tem um pouco de steampunk, mas precisamos entender que o Skottie Young adora fugir um pouco do convencional. Isto porque estamos diante de uma história claramente de fantasia, de um menino descobrindo ter habilidades mágicas e uma maldição que o persegue. Mas, tudo isso acaba sendo colocado de lado diante das escolhas de tipo de personagem e de cenário feitas por Young.
Temática forte
O foco desse volume 1 está na relação entre Abel e seu pai. A princípio a narrativa nos coloca a imaginar o pai como o vilão da história. Um bully que por conta de suas frustrações acaba descontando no menino. Novamente a história nos conduz a entender que a mãe de Abel abandonou o pai por alguma razão ainda não explicada e essa mágoa se transferiu naquele que se parece com seu esposa. Mas, ao nos depararmos com o sexto número (último desse volume), vamos perceber que a história tem mais profundidade do que parece. Isso porque o protagonistas tem memórias do pai sendo amoroso com ele e sorrindo. Algo que a lembrança das agressões acabou colocando de lado. Alguma coisa aconteceu para que seu pai se tornasse esse ser irascível.
O simbolismo do tornado pode ser colocado em pais abusivos. Para a criança, quando um pai comete um abuso como esse (principalmente da forma como é feita em Abel) parece mesmo um furacão. É como se toda a sua vida estivesse sendo colocada de cabeças para o ar. E não há escapatória diante do vórtice que tudo engole dessa violência. Podemos até levar a interpretação um nível adiante e entender que a maldição deixada pelo pai em Abel é a marca da violência que vai se refletir na vida da criança. Uma marca que, quando a criança se enfurece, é capaz de repetir ou emular os mesmos comportamentos do pai. Young usou uma justificativa mágica para apresentar um problema muito real. Quero saber como ele vai resolver a situação toda.
A arte de Corona é jovial e colorida. Tudo se destaca no cenário. Com o emprego das cores pastéis o ambiente ganha vida. E como o mundo de Middlewest tem uma mistura de mágico com tecnológico, algumas coisas que pareceriam óbvias ganham nova personalidade no traço do artista. Gosto muito de como Corona aproveita todo o espaço do cenário para criar um mundo vivo. Além disso, tudo é muito expressivo: personagens, animais, coadjuvantes. Corona consegue entender toda a criatividade de Young em seus amplos painéis. Não gosto muito da composição dos personagens; acabo achando caricatos demais. Mas, é preciso ver também que a obra é voltada para outra faixa etária.
Middlewest é uma agradável surpresa no meio do catálogo sempre muito diferente da Image Comics. Fugindo do padrão, Young consegue reformular a ideia das histórias voltadas para personagens mágicos. E isso para contar uma história simples sobre um menino que sofre abusos físicos e psicológicos de seu pai e precisa lidar com as consequências disso. Ao mesmo tempo, Abel, o protagonista, precisa entender qual é o seu papel no mundo.
Ficha Técnica:
Nome: Middlewest vol. 1
Autor: Skottie Young
Artista: Jorge Corona
Editora: Image Comics
Gênero: Fantasia
Número de Páginas: 160
Ano de Publicação: 2019
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