A investigação da morte de um homem em uma estranha alcova levarão os integrantes da agência de investigação Guanabara Real a enfrentarem perigos inimagináveis.
Sinopse:
Brasil, 1892. Na noite da inauguração da estátua do Corcovado, um horrendo crime toma de assalto a alta sociedade carioca. Para resolver o mistério, a investigadora particular Maria Tereza Floresta, o engenheiro positivista Firmino Boaventura e o dândi místico Remy Rudá terão de se embrenhar numa perigosa trama de poder e corrupção. O que parece mais um caso, aos poucos se revela um plano que põe em risco o futuro de todo país e para impedi-lo, a agência de detetives Guanabara Real terá de usar toda a sua perícia para solucionar os enigmas tecnológicos e os mistérios arcanos da sangrenta Alcova da Morte!
Uma trama de investigação policial. Um enredo de ficção científica. Um crime de horror sobrenatural. Três autores, Três heróis, em um Rio de Janeiro que nunca existiu!
Imagine você em sua casa se esforçando para dar coerência ao seu universo que você tanto quer escrever. Horas de pesquisa para fazer uma série de anotações fazerem sentido. Personagens que precisam se relacionar em uma narrativa coerente. Esse é o ofício do escritor, algo que leva horas para ser realizado e é uma tarefa árdua e cansativa. E recompensadora ao final. Imagine agora que você chamou dois colegas para escrever junto com você. Agora são três mentes pensando. E seis mãos escrevendo. Parece fácil, né? Mas e se um dos colegas não concordar com o rumo da história que você está escrevendo? E se o outro quer que o personagem esteja no local X, mas você tinha pensado que ele estaria no local Y nesse mesmo momento? Complicou, hein. Essa foi a tarefa pensada por Eneias Tavares, Nikelen Witter e A.Z. Cordenonsi. Antes de falar qualquer coisa sobre narrativa ou personagens, tenho que dar os meus aplausos de pé pela proposta que poderia dar muito errado e deu muito certo.
A Agência Guanabara Real é responsável pela investigação de casos insólitos aos quais a polícia não deseja se envolver. Pode ser um grande figurão envolvido em um esquema de corrupção ou um sequestro com alto risco de resgate. Maria Teresa, Firmino e Remi são especialistas em suas respectivas áreas de atuação e são os melhores no que fazem. Maria Teresa é uma sobrevivente das ruas selvagens do Rio de Janeiro. Conhecendo todas as manhas para ser bem sucedida nesse universo de sangue e vapor, ela é uma mulher que conhece a essência das pessoas. Remi é um homem envolvido com o oculto, com o estranho e misterioso. Um homem que vive dos prazeres da vida, experimentando a luxúria e a alegria de uma vida desregrada. Já Firmino é um talentoso engenheiro que teve sua mão substituída por uma prótese. Sofre com o preconceito de uma sociedade que vê em sua cor um índice valor para alguém. Nossos personagens irão se envolver com um estranho assassinato dentro de uma alcova durante a festa de inauguração de um imenso objeto colocado no alto do Corcovado pelo Barão do Desterro. Um presente em homenagem ao desenvolvimento da cidade em prol dos seus cidadãos. Esse assassinato levará a agência a uma teia de intrigas e conspirações e os colocarão frente a frente com uma antiga ameaça.
Os autores nos colocam diante de um Rio de Janeiro no século XIX. Mas não o nosso Rio de Janeiro, e sim uma variante steampunk sua. E a construção de mundo é ótima. Eles usam recortes de jornais e extensas descrições para nos colocar no clima do mundo apresentado. Isso serve para dar tridimensionalidade a tudo. Perspectiva. A cidade toda se torna viva. Eventos sofrem ligeiras alterações para se adequar à história. Personagens conhecidos assumem novos papéis. Gostei bastante da abordagem dos autores. A trama em si é bem construída e nos prende por toda a narrativa. No fundo é uma história de mistério com alguns elementos conspiratórios no meio. Os mistérios vão sendo mantidos até o fim. Não pense que a trama é previsível. Nem um pouco. Os autores vão te surpreender com algumas reviravoltas lá perto do final da trama. E o final... ah, o final. Que autores maldosos! Deixando um gancho daqueles.
A escrita a seis mãos é bem diferente. Curiosamente eu não olhei as ilustrações no final que mostram que autor criou qual personagem e fez qual capítulo. Apesar de ter a mão dos três por toda a história alguns capítulos são mais característicos da escrita de cada um. Mas, não é importante sabermos isso. O que vale é saber que mesmo sendo escrito por três autores, a história se mantém coesa e coerente o tempo todo. O leitor não fica perdido. A narrativa é bem explicada e as mudanças de núcleo servem para mostrar o background de cada personagem, além de suas motivações e dilemas. Mesmo sendo um volume de apresentação para algo maior que eu imagino que eles estejam criando, o livro não deixa de ter seus méritos ao nos dar boas horas de diversão.
Inclusive há tempo para o autor trabalhar o problema que era a questão negra na recém-nascida República. Velhos hábitos são difíceis de serem extintos e Firmino sofre demais com o olhar azedo das pessoas. Aí voltamos àquela pergunta: mudamos tanto assim de cento e vinte anos para cá? Enfim, a maneira como ele precisa lidar com problemas que seriam impensáveis ao homem branco só demonstra o preconceito latente em uma sociedade desigual de origem. Algumas cenas são fortes como a de quando ele chegou para investigar a alcova ou posteriormente quando ele está na delegacia. Suspeitas são levantadas contra ele sem sequer haver qualquer indício de que ele tenha participado em algum mal feito. O pré julgamento é óbvio. E estamos falando de uma sociedade apresentada pelos autores que gostava de se gabar de ser progressista. No entanto, determinados ranços persistem.
Já Remi é aquele personagem que caminha entre os dois gêneros. Ama viver bem; ama os prazeres da vida e os aprecia ao máximo. Sua conexão com o estranho o coloca com uma perspectiva única sobre a sociedade. Consegue enxergar além do que os olhos comuns fazem e isso se reflete até mesmo em sua maneira livre de encarar as pessoas. Sua história de origem precisa ser mais aprofundada porque tenho certeza que daria espaço para várias narrativas interessantes. A amizade que ele tem com Catarina que mescla cumplicidade e amor é muito bonita. Percebemos nas linhas escritas no livro o quanto os dois personagens complementavam um ao outro. Eram cúmplices em uma vida complicada. Algumas coisas do plot principal acabam sendo abordadas nos capítulos de Remi e o fato de os autores terem deixado apenas pistas para serem retornadas em outro volume prejudicou em parte o que se propunha. Mesmo assim gostei demais do personagem.
Guanabara Real é uma narrativa deliciosa que nos leva a um Rio de Janeiro tão parecido e tão diferente do que estamos acostumados. O universo steampunk caiu como uma luva para esse cenário criado a seis mãos. A escrita é bastante ousada e fico feliz que o experimento tenha dado tão certo. Os personagens tem várias histórias ainda a serem contadas e o gancho no final da história nos deixa loucos para ir atrás de uma continuação. Que ela venha logo e nos possa dar mais um gostinho dos personagens da Agência de Investigação Guanabara Real.
Ficha Técnica:
Nome: Guanabara Real - A Alcova da Morte
Autores: Eneias Tavares, Nikelen Witter e A.Z. Cordenonsi
Editora: Avec Editora
Número de Páginas: 220
Ano de Publicação: 2017
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