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Foto do escritorPaulo Vinicius

Resenha: "Confinados" de Alexandre Braoios, Soraya Abuchaim, Oscar Nestarez entre outros (Parte 3)

Atualizado: 4 de jun. de 2019

Encerramos nossa série de resenhas com alguns contos incríveis da Renata Maggessi, do Oscar Nestarez e de outros autores super talentosos. Venham conferir. 

Na última parte da nossa resenha sobre a coletânea Confinados, vamos falar dos últimos seis contos. Vale a pena mencionar ainda o ótimo artigo de Fábio Fernandes que fala da importância do conto. Muitos autores ainda tratam o conto como um gênero inferior quando ele é uma ótima ferramenta para entregar histórias fora da caixinha ou experimentar novas técnicas. Fábio toca ainda nas especificidades da construção de um conto, abordando mestres dos contos como Clive Barker, Guimarães Rosa e Jack London. Um artigo que tira diversas dúvidas para aqueles que ainda não acreditam no poder transformador e criativo de uma história curta. 

Mas, vamos às resenhas. Nesta terceira parte, falamos dos seguintes contos:

13 - "Drogas, Sexo e Dinheiro" (de Soraya Abuchaim) 14 - "A Culpa" (de Renata Maggessi) 15 - "Debaixo D'Água" (de Renata Alabi) 16 - "A Caixa" (de J.R. Valadares) 17 - "Ghost Story Challenge" (de Paulo G. Marinho) 18 - "O Veneno, o Antídoto e o Veneno" (de Oscar Nestarez)


Seguem as resenhas:


13 - "Drogas, Sexo e Dinheiro"


Autora: Soraya Abuchaim Avaliação:





A Soraya conseguiu escrever uma história assustadora mostrando o quanto a gente realmente não conhece as pessoas. Ou pelo menos não desconfiamos de até onde elas podem chegar. Gosto deste tipo de história que explora bastante a relação entre dois personagens e vai aprofundando-a até chegar a outro patamar. E é o tipo de história que te assusta pelo fato de ela te fazer ficar com uma pulga atrás da orelha acerca de seu próprio parceiro ou parceira. Me fez lembrar aqueles programas de investigação onde segredos dos casais são revelados e se esconde uma trama completamente diabólica. 

Nossa protagonista é Analu, uma mulher completamente insatisfeita no casamento. Vive ao lado de um homem violento e indiferente, a química entre ambos desapareceu há tempos e foi substituída por uma relação de mera conveniência entre ambos. Ela não se separa porque depende financeiramente de seu marido e acaba sofrendo suas agressões calada. Até o dia em que ela descobre um segredo terrível sobre seu marido que vai revelar um lado ainda mais sombrio de sua personalidade. Ela poderia permanecer onde estava e continuar seu casamento de fachada, mas sua curiosidade acaba vencendo o bom senso e ela continua suas investigações. 

O que impacta na narrativa é o quanto a personagem de Analu é real. É triste pensar nisso, mas é fato que a quantidade de mulheres que sofrem violência doméstica é enorme. Claro que temos a extrapolação da autora para criar uma trama retirando um lado sombrio do ser humano, mas se ela permanecesse só na relação abusiva entre Analu e seu marido já seria suficiente. Só que ela levou um ponto além e isso criou uma narrativa bem mais assustadora. Eu só senti que faltou desenvolver um pouco mais os sentimentos da Analu. Aquele início com uma mulher insatisfeita e que sofre sua violência de cada dia. Não digo nem para mostrar algo gráfico, mas trabalhar essa submissão dela diante de um marido opressor. A parte investigativa ficou muito boa; não é nada esplêndido até porque ela não é nenhuma detetive. Ficou no limite certo. 


14 - "A Culpa"


Autora: Renata Maggessi Avaliação:





Um acontecimento trágico levando uma pessoa a buscar saber quem perpetrou o crime e buscar sua vingança. Esse é um plot simples e que pode gerar narrativas bem tristes e emotivas. A psiquê do protagonista acaba se tornando um caos completo diante de uma obsessão que acaba tomando a sua vida. Essa curiosidade de saber quem lhe tirou uma pessoa querida é um subproduto de uma vontade irascível de buscar justiça. Mas, não a justiça dos tribunais, e sim aquilo que o seu coração partido e a sua fúria indomável buscam. Renata nos entrega isso na forma da torturada Abigail. 

Ela e seu marido acabam vítimas de um assalto. Seu marido acaba levando um tiro e não conseguindo sobreviver. Este acontecimento deixa marcas na personagem que agora se assusta com momentos em que está sozinha e olha para trás em lugares escuros. Sim, esse tipo de violência deixa marcas indeléveis em uma pessoa e altera completamente a sua rotina. Abigail fica transtornada porque não sabe quem cometeu tamanho crime, mas algo fica gravado em sua mente: os olhos por trás da máscara do assaltante. Ela vai em busca de respostas e segue até uma vidente para tentar descobrir a identidade dele. Mas, será que ela vai gostar da resposta? E o que ela fará com tal informação?

Toda a narrativa é tortuosa e emocional e demonstra o quanto a personagem está inconformada em ter perdido o seu parceiro. É como se um pedaço dela mesma tivesse sido arrancado com fúria. Sua reação contra a pessoa é em igual intensidade. Não basta simplesmente matá-la: é preciso fazê-la sentir a dor brutal que ela sente a cada manhã que ela acorda sozinha. Mas, o plot twist no final é assustador. A gente começa a desconfiar no final que algo não vai dar certo... e quando acontece, meus caros, é de gelar os ossos. 

15 - "Debaixo D'Água"


Autora: Renata Alabi Avaliação:





Trabalhar sentimentos é uma tarefa bem complicada. Fazer de um sentimento o ponto fulcral de uma história exige que o autor seja capaz de tornar um personagem real o suficiente para que ele consiga transmitir o seu sentimento para o leitor. Neste conto, a inveja transborda por todos os poros. Porém, a autora não conseguiu transmitir para mim a intensidade desse sentimento que tornaria o conto eficiente ao me assustar e mostrar o lado obscuro de uma personagem. 

Amanda e Daniele são amigas de escola. Se tornaram amigas depois que Amanda deixou de lado Giovana, que era sua melhor amiga até então. Um acontecimento trágico acabou tirando Giovana da vida de Amanda. Mas, no começo da história, a protagonista se encontra presa em algum lugar. O isolamento e a falta de possibilidade de sair acaba deixando-a desesperada. Isso faz com que ela comece a tomar medidas improváveis para se manter sã em seu cativeiro. Por outro lado, chegam notícias do desaparecimento de Amanda para sua amiga Daniele. Esta se lembra de quando elas se conheceram e revela quantos sacrifícios foram necessários para que ela pudesse se aproximar de sua amiga. Mas, quem sequestrou Amanda? E o que será dela?

A autora fez uma narrativa em três partes: na primeira, a narradora é Amanda em seu cativeiro, mostrando como ela está e qual o seu estado mental após um longo tempo de abandono; a segunda parte é com Daniele contando como é a relação dela com Amanda e mostrando como ela recebeu a notícia do desaparecimento de sua amiga; na parte final vemos como a situação de Amanda se desenrolará. Para mim, a narrativa de Renata Alabi ficaria melhor em uma narrativa mais longa, apresentando mais personagens e criando uma atmosfera de mistério onde os leitores não conseguem dizer quem é o verdadeiro sequestrador. Criar álibis e falsos álibis, fazer as pessoas desconfiarem umas das outras e usar uma personagem como fio condutor da história. Muito na forma como Paula Hawkins fez em A Garota do Trem. 


16 - "A Caixa"


Autor: J.R. Valadares Avaliação:





Mais um conto focado na mente de um criminoso (teremos mais uma um pouco mais adiante). Dessa vez é um voyeur cuja obsessão pela posse de uma pessoa vai alcançar um estágio desproporcional. O voyeurismo tem um pouco desse sentimento de impunidade onde o responsável mantém sua mente focada apenas no que ele está observando. Mais, os desejos vão aumentando pouco a pouco e as metas vão mudando. Vemos isso na própria narrativa do autor. Se no começo ele só desejava alimentar seu desejo com uma visão mais despudorada de sua observada, vemos progressivamente isso mudando para uma necessidade de posse. 

Um lugar escuro é tudo o que o protagonista consegue observar. Ele se encontra amarrado em uma cadeira e sua "sanidade" é mantida ao pensar na mulher que ele tanto deseja. Ah, Rita. Rita e seu corpo escultural. Uma pena que algo separava o protagonista de seu objeto de desejo: seu pai. Mas, nada que ele não pudesse dar um jeito. Agora ele está em um lugar onde apenas a visão de sua amada consegue mantê-lo bem. Mas, algo está subindo pelo seu corpo, deixando-o agoniado. 

O conto de Valadares é provocante e intenso. Ele vai se revelando pouco a pouco à medida em que os fatos vão ficando cada vez mais claros e transparentes para o leitor. Vamos montando as peças do quebra-cabeças e percebendo o quanto a mente do protagonista é perturbada. Aliás, o autor é muito bem sucedido ao nos apresentar a visão do personagem, totalmente desviada, Só nisso já vale demais a leitura. 

17 - "Ghost Story Challenge"


Autor: Paulo G. Marinho Avaliação:





Este é um conto fantástico que mostra o poder de uma ficção curta bem feita. Uma ideia genial do autor: criar uma metanarrativa explorando o próprio evento, mas tendo como narrador uma pessoa diferente. Esta pessoa observa a tudo e a todos, contando sua visão sobre os fatos. Vai tecendo comparativos entre o desafio original, feito por Mary Shelley, Lord Byron e outros e como várias tentativas de repetir o desafio foram feitas. O final da flash fiction é genial e a informação só é recebida nos dois parágrafos finais. 

O personagem vai parecer pomposo e desagradável ao leitor. Até mesmo a linguagem do personagem (a narrativa é em primeira pessoa) pode afastar, mas acreditem: é necessário. E mais: faz parte do personagem per se. Quando a gente fica sabendo da identidade do narrador, todas as peças fazem total sentido. Gostei do choque de visões, da maneira como o personagem enxerga a maneira como as histórias são contadas hoje. 


18 - "O Veneno, o Antídoto e o Veneno"


Autor: Oscar Nestarez Avaliação:





Uma ótima maneira de encerrar a coletânea. Um personagem que parece ser uma pessoa distinta, mesmo sendo pouco humilde e entendendo os demais como inferiores, dá a entender que estamos apenas diante de um escritor erudito, pouco adorado pelas massas. Essa pomposidade vai construindo um personagem pouco empático que já nos coloca na posição de não sentir nada em relação a ele. Só que, como uma cebola, o protagonista é repleto de camadas que vão se abrindo à medida em que a narrativa vai se desenvolvendo. E esse é o mérito de Nestarez nessa história: nos guiar rumo a um personagem ao qual vai se revelando aos poucos até chegar ao horror absoluto da podridão humana. 

Ao dar uma palestra em uma universidade, o protagonista se encontra enojado diante de uma plateia pouco apreciativa às suas grandes ideias. Ele demonstra o tempo todo estar incomodado, e algo que começa lotado de pessoas vai se esvaziando pouco a pouco. Ele ainda tenta vender seus livros, mas ninguém parece estar interessado. Ou pelo menos aparentemente ninguém. Dois rapazinhos na faixa dos 10 ou 11 anos parecem estranhamente interessados em seu livro. Com certa curiosidade, o protagonista vende um exemplar a eles e enxerga uma boa oportunidade para uma noite divertida ao lado de dois efebos. Sim... parece ter sido um presente dos deuses diante de tamanho sacrilégio de ter uma palestra sua desperdiçada com mentes inferiores. 

O protagonista é absolutamente desprezível. Um pedófilo cuja mente predatória percorre os jovens rapazes a cada minuto. Pensando nas possibilidades de seu abuso a eles. Nestarez consegue escrever uma história repulsiva não apenas apresentando um personagem desprezível, mas o que se sucede a ele no final da narrativa. É quase como um payoff, aquilo que acontece a ele no final. O autor não alivia nos socos no estômago e isso é uma das virtudes de sua escrita. Mesmo escrevendo sobre um tema delicado, ele mantém a compostura e consegue segurar a narrativa nas suas mãos até o final. Apesar de não ser um conto que tenha me agradado completamente, eu preciso elogiar a frieza com a qual Nestarez nos mantém presos para saber o destino de seu personagem. 

Ficha Técnica:

Nome: Confinados Autores: Alexandre Braoios, Soraya Abuchaim, Oscar Nestarez e outros Editora: Monomito Editorial Gênero: Terror Número de Páginas: 184 Ano de Publicação: 2018


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