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Cinco Coisas que você não sabia sobre tradução: O Desafio do Balão de História em Quadrinhos

Atualizado: 25 de out. de 2020

Que dificuldades enfrentam um tradutor de histórias em quadrinhos? O que é tradutês? Enfrentem conosco o desafio da limitação na tradução em mais uma postagem do Cinco Coisas que você não sabia sobre tradução.


Playlist:


Parte 5 - Uma Linguagem Neutra


Cada escolha de tradução tem muita coisa por trás. OU: desafio você a fazer a sua primeira opção de tradução caber em um balão de uma história em quadrinhos.


Limitação é uma palavra essencial no vocabulário de quem quer trabalhar com ou entender mais sobre tradução. Cada escolha feita em um texto leva em conta vários tipos de limitações, muitas delas invisíveis ao público final.


Por exemplo, às vezes temos que lidar com uma limitação espacial. O português, tendo origem latina, é uma língua complexa, cheia de palavras longas, e consequentemente mais “espaçosa” do que línguas de outras origens, como o inglês. Você vai encontrar vários números e porcentagens de aumento do número de palavras do texto do inglês para o português, para citar o par de línguas com que mais trabalho, mas vou dar um exemplo real: Projeto Gemini, o primeiro livro em prosa que traduzi, tem quase 72 mil palavras e pouco mais de 386 mil caracteres na sua versão original . Minha tradução em português do Brasil saiu com quase 74 mil palavras, mas 428 mil caracteres. Isso significa um aumento de cerca de dez porcento em extensão do texto — o que não é um grande problema em um livro de prosa, em que você só imprime mais páginas, mas e no caso de um quadrinho em que o texto precisa caber dentro de um balão já desenhado? Ou de uma carta de jogo de tabuleiro, que também tem um espacinho contado para o texto? Ou em uma legenda de série, que também tem um espaço limitado e ainda por cima um tempo mínimo para ficar na tela?


Logo nas primeiras páginas do primeiro quadrinho que traduzi (Blade Runner 2019, olha a responsa!), me deparei com um personagem drogado pela protagonista que usava um único balãozinho minúsculo para falar: “Tranq?”, uma forma de perguntar à protagonista se ela havia usado tranquilizantes para atordoá-lo. Manter “Tranq?” em português estava fora de cogitação, já que essa abreviação é muito incomum por aqui (e, pior ainda, me faz pensar em ripongas fazendo um sinal de hangloose perguntando se está tudo bem). A palavra “Tranquilizantes?”, que seria a tradução mais imediata da expressão, nem de longe caberia no quadrinho à disposição. “Drogas?”, uma opção em que cheguei a pensar, não ia ser tão precisa porque a acepção mais conhecida para drogas, no contexto informal da história, é a de substâncias narcóticas, não de remédios ou tranquilizantes. A solução em que cheguei — que não necessariamente é a única certa, tampouco a melhor — foi “Me dopou?” (e mesmo assim ficou nem apertadinho). Pouco tempo depois, traduzindo o tal quadrinho de filosofia que já mencionei, tive que dar um jeito de enfiar a tradução de “fun fact” em uma bolinha minúscula, com duas palavras curtinhas uma em cima da outra (nem pensar em “fato divertido” ou qualquer coisa do gênero, né? Acabei indo com “você sabia?”, e é o que temos para hoje).


Eu nunca fiz legendagem, mas já fiz um curso sobre e posso dizer que esses problemas que citei são fichinha para quem traduz legendas — a velocidade com que conseguimos ler um texto é limitada, e por isso as produtoras estabelecem uma limitação bem literal de caracteres por segundo. É a mesma coisa com a tradução para dublagem, que tem que levar em consideração o chamado tempo de boca. Então por exemplo, suponha que a cena mostre um jogo de RPG (esse exemplo pode ou não ter a ver com a minha tradução atual) e uma das pessoas diga: “Where’s my chain mail?”. A tradução literal seria “Onde está meu camisão de cota de malha?”, mas essa tradução não seria nem um pouco coerente com a quantidade de movimento da boca da pessoa. Quem fosse traduzir isso para dublagem teria que dar seus pulos: simplificar para “Traga-me minha armadura!”, por exemplo, poderia ser uma solução — mesmo que isso significasse perder um pouco a especificidade do termo.



Outra limitação de algumas mídias é ter que fazer com que a tradução e o material visual disponível sejam compatíveis. Pegando de novo o quadrinho de filosofia que traduzi (acho que já deu para ver que aprendi demais com ele, e não estou nem falando de correntes filosóficas): em um determinado quadrinho, o personagem está em um barco e diz que mesmo que se uma das premissas de um argumento seja falsa, “the argument’s conclusion is dead in the water”. A tradução literal (“a conclusão do argumento está morta na água”) não faz sentido nenhum, e poderia ser traduzida para qualquer equivalente mais direto como “a conclusão do argumento está perdida” ou “a conclusão do argumento não chega a lugar nenhum”. O problema é que, no quadrinho, há um peixe na água reclamando da metáfora, com carinha de bravo — ou seja, a expressão tinha que ter alguma relação com água, ou o peixinho puto não faria sentido nenhum. Acabei indo com “a conclusão do argumento vai por água abaixo”, que concorreu por um tempo com a opção “a conclusão do argumento morre na praia”. Outras limitações bem conhecidas são trocadilhos e rimas, que acabam complicando bastante a transposição de frases e palavras que, em outras circunstâncias, seriam facilmente traduzíveis.


Uma outra limitação com a qual as pessoas que traduzem precisam tomar muito, mas muito cuidado é a existência de um contexto maior que possa acabar atribuindo à tradução um sentido que não existe no original. Dessa vez vou dar um exemplo do Tome of Beasts, o livro de RPG que estou traduzindo atualmente para a Editora Sagen. Em determinado momento, me deparei com um gigante que tem um golpe chamado “Squatting Pin” — um movimento em que se senta em cima do oponente e o prende no chão com o próprio peso. Depois de entender o golpe, botei no arquivo minha alternativa mais imediata de tradução: “Sentada Imobilizadora”.


Bom, não sei se você aí está morrendo de rir, mas foi o que aconteceu comigo um segundo depois que eu digitei as palavras. Afinal, não é preciso ter especialização em funks brasileiros para saber que “sentada” tem um significado bastante… digamos, sugestivo (essa pendência ainda está aberta na tradução, meu eu do futuro que lute).


Achei importante falar sobre isso porque é muito fácil julgar uma escolha de tradução sem levar nenhuma dessas limitações em consideração. Principalmente no caso do inglês, uma língua mais acessível a parte da população brasileira — e especialmente nas obras de audiovisual legendadas, em que a pessoa assistindo consome o produto original (o áudio em inglês) e a tradução (a legenda em português) ao mesmo tempo. Quem nunca teve aquela coceirinha de dizer “ah, a tradução X está errada, na verdade a tradução correta é Y, essa pessoa não sabe nada de inglês”?. O que a Globo ninguém te conta (mas eu estou te contando agora!) é que às vezes a tradução Y pode até ser a mais exata ou precisa — mas não caberia no espaço da legenda/balão, faria um trocadilho importante se perder, iria contra as diretrizes da produtora ou editora (que às vezes impedem, por regra, usar alguns tipos de palavras, como palavrões) e por aí vai.


Outra coisa que é bom reforçar nessa altura da conversa é que é muito tênue a linha que separa a tradução precisa do que a gente chama de “tradutês”. Sim, o idioma é vivo e mutante e faz parte da brincadeira trocar palavras entre línguas, especialmente em tempos de internet e globalização — quem nunca mandou um e-mail ou tirou uma selfie que atire a primeira pedra —, mas a gente precisa tomar muito cuidado para não acabar pecando por simplificar o português.


Nosso idioma já é cheio de alternativas lindas e ricas para a maioria das palavras vindas do inglês, por exemplo. Então, por que forçar um “realizar” como tradução de “to realize” quando temos “perceber”, “entender”, “compreender”, “ter consciência”, “se tocar” e tantos outros? Porque usar “checar” para “to check” quando temos “conferir”, “consultar”, “averiguar” e afins? Se você analisar com carinho — um carinho que todas as pessoas que traduzem precisam ter com a língua —, cada uma dessas traduções em português tem uma nuance, o que faz com que a gente já possa se expressar muito bem usando as palavras precisas que já existem em português.


Aliás, em geral o português costuma ser mais preciso e diverso do que o inglês. Claro que de vez em quando a gente se depara com coisas tipo “claw” e “tallon” — ambos se traduzem de forma direta para “garras”, embora “claw” seja a garra das patas dianteiras e “tallon” seja das traseiras, mais especificamente das patas de aves —, mas é exceção.


Enfim. Esse alerta de que não significa, de maneira nenhuma, que de vez em quando você não vá esbarrar com tradução mal feita por aí. Mas, na maioria das vezes, a tal da alternativa Y em que você pensou quando viu uma tradução X foi cogitada. E digo mais: se a pessoa estiver fazendo um bom trabalho, ela cogitou alternativas que dão a volta no abecedário, porque quem traduz é um bichinho que nunca está satisfeito. O que me leva ao tópico seguinte.




*Jana Bianchi é escritora, tradutora de livros, quadrinhos e jogos de tabuleiro, editora-chefe da Revista Mafagafo, cohostess do podcast Curta Ficção e passeadora de lobisomens. Entre outros, publicou a novela Lobo de Rua (2016, Dame Blanche) e contos em antologias e revistas como Trasgo, Somnium e Dragão Brasil. Pode ser encontrada no site janabianchi.com.br e no Twitter e no Instagram como @janapbianchi.



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