Esta é uma história biográfica sobre Jiro Horikoshi, criador de dois grandes aviões japoneses. Miyazaki coloca toda a sua paixão por aviação aqui. Venham acompanhar esta linda história.
Sinopse:
No interior do Japão, o jovem Jiro Horikoshi sonha em voar em um avião com formato de pássaro. Realizar esse sonho torna-se a meta de sua vida. Durante sua jornada, ele conhece a encantadora Naoko, por quem se apaixona. Porém, quando ela adoece, o destino dele fica incerto.
Esta é uma animação muito especial. É o último produzido por Hayao Miyazaki antes de ele se aposentar e fala daquela que é a sua maior paixão: aviação. Mas, podemos sentir muito da própria história de Miyazaki nesta linda história de amor entre um homem que desenha aviões e sua companheira que é capaz de enfrentar com coragem uma terrível doença apenas para estar ao lado de seu grande amor.
Vidas ao Vento é a biografia animada de Jiro Horikoshi, o engenheiro de aviação responsável pela criação de dois aviões japoneses: o Mitsubishi A5M e o Mitsubishi A6M Modelo Zero. Ambos são o orgulho da aviação japonesa e alguns dos aviões mais utilizados pelos pilotos kamikaze durante a Segunda Guerra e principalmente a Batalha de Pearl Harbor. Na animação vemos como Jiro se apaixonou pela aviação e a sua apaixonada adoração por Caproni, um engenheiro italiano. Jiro queria construir um avião em que ele pudesse sentir o vento no rosto; praticamente o sonho de Ícaro. Vemos sua infância e sua vida adulta e principalmente os eventos terríveis que o levaram a conhecer Nahoko, o amor de sua vida. Durante a animação, veremos como Jiro tentará resolver os problemas de design dos aviões japoneses ao mesmo tempo em que tenta conquistar Nahoko.
Não tem como comentar sobre essa animação sem um certo saudosismo. Perceber a maturidade do trabalho de Miyazaki e como ele é capaz de construir uma boa história. A animação é excepcional: eu imagino o grau de dificuldade por trás dessa de Vidas ao Vento porque realizar um trabalho padrão Ghibli em uma história que exige cenas dinâmicas com aviões deve ser difícil. Mesmo assim, quase todas as cenas parecem sempre muito suaves e coloridas. Existe uma predominância do azul espalhado pela animação. Aliás, o azul do céu e o prata dos aviões fornecendo uma harmonia de cores raramente vista. Os personagens são bem detalhados, tendo boas diferenciações entre todos que aparecem espalhados pelo cenário. O mundo de Vidas ao Vento possui muita vivacidade, seja nas vilas repletas de pessoas ou nos cenários campestres por onde Jiro passa.
Novamente eu preciso usar um parágrafo para comentar sobre a trilha sonora. Joe Hisaishi mais uma vez se supera com uma trilha estonteante. O soundtrack regado a músicas usando a sanfona como um instrumento principal são lindas. Combinam perfeitamente com os cenários campestres e repletos de árvores e pássaros. Afinal, a animação fala da comunicação entre Jiro e o vento. Parece estranho, mas a sonoridade da sanfona remete, é claro (no sentido em que é dado na animação), à Itália de Caproni, mas ao mesmo tempo ao mito de Ícaro. É um homem tentando voar através de suas invenções; já que seus olhos não lhe permitem alçar os céus, ele quer que os seus aparelhos façam com que outros voem por ele. Mesmo as músicas dos momentos mais tristes ou mais tensos se encaixam perfeitamente nas cenas. As interações com Nahoko são regadas a uma música bela e triste enquanto as cenas de ação possuem um dinamismo e força autênticos.
Dizer que Miyazaki é fã de aviação chega a ser bobo. O autor fez o que gosta nessa animação e talvez seja por esse motivo que nós sentimos um clima apaixonado ao longo das duas horas de projeção. Mesmo quem não entende de detalhes de engenharia percebe os detalhes envolvidos. Cada cena em que Jiro mostra as evoluções nos modelos de aviões japoneses somos capazes de perceber toda a tecnologia envolvida. Os flaps traseiros, a sustentação por ligas, a estrutura totalmente metálica, porém leve. Somos inundados por todo o mundo da aeronáutica. Talvez alguns achem esses trechos maçantes, mas a mim não me incomodou. É quase que uma riqueza de detalhes que somente alguém que gosta daquilo seria capaz de colocar na tela.
A historicidade está quase perfeita na animação. Salvo alguns detalhes relacionados à história alemã e algumas pequenas trocas de data, Miyazaki passou muito bem esse período em questão. Jiro é baseado em um personagem real, mas Nahoko não. O pouco que eu sei a respeito da história do projetista fala sim de um romance conturbado, mas Miyazaki aproveitou o personagem de um outro romance para dar dramaticidade ao enredo. Não havia necessidade de aprofundar demais a história já que Vidas ao Vento fala de Jiro. Me recordo de algumas críticas falando que o autor poderia ter explorado mais o cenário do período EntreGuerras, mas acredito que o autor soube dosar bem a mão. As referências estão ali, logo se alguém tiver interesse basta consultar algum manual a respeito. Só acho que Miyazaki romanceou um pouco demais as relações entre japoneses e alemães. Elas não eram tão próximas assim. Hirohito respeitava Hitler, mas jamais assumiria que sua tecnologia era inferior à alemã.
Vidas ao Vento é uma animação um pouco mais adulta do que as demais do estúdio. Adulta não no sentido de que ela vai mostrar cenas pesadas ou íntimas, mas mais pelos personagens. Eles possuem motivações claras e nenhuma delas envolve nenhum tipo de ingenuidade ou inocência. Mesmo o jeito distraído de Jiro envolve seu comportamento obsessivo em produzir um avião digno de ser considerado japonês. O amor entre Jiro e Nahoko é muito mais adulto. Eles são companheiros e entendem muito bem as necessidades um do outro. Nahoko respeita os sonhos de seu marido e compreende que seu dever é ajudá-lo da melhor maneira que ela puder. Já Jiro compreende a doença de Nahoko e sabe que precisa estar ao lado dela no momento em que ela precisar. O amor entre os dois é lindo e triste ao mesmo tempo. Ficamos com pena dos sacrifícios que Nahoko precisa fazer para estar junto de seu amado. E a cena do teste do avião quando a biruta abaixa é absolutamente triste. Na minha opinião, essa é o melhor casal do estúdio até o momento (a menos que apareça algum em Arriety ou Kaguya, fico com o de Vidas ao Vento).
Os personagens apresentados são bem delineados e todos possuem motivações muito convincentes. O amigo de Jiro fornece os pés no chão necessários para que o personagem consiga viver socialmente. O galpão onde ele trabalha é típico de uma empresa: ela só vai defender Jiro se este for capaz de dar o devido retorno à companhia. Não existem bons ou maus, apenas personagens com objetivos e motivações. Não existe um inimigo a ser derrotado, mas uma vida a ser vivida apesar de todos os obstáculos. Nahoko não é simplesmente uma mulher submissa a seu marido, mas uma mulher de jeito doce e temperamento obstinado. Ela larga o seu tratamento quando sente que seu marido precisa de seu apoio. E ela mantém sua força mesmo diante dos últimos estágios de sua doença. Todos os personagens contribuem para mostrar uma bonita história de amor de um homem por uma mulher e de um homem pelo vento.
Vidas ao Vento foi bem recebida em 2013, sendo a maior bilheteria japonesa naquele ano. Era para a animação estrear junto com O Conto da Princesa Kaguya, sendo a primeira vez que duas animações do Ghibli estreariam juntas. Mas, por conta de contratempos com o último filme do estúdio, este acabou sendo adiado. Vidas ao Vento sofreu muitas críticas porque mostrava um personagem fumante e cujo foco estava em um simples designer de aviões. Outros reclamaram da visão romântica dada aos engenheiros nazistas. De toda forma, a animação recebeu boa crítica internacional tendo sido indicado ao Oscar em 2013 e ao Golden Globe como melhor animação internacional.
Por ser uma animação cujo teor é mais adulto, recomendo com parcimônia. Não por causa de cenas fortes ou de sexo, mas por ser uma biografia de um engenheiro de aviação. Pode não agradar às crianças que preferem algo mais ágil e fantasioso. Mesmo assim recomendo a animação por mostrar um lado mais maduro de Miyazaki ao mesmo tempo em que apresenta uma linda história de amor.
Na próxima semana, apresentaremos O Conto da Princesa Kaguya, último trabalho de Isao Takahata.
Ficha Técnica:
Nome: Vidas ao Vento
Diretor: Hayao Miyazaki
Produtor: Toshio Suzuki
Roteirista: Hayao Miyazaki
Baseado em The Wind Has Risen escrito por Tatsuo Hori
Estúdio: Studio Ghibli
País de Origem: Japão
Tempo de Duração: 126 min
Ano de Lançamento: 2013
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Excelente crítica! Acabei de ver o filme e você me completou com informações. Obrigada 🙏🏻