Na cidade de Cobra Norato, tudo pode acontecer. Quando uma repórter vai atrás de um cientista que teria criado uma fórmula para a imortalidade, a realidade fica de ponta a cabeça. Monstros surgem no banco da praça, seres que são capazes de mudar de corpo recuperam suas memórias. Confiram!
Sinopse:
"Cobra Norato é assim, cheia de vidas intensas, andarilhas, que cedo ou tarde se cruzam, sem perceber. Assim correm as histórias deste livro: paralelas, fluidas, até se encontrarem em uma emanação de cores, aromas e emoções. Não poderia ser de outra forma quando o tema é a telepatia. Leia-se: uma conexão entre as mentes humanas que dispensa a senha do wifi. Como seria o mundo, você já pensou, se todas as pessoas pudessem sentir umas às outras em uma solução de empatia total? Eis a pergunta que atravessa este livro como um raio telepata, trocando personagens de corpo, abrigando mortos na mente de vivos, deixando um brilho filosófico e poético nas frases. Uma pergunta, de fato, que leva a centenas de questões. Haveria diminuição das injustiças sociais? Acabaria o machismo e o racismo? As pessoas aprenderiam umas com as outras? Não sei. Ninguém sabe. Mas entre neste livro pronto para colecionar perguntas e imagens bonitas, personagens marcantes e histórias divertidas. Esqueça as respostas. A Luiz Bras interessam os mistérios. Ele sabe inseri-los em nossa cabeça. Sua literatura inventiva tem um poder quase telepático nesse quesito. E existe algo mais valioso em um romance de fantasia do que o mistério? Algumas das vidas andarilhas que você encontrará neste livro: uma velha solitária que anda de cidade em cidade acompanhada por seus gatos e suas memórias, a amizade improvável entre uma menina e um monstro que habita um banco de praça, a história de uma consciência (humana?) de cem anos que troca de corpo a cada vinte e quatro horas, entre outras vidas que habitam os locais maravilhosos de Cobra Norato." - EDUARDO SABINO, escritor e editor, assina a orelha do livro.
Somos convidados por Luiz Brasa conhecer a cidade de Cobra Norato onde estranhos acontecimentos parecem estar se espalhando por toda a parte. Uma estranha velha andarilha que parece ser mais do que aparenta. Uma repórter em busca de um cientista que parece ter descoberto o segredo da imortalidade e desaparecido misteriosamente. Um monstro no banco de uma praça que ninguém consegue enxergar, mas observa a vida desenrolar ao seu redor. Uma menininha que subitamente consegue enxergar o monstro no banco da praça. Um ser com quase um século de vida que muda de corpos a cada período de tempo e se comunica com um médico. Todas essas existências se conectam em uma história sobre laços e sobre empatia.
Histórias interconectadas são narrativas difíceis de serem escritas por causa de toda a complexidade envolvida em colocar os personagens em um mesmo mundo e torná-los todos protagonistas de suas próprias histórias. O autor pode escolher uma série de recursos para mantê-los afastados e fazê-los se cruzarem apenas em momentos chave. Aqui ele adota um esquema de alternância entre duas narrativas. A da velha andarilha é aquela que dura toda a extensão do livro com curvas e desvios em alguns momentos para abordar outros temas. As outras histórias que se alternam envolvem os mais diversos personagens. O livro possui uma velocidade incrível de leitura. Como alguém que já lê materiais do autor há algum tempo, Vidas Andarilhas é bem diferente do que estamos acostumados a ver ao mesmo tempo em que é parecido. Não esperem um romance longo do autor porque ele é como uma alma andarilha, não gostando de permanecer muito tempo com os mesmos personagens. Assim como o Duda Falcão faz com a literatura pulp, Luiz Bras consegue ser excepcional na arte de contar narrativas curtas. Quando você pensa que está diante de uma narrativa longa, ele te surpreende com alguma mudança ou singularidade. Não se preocupem com a alternância constante; ela em nada afeta a compreensão da história.
O que conecta os diversos personagens é o tema da conexão, dos laços entre pessoas. Todos os personagens estão buscando formar laços de alguma forma. Por exemplo, a velha andarilha é um ser que existe há muito tempo e que traz sorte e fortuna a todos que ela se aproxima com seus gatos. Todos menos ela mesma. Ao mesmo tempo em que ela ajuda a todos, permanece à parte da sociedade, não sendo observada por ninguém. A lua, aquela a quem a velha se dirige, tenta explicar a ela qual é o seu papel no universo e ela vai percebendo o quanto os seres humanos precisam destes laços para poderem se manter sãos em uma sociedade insana. Existem os momentos em que desejamos destruir tudo, mas na verdade o que precisamos é de alguém que nos compreenda.
Por outro lado, a velha representa todos os moradores de rua que ignoramos solenemente todos os dias. Nunca paramos para perceber as histórias e dramas que cada um deles vive ou já viveu. São seres invisíveis para nós e quando eles tentam buscar uma conexão, os repelimos com receio de sermos arrastados para sua floresta da danação (mencionei floresta de propósito... já volto nisso). Estes homens e mulheres que habitam as ruas podem ser seres mágicos enviados para nos trazer fortuna, mas nunca terem sua própria. Em um mundo ideal, entenderíamos sua importância e os buscaríamos como amuletos da sorte enviados pelos céus. Mas, tal não é o caso. A narrativa da velha me fez pensar em empatia, algo que não demonstramos pelo próximo. Esse mesmo tema da invisibilidade pode ser transportada para a narrativa do banco na praça. Assim como a velha, este é um ser ignorado por todos. Ele observa a felicidade alheia, as vidas que passam em sua frente a todo o momento. Condenado a sempre observar e nunca participar. Isso só vai mudar quando uma menina consegue enxergá-lo por acaso.
E aí vamos à floresta que é o que acontece quando a menina tem contato com ele. Quando passamos a nos envolver de fato com quem está ao nosso redor. Quando realmente olhamos aqueles que precisam de nossa ajuda. Aqueles que desejam uma conexão. Ao mesmo tempo a menina quer ser laureada como a única que foi capaz de dar atenção, de enxergar o monstro. É a nossa necessidade de sermos validados mesmo quando tencionamos fazer uma boa ação. O monstro a leva para uma floresta, onde ela poderá se livrar de sua ignorância. Mas, isso só poderá acontecer se ela for capaz de se libertar de sentimentos egoístas. Quando ela se depara com o quanto a floresta é profunda e exige maturidade dela, a menina tem uma reação imediata. É como quando nos deparamos com algo que é maior do que nós, com o que não somos capazes de administrar.
Queria gastar uns momentos com o ser que muda de corpo, um personagem introduzido mais adiante na narrativa. Ele tenta a todo custo manter sua sanidade, mesmo pulando de corpo a cada dia. Sua luta é em manter sua memória, sua capacidade de perceber a si mesmo dentro do corpo de outra pessoa. Isso porque antes de tentarmos nos conectar com outras pessoas, precisamos a todo custo nos conectar com nós mesmos. Em um mundo em que dependemos de outros para nos validar, para reconhecer nossa existência, perdemos essa percepção do eu. O personagem precisava o tempo todo que o médico validasse sua existência, por isso ele ligava para ele, se encontrava com ele, o buscava. Somente quando ele consegue perceber seu erro e tomar uma atitude diferente é que ele vai entender o que realmente acontecia a ele.
Vidas Andarilhas é uma bela discussão sobre o nosso tempo. Sobre como estamos em busca de nós mesmos em um mundo insano e repleto de caminhos e escolhas possíveis. A grande questão é saber se nós vivemos em uma Cobra Norato ou se estamos mais cientes de nossas próprias existências. O livro nos provoca e nos incomoda com os personagens que de alguma forma reconhecemos no nosso cotidiano. Essa é mais uma ótima história do autor e que merece sua atenção e uma leitura calma e paciente para poder retirar o máximo das mensagens presentes nas entrelinhas.
Ficha Técnica:
Nome: Vidas Andarilhas
Autor: Luis Bras
Editora: Caos & Letras
Número de Páginas: 192
Ano de Publicação: 2021
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*Material recebido em parceria com o autor
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