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Resenha: "Vera Cruz - Sonhos e Pesadelos" de Gabriel Billy

Foto do escritor: Paulo ViniciusPaulo Vinicius

Em uma Vera Cruz muito diferente da que conhecemos hoje, a busca pelo portão de Ivi Marã Ei e a Borduna de Jurupari representa uma caçada mortal envolvendo diversos personagens e poderes deste mundo. Quem chegará lá primeiro?

Sinopse:


Imagine se a história do Brasil fosse um universo mágico, repleto de nações e povoado por figuras do folclore nacional, nossos inventores esquecidos, personalidades da família imperial, bandeirantes, revolucionários, artistas, e mais alguns nomes que você irá reconhecer (e outros de quem talvez nunca tenha ouvido falar). Imagine um mundo fervilhante, onde as incríveis tecnologias que nasceram no Brasil ― aviões, dirigíveis, rádio ― convivem com a mágica do axé e das pajelanças, e nossos mitos de raiz abrem as portas para a glória ou a danação desse mundo-Brasil chamado Vera Cruz. É nesse mundo que o ladrão Pedro Malazarte se lança à busca de Ivi Marã Ei, a Terra Sem Males, para encontrar o mais poderoso objeto que existe, a Borduna de Jurupari. A essa jornada repleta de desafios se unirão as figuras mais diversas, como a princesa quilombola Zaila, o índio amaldiçoado Urutau, o inventor frustrado Júlio César Ribeiro, a princesa destronada Isabel de Bragança, o curupira Oiti, e muitos outros personagens apaixonantes. Esta é uma viagem sem volta. Bem-vindos a Vera Cruz!




No que parece ser o primeiro volume de uma série, Gabriel Billy reimagina um Brasil bem diferente do que conhecemos. Mexendo em alguns fatos aqui e ali e reposicionando personagens folclóricos ou literários acolá, ele conseguiu fazer surgir uma boa salada em um mundo único. Assim como Ian Fraser fez em Araruama e João Paulo Silveira fez em O Potiguar, Gabriel bebeu do enorme manancial de histórias existentes por aqui. Claro que a ideia do autor era criar mais um mundo fantasioso do que um romance histórico. E ele consegue isso através de uma bela estética steampunk. Mas, alguns problemas aqui e ali acabaram deixando o resultado final aquém do potencial que ele poderia ter.


Um país dividido


Em Vera Cruz temos diversas nações lutando pelo poder. Lisarb é uma espécie de ditadura militar altamente tecnológica governada pelo poderoso general Kaput. Em uma série de campanhas de conquista, eles vem dizimando sistematicamente os seus inimigos. Eles contam ainda com os conhecimentos de um estranho feiticeiro chamado Diabo que vem orientando Kaput na busca pelo portão místico. Ouro Preto é uma espécie de nação quilombola que se foca bastante no emprego de magia. São um dos povos que resistem ao poderio de Kaput e contam com o apoio de Mestre Lisboa. Uma das heroínas da história, Zaila, é filha do Chico Rei III. Temos ainda a Árvore Sagrada, lar dos curupiras, protetores da natureza. Estes preferem viver escondidos na mata, sempre fazendo o possível para defender a mata dos males do homem. Diferentemente dos mutucus que detestam a humanidade e vivem em uma Vitória Régia Sagrada. Yataí e Oiti vem desses dois lugares tão distintos.


A narrativa é movida pela busca do infame ladrão Pedro Malasarte que busca pistas de como chegar até Ivi Marã Ei. Ele realiza um audacioso furto em Ouro Preto, mas depois Chico Rei pede à sua filha, Zaila, que ajude o ladrão em sua busca. Segundo ele, ter a posse da Borduna vai impedir que ela caia nas mãos de Kaput. Seguindo nessa mesma busca temos também a princesa Isabel, que foi destronada de Lisarb pelos militares de Kaput. Ao lado de seu protetor, eles seguem rumo ao mundo dos sonhos para encontrar uma forma de recuperar seu trono e ajudar o povo de sua nação. É então que ela é colocada no caminho do portão, onde ela poderia frustrar Kaput e lhe impor uma estrondosa derrota. Já Yataí e Oiti estão buscando as respostas para uma estranha doença fúngica que afeta a Árvore Brasil e a Vitória Régia Sagrada, retirando os poderes de seus povos.

" - Jurupari é o pesadelo, mas também é a renovação, Clóvis. Não posso me intrometer nos assuntos de Vera Cruz, interferindo no livre arbítrio que rege o mundo. Minha função é guardar o mundo dos sonhos e proteger Vera Cruz das ameaças externas, apenas."

A busca pela Borduna é uma busca também por livrar Vera Cruz desse constante estado de guerra. É de alguma forma deter os planos de Kaput e fornecer um senso de normalidade. A gente percebe desde o começo que existe um algo mais que o autor não conta a princípio para nós. Faltam peças que vão sendo montadas pouco a pouco até a revelação final lá nos últimos capítulos. Existe uma espécie de mola propulsora que vai empurrando os personagens rumo a determinadas ações. Como um titereiro que manipula um por um. Novamente: a gente percebe no final o que é, e é chocante isso. Gabriel deixa um belo gancho para ser resolvido em um segundo livro.


Personagens em conflito


Eu adorei que o autor empregou Pedro Malasarte como seu protagonista mais proeminente. Sempre me recordo de pequenos textos sobre o personagem nos meus tempos de escola. Ele sempre é colocado como aquele cara caótico, que cria confusão. Nem sempre é um personagem inteiramente bondoso, se revelando muito mais alguém que gosta de mexer o caldeirão. Se a gente for fazer uma comparação pop, eu diria que Malasarte é como o Loki dos quadrinhos da Marvel (não o dos filmes). Um ser que segue os seus próprios objetivos, que só são claros para ele mesmo e mais ninguém. Até porque Malasarte não é um personagem que dá para traçar um padrão. Existe um clima entre ele e Zaila, e ele parece gostar dela, mas algo nele mesmo impede que ele dê o próximo passo. Dos personagens criados por Gabriel, posso dizer que o ladrão é o mais complexo de todos e nós não vamos acertar em nenhum momento o que ele pretende. Isso me divertiu bastante.

"Malazarte invocou fortes rajadas de vento com seu gorro, criando um colchão de ar que fez com que ele, Urutau, Zaila e o Padre flutuassem até o chão."

Já Zaila me pareceu o contrário de Malasarte. A personalidade que o autor deu para ela na narrativa é um pouco irritante. Não sei se isso foi proposital, fora o fato de ela ser uma personagem coadjuvante dentro do núcleo narrativo de Malasarte. Faltou um algo mais em seu caráter ao invés de ser apenas aquela que duvida das coisas ou a moralista jogando verdades na cara do ladrão. Não consegui sequer comprar a tensão sexual entre eles. No final, ela tem uma participação maior e tem um papel importante na virada narrativa que segue. Acho que faltou trabalhar algumas cenas que ajudassem a revelar outros lados dela.

A dupla Yataí e Oiti é outro grupo de destaque. Gosto de como o autor usou a situação dos opostos que se atraem para nos colocar uma boa dinâmica. O curupira e a mutucu representam mais o lado da magia de Vera Cruz e é através deles que a gente aprende o significado de algumas coisas. Por exemplo, o papel dos dois povos na manutenção do equilíbrio da natureza, mas também a existência de forças externas que parecem manipular os destinos dos indivíduos. A parte mágica ainda não ficou clara, até porque os artefatos empregados na história são cercados de uma importância enorme. Mas, eu acho que isso é um tema que deve voltar no segundo volume até porque alguns subplots não ficaram inteiramente desenvolvidos. Outro lado também é o quanto Oiti ainda precisa amadurecer. Como membro dos curupiras, ele ainda tem dúvidas acerca de si próprio enquanto Yataí é uma mutucu mais resolvida, embora ela compartilhe de alguns questionamentos de seu próprio povo em relação aos humanos.


Um mundo em construção; uma escrita em desenvolvimento


A escrita do Gabriel é muito boa e mostra o trabalho que ele teve para escrever a narrativa. É perceptível o quanto ele trabalhou nos parágrafos e até na seleção de palavras para encadear frases. A escrita soa de época, sem ser pomposa. Eu gostei da opção também por capítulos de tamanho médio até porque o livro é curtinho. O leitor consegue matar em pouco tempo a história. E isso não age em detrimento nem um pouco daquilo que o autor criou. A narrativa é toda em terceira pessoa com foco em Pontos de Vista que se alternam dentro dos capítulos. Isso dá um dinamismo para a história e nos permite entender muito bem o mundo criado por ele. Acho que em próximos volumes, o autor podia empregar algo mais a la Martin, para que a gente não fique alternando tanto entre núcleos em um mesmo capitulo. Isso vai permitir a ele desenvolver melhor os personagens já que o mundo em si já vai ser mais conhecido pelo leitor.


O meu principal problema na história foi em relação aos plots e subplots. Os acontecimentos se sucedem de uma maneira muito rápida na narrativa. Entendi que a proposta era criar uma história onde o leitor não perdesse o fôlego nem por um segundo, mas, para mim, acabou me causando um pouco de confusão. Eu rapidamente me perdia acerca do que os personagens queriam e para onde eles estavam indo. Foi quase como uma corrida onde há um desespero para chegar ao final logo. E dava para pisar no freio e trabalhar certas situações com mais calmas: as motivações de Malazarte, as dúvidas de Isabel, a relação de Yataí e Oiti. Faltou muita coisa que acabou por gerar inúmeros buracos na história.

"Lá estava o Datilógrafo, um veículo terrestre movido pela força do ar. Assemelhado a uma elegante berlinda, tinha um pequeno mastro com uma vela encolhida no topo e algumas hélices na traseira. O controle era feito por meio de um teclado datilográfico no painel do veículo."

O mesmo pode ser dito em relação ao plot twist lá no final. Já me referi a isso em algumas outras oportunidades dizendo o quanto esse mecanismo é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo em que cria uma virada narrativa, provocando espanto ou empolgação no leitor, ele pode originar algo incoerente. Faltou jogar pequenas sementes de dúvida ao longo de toda a narrativa para que, no final, o leitor tivesse aquele pequeno estalo do "A-Há". Aqui o plot twist acabou surgindo meio do nada (em relação a um personagem em específico). Aquele momento final, o autor havia criado as sementes alguns capítulos antes. Por essa razão o momento ficou legal porque a gente foi capaz de perceber por que ele havia feito aquilo.


Vera Cruz é uma boa leitura onde o autor criou um universo só dele usando personagens e elementos oriundos de várias fontes literárias e folclóricas brasileiras. Fica aqui também o elogio ao imenso trabalho de pesquisa que Gabriel fez e está colocado lá no final do livro. São páginas e mais páginas de informações sobre os personagens citados na história e de onde eles foram tirados. Para quem diz que literatura e folclore nacionais são pobres, não fazem ideia do que estão dizendo. A ressignificação feita pelo autor só mostra a vitalidade destas narrativas e o quanto se, bem aproveitado, podem gerar excelentes histórias. Os sketches que ele fez também são muito legais. E a Avec Editora está de parabéns por, mais uma vez, apoiar autores nacionais e lhes dar espaço para publicar suas histórias.


Ficha Técnica:


Nome: Vera Cruz - Sonhos e Pesadelos

Autor: Gabriel Billy

Editora: Avec Editora

Gênero: Ficção Científica (Steampunk)/Fantasia

Número de Páginas: 184

Ano de Publicação: 2018


Link de compra:

https://amzn.to/2LJil3W


*Material enviado em parceria com a Avec Editora





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