Em uma cidade marcada por uma maldição, Kirie conta como aconteceu a decadência da população que vivia lá. São pequenas histórias envolvendo espirais de formas absolutamente macabras.
Sinopse:
Kirie Goshima e Shuichi Saito vivem na pequena cidade de Kurôzu-cho, que se vê repentinamente assolada por uma estranha maldição: os seus habitantes tornam-se obcecados por objetos com a forma de espirais (conchas de caracol, remoinhos e padrões) e acabam por morrer misteriosamente. Kirie and Shuichi elaboram um plano para escapar da cidade, mas os seus esforços não têm sucesso e no regresso acabam por descobrir qual é afinal o centro da espiral.
Uzumaki é um mangá perturbador. Se pararmos para analisar o que Junji Ito criou nesta obra vamos chegar a essa conclusão. Não conheço inteiramente o body terror, que é o gênero onde a obra do autor se insere, mas só sei que fiquei realmente impressionado com o que foi apresentado aqui. O terror oriental é bem diferente do que estamos acostumados onde o gore é bem mais pronunciado que o normal. Já havia lido Fragmentos do Horror, mas Uzumaki está em um nível inteiramente diferente.
A edição da Devir está muito boa com uma capa seguindo a linha da coleção Tsuru com uma jacket. O papel é de boa qualidade (se não me engano é o lux cream) e a imagem não passa para o outro lado. A edição é bem volumosa, com 656 páginas. Ao final temos um conjunto de matérias feitas para a edição da Devir: conta com um texto sobre a experiência de conhecer a obra de Ito e um explorando as bases psicológicas da obra de Uzumaki para entender o contexto social do povo japonês. Apesar de o autor deste texto divagar em determinados momentos, o texto como um todo é muito bom.
O traço de Ito é até bem simples se formos analisar detidamente. Seus quadros de fundo não são tão bem definidos assim, tendo o uso de diversos quadros brancos. Porém, o autor compensa isso através da exploração de situações insólitas. A maneira como ele cria o crescendo para uma cena final repugnante é uma das marcas do seu trabalho. Algumas histórias servem apenas ao propósito de apresentar uma cena bizarra próxima ao final. Ito tem um bom domínio sobre estruturas corporais. Somente assim é que ele é capaz de criar distorções no nível que ele emprega na história. Por exemplo, a cena da luta de cabelos é bizarra demais para tentar explicar em palavras. Posso estar enganado, mas senti uma certa influência do horror cósmico lovecraftiano nas histórias de Ito. Me remeteu a um conto de Lovecraft chamado A Cor que Veio do Espaço.
Outro mérito do traço do autor é em como ele consegue construir bem expressões. Alguns personagens que ele cria possuem olhares perturbadores. Como a menina que se torna stalker do Shuichi logo no começo de Uzumaki. Vemos como aos poucos a personagem vai mudando o seu comportamento e isso pode ser percebido nos seus traços e gestos corporais. Ao final dava para sentir o olhar psicótico que ela dirigia ao personagem. Ou as expressões desoladas das pessoas durante o capítulo dos tornados. Sabe quando o medo chega a um ponto tal em que nada mais importa?
Para mim, o grande ponto fraco da narrativa são os seus personagens. Como a narrativa é formada por um conjunto de várias pequenas histórias, o autor não tem uma grande oportunidade para desenvolvê-los. Se formos pensar racionalmente, o protagonista da história é a própria cidade de Kurozu. É a cidade que vai sendo atacada a todo momento pela maldição da espiral. Acompanhamos a desintegração progressiva de cada elemento da cidade até não restar pedra sobre pedra. Seus habitantes servem apenas como veículos para serem usados como destruidores da própria cidade. Sendo veículos, eles não servem para ser desenvolvidos. O autor não sentiu uma vontade de criar narrativas menores explorando os problemas destas pessoas. Senti que em alguns momentos a história tomava caminhos estranhos. E a própria reação das pessoas diante da crise que assolava a cidade era estranha. Eles não se comportavam de forma verossímil. Mesmo os personagens que integram o núcleo principal não tinham comportamentos compreensíveis.
Kirie funciona como os nossos olhos diante da narrativa. Não à toa ela não tem uma personalidade definida. Mesmo após tantos capítulos, não sou capaz de dizer se a personagem é fraca ou forte, tímida ou extrovertida. Kirie é a responsável por fazer a história caminhar. Quando ela toma uma decisão,algo acontece. Boa parte das situações da maldição da espiral acontecem a ela ou a amigos próximos dela. Já Shuichi é um personagem que eu não gostei particularmente. O pior namorado de todos os tempos. Posso estar enganado, mas Ito deve ter se inspirado em Cassandra, a oráculo de Troia para criar este personagem. Shuichi é o vidente que sabe quando a maldição da espiral vai agir, mas ninguém acredita em suas palavras. Ele repete essa cena durante toda a narrativa sem que nada possa ser mudado.
De certa forma eu entendi o porquê de acontecer a maldição da espiral. Mas, é preciso pontuar que o leitor precisa forçar bastante a barra para conseguir absorver completamente o que o autor coloca no final. O fato de não haver exatamente um começo explicável para tudo o que está acontecendo em Kurozu é um pouco estranho. No entanto, eu captei bem a ideia da história cíclica. Consigo imaginar tudo acontecendo novamente em um momento futuro. A própria noção da espiral representando o eterno retorno. Claro que somente alguém insano como Ito poderia ter empregado a espiral de tantas formas diferentes. Algumas delas são óbvias como o caso dos Homo molusco. Outras nem tanto como a do casal de apaixonados.
No fim eu gostei bastante do mangá. Um pouco mais trabalhado e progressivo do que Fragmentos de Horror, apesar de que eu achei este último um pouco mais maduro. Senti falta de alguns modelos de construção narrativa que o autor deixou de lado de forma a servir à sua história de outra maneira. É um mangá muito recomendado que me fez gostar ainda mais do trabalho do autor.
Ficha Técnica:
Nome: Uzumaki
Autor: Junji Ito
Editora: Devir Brasil
Gênero: Terror
Número de Páginas: 656
Ano de Publicação: 2018
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