Resistência. Sobrevivência. Superação. A vida de Laia nunca foi fácil, mas um terrível acontecimento a obriga a crescer e lutar pela sua posição no mundo e pela salvação da família que lhe resta.
Sinopse
Laia é uma escrava. Elias é um soldado. Nenhum dos dois é livre. No Império Marcial, a resposta para o desacato é a morte. Aqueles que não dão o próprio sangue pelo imperador arriscam perder as pessoas que amam e tudo que lhes é mais caro. É neste mundo brutal que Laia vive com os avós e o irmão mais velho. Eles não desafiam o Império, pois já viram o que acontece com quem se atreve a isso. Mas, quando o irmão de Laia é preso acusado de traição, ela é forçada a tomar uma atitude. Em troca da ajuda de rebeldes que prometem resgatar seu irmão, ela vai arriscar a própria vida para agir como espiã dentro da academia militar do Império. Ali, Laia conhece Elias, o melhor soldado da academia — e, secretamente, o mais relutante. O que Elias mais quer é se libertar da tirania que vem sendo treinado para aplicar. Logo ele e Laia percebem que a vida de ambos está interligada — e que suas escolhas podem mudar para sempre o destino do próprio Império.
Seja a sua própria revolução
Nossa proposta do projeto Leia Mulheres do Ficções Humanas definiu a leitura de uma autora asiática para o mês de abril, e a Sabaa Tahir, descendente de paquistaneses, foi a escolhida. Graças a todos os deuses, e eu já vou explicar o porquê!
Comecei uma leitura despretensiosa, levemente desinteressada até. Mais um young adult, com uma sinopse não tão interessante, que me fez pensar imediatamente num romance teen - mais um romance teen - em um cenário qualquer. Eu gosto de YAs, mas não é sempre que a leitura consegue transformar-se em algo mais, num desafio, numa surpresa. O gênero é bem conhecido por seus clichês, não é?
Não! Sabaa Tahir ousa com uma escrita agressiva, impulsiva e cadenciada num ritmo explosivo. Dividindo os capítulos entre os pontos de vista de Laia e de Elias, em primeira pessoa, a autora amarra uma narrativa impiedosa e direta, sem meias palavras ou floreios adolescentes. As vidas dos protagonistas são duras, cruéis. Não há espaço para romantizar a dor.
"O medo só será seu inimigo se você deixar. Medo demais e você está paralisada. Medo de menos e você se torna arrogante."
Laia é uma Erudita, nascida no berço dos oprimidos, e vê tudo se transformar numa batida do Império. Seu irmão é preso e Laia foge, reprimindo sentimentos de culpa, vergonha e medo. Ela não pode, no entanto, fugir para sempre. Sabaa Tahir trabalha o estado emocional de Laia de modo progressivo, amadurecendo a personagem a cada tropeço, levantando-a a cada queda. A jovem medrosa precisa, afinal, crescer e tornar-se dona de si mesma, aceitar as consequências de seus atos e lutar pelos seus iguais. Se no começo os capítulos de Laia são enjoados, cheios de choro e medo, também é interessante acompanhar uma protagonista natural, com o psicológico de uma menina e atitudes condizentes com sua idade e falta de experiência. Ao longo da história, Laia prova-se ser uma personagem complexa e muito cativante.
Já Elias é o lado racional, típico dos rapazes das histórias Young Adult. Mas ele não para por aí. Elias é movimento, força, foco, dever e honra. Mais do que tudo, Elias é coração. Um coração enorme e dividido entre os ensinamentos rigorosos - desumanos - do Império e seu próprio senso de justiça. O protagonista é um soldado, treinado para ser a elite do Império, um Máscara. Espera-se que ele assuma suas obrigações e as execute sem questionamentos ou emoções. Elias impulsiona a trama, correndo enquanto Laia esgueira-se pela história. Dois pontos de vista para a mesma narrativa, os mesmos acontecimentos, tudo muito bem encaixado numa velocidade enlouquecida.
"É por isso que estou lutando, lembro a mim mesmo. Não pelo poder. Pela liberdade."
Ambientado num cenário fictício aproximado do Mediterrâneo, possivelmente na região Saariana remontada do Império Romano, temos uma temática legionária, bélica, altamente militarizada e disciplinada. O povo local, os Eruditos, foi há muito subjugado pelo Império, sofrendo retaliações, demonstrações de violência gratuita e opressão sob as leis marciais. É um mundo caótico, inclemente tanto pelo deserto que aprisiona a população quanto pela mão de ferro do Imperador. O que parece ser uma ambientação árida e concreta, no entanto, revela-se cheia de magia e misticismo com a presença de criaturas mágicas típicas da mitologia árabe, com ghouls, effrits, djinns e portadores da noite. As referências são riquíssimas e muito bem construídas.
Apesar de não gostar muito de comparações, até pela expectativa inerente, não posso deixar de pensar em uma espécie de Jogos Vorazes, mas com uma crueldade fria e implacável nas palavras e nas sensações digna de George R. R. Martin. Uma Chama entre as Cinzas é agressivo. É intenso. É essencialmente bonito. Bonito porque tem alma própria, tem corpo e espírito. Sabaa Tahir criou um organismo independente, sem precisar utilizar referências como muleta. Bonito também, e principalmente, pela força que a narrativa da autora nos inspira.
Nenhuma mudança acontece facilmente, disso os protagonistas entendem. Não é simples lutar contra tudo que se tornou cristalizado em toda uma vida. Mas a evolução é necessária. Sabaa Tahir abre feridas e as cauteriza, mostrando o tempo todo que não podemos ficar parados aceitando passivamente o que nos dão. É preciso distanciar-se, avaliar nossa posição e buscar nossa própria trajetória, doa a quem doer.
Uma Chama Entre as Cinzas é o primeiro romance escrito por Sabaa Tahir, nossa autora homenageada de abril no Leia Mulheres. Seu trabalho é impressionante, intenso e cheio de personalidade. Para o que começou como uma leitura despretensiosa, terminei com uma experiência sensorial, viva e extremamente positiva. Estou louca para ler a continuação!
"A verdadeira liberdade, do corpo e da alma."
Ficha Técnica
Nome: Uma Chama Entre as Cinzas
Autora: Sabaa Tahir
Série: Uma Chama Entre as Cinzas vol. 1
Editora: Verus
Gênero: Young Adult/Fantasia
Tradução: Jorge Ritter
Número de Páginas: 432
Ano de lançamento (no Brasil): 2015
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