Jodi Lynn Anderson retorna à Terra do Nunca e nos encanta com a história de Tiger Lily, em que as dores do amadurecimento e do primeiro amor são traduzidas em tons melancólicos e nostálgicos nessa linda releitura de Peter Pan.
Sinopse:
Antes do coração de Peter Pan pertencer à Wendy, ele pertenceu à menina com penas de corvo nos cabelos...
Tiger Lily não acreditava em histórias de amor ou finais felizes, até encontrar Peter na floresta proibida da Terra do Nunca. Diferente de todos que conhecia, ele era impulsivo, corajoso e fazia seu coração bater mais rápido. Mas como líder dos Garotos Perdidos, os mais temíveis habitantes da ilha, Peter era também uma escolha improvável para Tiger Lily. Ainda assim, ela logo se viu arriscando tudo - sua família e seu futuro - para estar com ele.
Com tantas diferenças ameaçando separá-los, o amor dos dois parece condenado. Mas é a chegada de Wendy Darling que leva a menina a descobrir que os inimigos mais perigosos podem viver dentro dos corações mais leais e amorosos.
Da autora best-seller do The New York Times, esse romance mágico e encantador entre uma heroína corajosa e o garoto que não queria crescer vai partir seu coração.
A Voz de Tiger Lily
Qual será essa magia irresistível que Peter Pan tem que mesmo depois de um século de existência sua história continua conquistando leitores de todas as idades? Incontáveis releituras e adaptações para todo tipo de mídia, além das representações do clássico do teatro, a essência da Terra do Nunca nunca se perde, e isso, para começo de conversa, é um ponto louvável. Mas isso também significa que é muito difícil criar algo inovador com a temática de Pan porque tanto já foi explorado! O que se poderia dizer de relevante que ainda não tenha sido contado?
Peter Pan sempre foi um dos meus contos de fadas favoritos e eu o revisitava incansavelmente na minha infância, mas somente quando ganhei certa maturidade consegui perceber a quantidade de nuances presentes no clássico, todo o potencial que pode ser explorado, todos os pontos a serem comentados... J. M. Barrie, seu criador, deixou um legado de fato fenomenal. Aproveitando a profundidade em que a história nos permite mergulhar, Jodi Lynn Anderson decidiu produzir sua própria versão sob um ponto de vista inusitado dentro da história original: a percepção de Tiger Lily sobre os acontecimentos.
“Às vezes penso que talvez sejamos apenas histórias. Como se pudéssemos ser apenas palavras numa página, pois somos apenas o que fizemos e o que vamos fazer.”
Tiger Lily é uma personagem secundária em Peter Pan, muitas vezes inclusive esquecida quando se fala apenas em Peter, Wendy e Sininho. A nativa da Terra do Nunca é uma indiazinha invejosa e ciumenta, representada de forma um tanto quanto estereotipada. Jodi Lynn Anderson dá voz à Tiger Lily, que se torna dona da própria narrativa, um espírito livre, questionador, selvagem. Mas, acima de tudo, uma mocinha de coração inquieto e delicado. A autora fez um trabalho incrível em respeitar fielmente as características de cada um dos nossos tão conhecidos (e queridos) personagens, todos presentes na narrativa, porém com novas interpretações e pontos de vista. O outro lado da moeda.
Na versão de Anderson, Sininho agarra-se à Tiger Lily e nos conta sua história com todas as dores do amadurecimento, cheia de momentos doces e corações partidos, de descobertas e mudanças difíceis de compreender e aceitar. O ponto de vista da fadinha é crucial para a história funcionar, por toda a sensibilidade que a pequena tem e pela forma como ela parece conhecer perfeitamente as emoções de todos a seu redor. Apesar da narração em primeira pessoa, Sininho é praticamente onisciente e onipresente, sempre escondidinha em cada cena, captando os mínimos movimentos e batidas de coração. Não apenas a narração de Sininho funciona como ela também encanta a trama. Tudo é mais belo pelos olhos de uma fada.
Meiguices à parte, Tiger Lily é uma personagem forte, agressiva, teimosa. A autora utiliza esse gancho para falar, de forma bastante sensível, sobre o papel social da mulher, suas obrigações perante à sociedade (representada pela aldeia da protagonista), questões como comportamento, casamento e habilidades esperadas de uma moça. Tiger Lily vai contra tudo e contra todos, desafia convenções e preceitos da aldeia... e sofre as consequências por suas transgressões. O bullying e as amarras sociais ameaçam podar a qualquer custo o instinto selvagem que habita na garota. É por esse ímpeto de viver que a jovem se aproxima de Peter e seus garotos perdidos, que transbordam impulsos e liberdades.
“Eu não entendia porque ela parecia tão triste e tão feliz ao mesmo tempo. Amar alguém não era o que ela esperava. Era como cair de um lugar bem alto e se partir ao meio, e só uma pessoa ter o segredo para o quebra-cabeças de remontá-la.”
A autora lança um olhar crítico sobre múltiplos pontos que podem ser problemáticos no conto de fadas clássico, como o abandono, o excesso de liberdade, os desafios do amadurecimento, o medo de mudanças e do diferente. E, ainda, acrescenta à história mais camadas e interpretações, discutindo identidade de gênero, preconceitos e o ódio irracional da intolerância, tudo de forma bastante delicada e muito pertinente. Tiger Lily, apesar de toda sua beleza narrativa, não deve ser encarado de forma leviana, como um simples romance bonito. Há muito que se ler nas sutis palavras da autora, significados que provocam reflexões e ecoam nostalgias talvez há muito escondidas no coração do leitor.
A premissa de Jodi Lynn Anderson é de partir o coração logo de começo, especialmente para os fãs de Peter Pan que já conhecem a história, mas ainda assim não conseguimos deixar de nos apaixonar e sofrer junto com Sininho e Tiger Lily, de amar e invejar Peter e de nos encantar – novamente - pela Terra do Nunca. Uma história tão sensível deixa marcas irreparáveis em seus leitores, cicatrizes agridoces e melancólicas, rastros de uma das mais belas versões já escritas desse conto de fadas tão querido.
Ficha técnica:
Título: Tiger Lily
Autora: Jodi Lynn Anderson
Tradução: Cláudia Mello Belhassof
Editora: Morro Branco
Páginas: 320
Ano de lançamento (no Brasil): 2018
Livro cedido em parceria com a Editora Morro Branco.
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