Later Powers é um cientista com os dias contados. Após uma experiência que não deu certo, ele reflete sobre a evolução dos seres vivos enquanto recebe uma estranha mensagem cifrada vinda de uma galáxia distante.
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Estamos diante de um monstro na publicação de histórias curtas. Lógico que logo que J.G. Ballard vêm à mente surgem obras mais famosas como High Rise e Crash ou até mesmo Drowned Worlds. Mas, ele tem uma quantidade assombrosa de contos publicados em diferentes revistas. Todos com essa pegada mais dura da ficção científica que o coloca no mesmo gênero de histórias de Kim Stanley Robinson, ou seja, de pensadores acerca da ecologia, do destino de nosso planeta e dos seres vivos que a habitam.
E é nessa vibe que ele nos coloca em um tempo incerto, provavelmente em um futuro próximo onde um cientista chamado Later Powers (interessante a escolha do nome) está com sua vida chegando ao fim. Não é explicado exatamente que doença é ou como ele pegou, mas ele deixa algumas pistas de que talvez teria sido por conta de seu tratamento experimental que deu errado (ou deu certo?). Junto com o seu companheiro de trabalho Whitney eles desenvolveram um método de estimular a evolução dos seres vivos bombardeando as chamadas células silenciosas com radiação. Estas células seriam ativadas apenas quando a Terra estivesse próxima de eventos catastróficos. Dessa forma, os seres vivos sofreriam uma espécie de evolução forçada e acelerada. Mas, um outro companheiro de trabalho chamado Kaldren lhe dá uma estranha mensagem vinda de outra galáxia. E esse mistério vai perdurar por boa parte do conto.
Logo nas primeiras páginas já percebemos o ritmo de melancolia e fatalismo no personagem. Até o narrador passa essa aura de morte iminente. A escrita é belíssima em sua escuridão. Alguns trechos são de um apuro poético incrível. A narrativa é em terceira pessoa bem próxima do narrador e acompanhando os últimos meses da vida de Powers. Se no começo vemos um cientista percebendo que o fim está em um futuro e ele procura adiantar suas pesquisas e deixá-la como legado, mais para o final do conto já vemos um protagonista mais melancólico, observando as estrelas e ponderando sobre o seu papel no mundo.
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Kaldren é um personagem que eu não consegui captar. Me pareceu no começo apenas um cara obcecado em seguir Powers, mas mais para a frente ele começa a realizar determinadas ações que me confundiram. Acho que o Ballard não soube aproveitar melhor o personagem. Muitas de suas posturas são bastante dúbias na história. Fiquei até com a impressão de que ocorreria algum tipo de triângulo amoroso entre Coma (a esposa de Kaldren), Kaldren e Powers, mas tal não se realizou. Por essa razão eu fiquei entre o perseguidor misterioso e o amante. Já Coma aparece pouco na história, mas o leitor acaba sentindo um pouco de pena da personagem colocada no meio daquela estranha relação entre Powers e Kaldren. Ela chega até a comentar isso em uma cena, que Powers é o seu maior rival.
Muitos são os temas presentes na história. Ballard conseguiu impor tamanha profundidade na história que se começarmos a tirar a casca da história, vamos encontrar inúmeras outras camadas. O principal tema é o da evolução propriamente dita. Imaginar como chegamos aonde estamos nos dias de hoje é muito complexo. A quantidade de estágios pelos quais passamos é imensa e acho que em alguns casos nem seremos capazes de entender o todo. Isso porque não dispomos de uma maneira de observar os antigos seres vivos em seu lugar e tempo de origem. Tudo o que somos capazes de fazer é observar os seus ecos através dos fósseis. Na história a experiência de Powers serve para nos mostrar como serão as vozes destes seres no futuro. Só que esta evolução forçada acaba levando a uma degeneração acelerada porque ainda não haviam as condições ideais para estes seres permanecerem vivos. Isso pode ser visto até no comportamento errático de Powers e Kaldren.
Faltou um pouquinho mais ou um algo mais para me despertar a atenção. E eu curto bastante histórias de ecofuturismo. Mas, senti que o autor foi para um lado mais emotivo e reflexivo. E quis deixar os elementos mais pesados de ciência no caminho. Na minha opinião ele deveria ter escolhido um dos lados para se focar mais nele. Se a história tivesse um viés mais sentimental e reflexivo, talvez ela fosse mais bem sucedida ao meu ver. Mesmo assim, é uma bela história sobre a evolução dos seres vivos e como determinadas situações servem como combustível para estas alterações em nosso status quo.
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Ficha Técnica:
Nome: The Voices of Time
Autor: J.G. Ballard
Publicado originalmente em 1960
Conto presenta na coletânea The Big Book of Science Fiction
Organizado por Jeff Vandermeer e Ann Vandermeer
Editora: Vintage
Ano de Publicação: 2016
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