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Foto do escritorPaulo Vinicius

Resenha: "The Last Light of the Sun" de Guy Gavriel Kay

Após muitas dificuldades, o rei Aeldred, que sofre de uma estranha doença, consegue estabilizar o seu reino. Mas, os Erlings, com um estilo de vida de saques e pilhagens, assolam o reino dos Anglcyn a todo o momento. Mas, o mundo parece que está seguindo adiante e as pilhagens estão ficando cada vez mais difíceis. No meio de tudo isso, Dai e Alun, príncipes entre os Cyngael, são chamados até Brynnfell onde um desastre está para acontecer.


Sinopse:


Bern Thorkelson, punido pelos pecados de seu pai, negou sua herança e seu lar, cometendo um ato de vingança e desespero que o deixa frente a frente com um passado que ele está tentando deixar para trás.


Nas terras de Anglcyn do Rei Aeldred, o rei astuto, que luta com demônios internos a todo o momento, fortalece suas defesas com alianças e diplomacia - e com espadas e flechas. Enquanto isso, seus imprevisíveis e excepcionais filhos e filhas moldam seus próprios desejos quando uma batalha chega e as trevas caem na floresta dos espíritos...


E nos vales e colinas enevoadas dos Cyngael, cujas vozes carregam música mesmo quando eles lutam e roubam uns dos outros, violência e amor se tornam intimamente conectados quando os navios-dragão chegam e Alun ab Owyn, perseguindo um inimigo à noite, vislumbra estranhas luzes brilhando acima de lagos na floresta...






O mundo muda. Avança. Nada é a mesma coisa para sempre. É um pouco disso que Guy Gavriel Kay traz nessa trama intimista que nos coloca em um contexto de guerras e roubos em um lugar longe de tudo no mundo que ele criou. Segundo reza a lenda, o local onde os Cyngael moram é onde o sol desce e deixa os seus últimos raios de luz. Onde relações familiares e pequenas vinganças levarão a mudanças profundas na maneira como os personagens desta história irão enxergar o mundo. Vingança essa que fará um jovem príncipe ser levado a um mundo estranho de maravilhas e perigos onde o tempo passa em uma outra velocidade e a morte é apenas mais uma etapa de uma longa existência. Afinal, é nas florestas que moram os seres ocultos que são mais velhos do que a própria humanidade e o tempo de vida dos homens é apenas uma gota de orvalho caindo na primavera.


Esse é o terceiro romance que leio do Guy Gavriel Kay e só me impressiona a maneira como ele conduz sua trama, apresenta os personagens e nos envolve em suas histórias. Sua escrita é muito clara e compreensível e o leitor consegue se engajar rapidamente. Mesmo que ele insira alguma coisa mais exótica ou estranha na trama, tudo parece familiar depois de algumas páginas. Apesar de ser situada em um grande mundo que o autor criou e estabelecer sutis conexões com outros livros, The Last Light of the Sun é um livro fechadinho em si mesmo. Você não precisa ter lido nada para entender tudo aqui. Fazendo um parênteses rápido, Guy Gavriel Kay resolveria uma série de problemas que as editoras nacionais tem de querer lançar séries longas e não conseguir terminá-las porque os leitores perdem o interesse depois de alguns volumes. A grossa maioria das histórias escritas por ele são livros fechados, independentes entre si.


"Nas margens de qualquer história existem vidas que se desenrolam apenas em um momento. Ou, colocado de outra forma, existem aqueles que passam rapidamente por uma história e então saem dela, ao longo de seus caminhos. Para estas pessoas, vivendo suas próprias sagas, a história que passa por eles é periférica. Um momento no drama de suas próprias vidas e mortes."

É bem clara aqui a inspiração que o autor teve nas culturas celta, bretã e viking. E o autor faz isso em quase todos os seus livros. Se baseia em alguma cultura ou acontecimento histórico e cria algo fantástico em cima. A fantasia serve para dar liberdade a ele para não se prender à nossa história. Os Cyngael são um povo da floresta, embora vivam em colinas enevoadas, e estão em um processo de conversão à religião Jaddita que está se explorando por toda a parte. Mesmo assim, eles mantém determinados hábitos e superstições que os tornam um povo estranho aos demais. Sua voz carrega a herança dos espíritos da floresta, embora seja um povo que goste da arte dos saques e das pilhagens. Por outro lado, os Anglcyn desejam estabilizar seu reino estabelecendo feiras e cidades organizadas que possam frear os avanços de saqueadores. Estavam em guerra com os Cyngael há algum tempo atrás, mas a sagacidade do rei Aeldred faz nascer uma série de alianças que trazem a paz. Só que existem os Erlings, inspirados nos vikings. Um povo de uma terra dura e fria, que saem todos os anos em suas incursões com o objetivo de pilhar e guerrear. São homens da guerra, que tem em seus navios-dragão uma vida e uma vocação. Em seus machados moram o espírito de seu deus Ingavin, que os espera em seus salões após uma morte no ato de guerra.



Entre os personagens dessa complexa trama, temos Bern Thorkelson, filho de Einar Thorkelson que fez parte da tripulação do grande Siggur Volgnarson, considerado um dos maiores pilhadores entre os Erlings. Depois de muitos anos em incursões, Einar se estabelece na ilha de Rabady, se casa e tem três filhos (duas meninas e Bern). Consegue fazer uma boa reputação, tem terras e o respeito local. Mas, uma briga de bar põe tudo a perder. Einar é expulso e sua família tem seus bens confiscados e a esposa de Einar é tomada por Haldr, o novo chefe local. A vida de Bern se torna um inferno a partir daí. Quando Haldr morre e eles estão preparando o funeral dele, Bern rouba o cavalo com o qual o ex-chefe local seria enterrado e abandona a ilha. A sorte parece brilhar para Bern após uma fuga impossível e chegar na terra de Jormsvik onde ele desafia um capitão da guarda local para um duelo, onde todos esperavam que ele seria derrotado. É então que ele se torna parte da cidade e se une aos mercenários.


"Gostamos de acreditar que sabemos os momentos, os dias e as noites, que iremos nos lembrar pelo resto de nossas vidas, mas isso não é verdade. O futuro é uma forma incerta (no escuro) e homens e mulheres sabem disso. O que é menos compreendido é que isso é verdade também do passado. O que permanece, ou volta sem ser chamado, não é sempre o que esperamos, ou desejamos manter para nós."

O rei Aeldred passou por muitas situações difíceis em sua vida. Quando era mais novo, batalhou com unhas e dentes pelo seu reino ao lado de seus companheiros Osbert e Burgred. Nos pântanos, precisou provar sua resiliência e é quando ele descobre que possui uma terrível doença que o deixa acamado e com febre por vários dias. Mesmo assim, ele consegue construir um lugar idílico onde ele luta contra a forma cruel de vida daqueles que habitam nas regiões adjacentes. Em sua corte, os homens não vem para discutir sobre guerra, mas para debater temas de filosofia, de religião, de astronomia. Em suas noites regadas a vinho, os homens não se regozijam com as mortes ocasionadas na última incursão, mas combinam futuras tradições de obras de idiomas que pareciam perdidos. Claro que Aeldred tem seus próprios problemas como uma esposa que deseja viver longe dele e filhos que são completamente imprevisíveis. Mas, no geral, a vida é boa. Tudo isso vai mudar quando o ódio de um homem muda as regras do jogo.


Entre os personagens principais temos também o jovem Alun ab Owyn, um dos filhos do rei Owyn de Cadyr. Junto de seu irmão Dai eles representam o que há de melhor entre os Cyngael. Alun é um homem da música, que encanta através de seu instrumento musical e sua voz melodiosa. Dai é corajoso. Os dois são ligados por laços fraternais e de companheirismo. Mas, em um desentendimento durante uma visita a Brynnfell causa a morte de Dai. Alun acaba se culpando pela morte do irmão, algo que ele imagina poder ter evitado se tivesse punido por ele. Sabe aquele momento do "e se..." que muda toda uma vida? Em seu desespero, Alun faz algo impensável: adentra a floresta dos espíritos e acaba tendo contato com seres do meio-mundo, um lugar etéreo onde criaturas mais antigas que a humanidade habitam. Lá ele conhece o amor em meio à sua tristeza. Mesmo ele conseguindo voltar, seu ser está repleto de um senso de vingança contra aqueles que mataram o seu irmão. Isso se tornará obsessivo à medida em que o algoz de Dai retorna para atacar as costas de Anglcyn.


É bem curioso que a narrativa do livro não chega a ser empolgante naquele sentido épico. Sendo o terceiro livro do autor que leio percebo que Kay tem um ritmo próprio de contar história. É uma constante que vai seguindo pelos capítulos de forma a tratar dos assuntos que ele escolheu para a obra. Em relação às outras duas obras, achei essa mais fraca por faltar nela aquele ponto climático tão necessário para uma obra que lide com guerras e aventuras. Em Tigana, isso foi a guerra contra a nação inimiga enquanto em Leões de Al-Rassan, foi defender a cidade. Tirando Tigana em que a narrativa era mais épica de fato, os objetivos no outro livro até eram simples, mas a forma como foram postos tornava a história mais emocionante. Víamos os personagens precisando fazer decisões importantes ou sacrificando seus status quo para avançar a narrativa. Aqui, as coisas são mais intimistas como, por exemplo, o encontro entre Bern e seu pai em lados opostos, o perigo vivido por Athelbert (filho primogênito de Aeldred) e a escolha de Alun entre viver entre humanos ou seguir para o meio-mundo. Falta aquela urgência e isso me incomodou um pouco. É engraçado: não tem urgência, mas os personagens vivem em uma corda bamba tênue entre a vida e a morte. Já critiquei essa falta de urgência em outras obras, onde os personagens pareciam que nunca iriam morrer, mas tal não é o caso aqui. A morte espreita a cada quarteirão então o problema não é esse. Outro exemplo disso é que o principal antagonista da trama morre bem antes do clímax. Isso me deixou bem confuso embora o autor tenha contornado. Mas, a sensação de que o grande perigo já passou foi grande. Não se enganem: o grupo de protagonistas poderia ter morrido, mas faltou a maldade intrínseca ao antagonista.


Kay vai falar muito da relação entre pais e filhos. Esse é o grande mote desse livro. Einarson não foi um bom pai para Bern e isso ele só vai se dar conta quando estiver entre os membros de outra cultura. Ele foi um grande saqueador entre os membros da tripulação de Ivarr e voltou desejando formar uma família. Foi lá e fez, mas por conta de um erro foi exilado de Rabady e deixou sua família à deriva. Na visão dele, com Bern chegando na adolescência, ele imaginou ter deixado tudo encaminhado. Somente quando ele se deparou com a relação entre Aeldred e seus filhos é que bateu o arrependimento. Algo cultural até. Como os erlings são um povo guerreiro e duro, não é da natureza deles serem carinhosos com seus filhos. No duro inverno do norte é preciso aprender cedo a entrar em um navio-dragão ou aprender a cuidar da terra. Aqueles que são incapazes são mortos até pelos seus pares. Já Aeldred luta para deixar um reino melhor para seus filhos. Depois de anos de vida combatendo uma doença incapacitante ao mesmo tempo em que estabilizava seu reino após anos de guerra contra erlings e cyngaels, ele vê seu futuro ameaçado pelos sentimentos obscuros de um homem. Apesar de seu primogênito se parecer com ele, seus filhos são imprevisíveis. A filha que ele deseja casar para obter um acordo diplomático interessante, não deseja nada menos do que portar uma espada. Já seu primogênito vê a pressão de uma sociedade que espera que ele seja parecido com o seu pai e ele faz de tudo para provar seu valor. Até fazer coisas impensáveis. Já sua filha mais nova parece ter sido enredada por forças sobrenaturais e pode vir a se tornar alvo da Igreja de Jad no futuro. Todas essas coisas preocupam um rei que tem pouco tempo de vida para deixar tudo certo. Mas, será que ele precisa? Não é melhor descansar e deixar a próxima geração cuidar de seus próprios problemas?


Um terceiro tema importante tem a ver com religião. E é nisso que The Last Light of the Sun se parece muito com livros que arranham o ciclo arturiano. De um lado temos a religião dos cyngael, ligada às forças da natureza, às fadas e outras criaturas da floresta. Algo que vem perdendo espaço graças ao avanço dos clérigos de Jad. Algumas superstições permanecem como não entrar em florestas que se sabem ter a presença de espíritos. De outro temos a religião dos erlings, voltada para o combate e para as conquistas. Se querem agradar Ingavin e Thuvin, um erling deve se empenhar no combate para alcançar glórias e o direito de habitar os salões de Ingavin onde viverá sua próxima vida ao máximo. Por essa razão, os erlings são tão intensos e não são de se render. Mesmo em combates desvantajosos, eles partem com o coração limpo em direção à lâmina do oponente. Quanto mais gloriosa for sua morte, melhor. No meio de tudo isso temos a Igreja de Jad (já abordada em Os Leões de Al-Rassan e que faz parte desse mundo criado por Kay) que tem similaridades com a Igreja católica medieval. Os jadditas estão convertendo todo esse lado do continente e abafaando as religiões nativas. Mas, como uma Igreja em expansão, ela vem encontrando resistências já que as culturas não são todas iguais. Para se tornar preponderante, eles buscam aceitação e imposição, apesar de que o alto clérigo neste livro, o cynagel Ceinion, tem muitas dúvidas quanto ao seu credo. Aquele que deveria ser o bastião religioso local, não acredita piamente no que Jad postula, chegando a recorrer às superstições de seu próprio povo. No entanto, é perceptível que a Igreja vencerá esse confronto pelas almas porque existe um grupo social forte por trás de seus empreendimentos. Pode não ser nesta geração, mas a próxima já pertence a eles.


"Pequenas coisas, acidentes de percurso e congruências: e então tudo que flui em nossas vidas de tais momentos deve o seu curso sendo desdobrado, para o bem ou para o mal, para eles. Caminhamos (ou tropeçamos) ao longo dos caminhos moldados por eventos nos quais permanecemos sempre ignorantes. O caminho que outra pessoa nunca tomou, ou viajou tarde demais, ou logo, significa um encontro, um pedaço de informação, uma noite memorável, ou morte, ou vida."

The Last Light of the Sun é uma bela obra que mostra a habilidade de escrita de um autor em total posse de suas habilidades. Não é um livro ambicioso, se voltando mais para abordar assuntos intimistas do que um grande épico. Mesmo assim, as histórias dos personagens deste livro são inesquecíveis e ele consegue criar uma empatia até com certa facilidade no autor. É uma narrativa bem amarrada e não há pontas soltas para aqueles personagens. O que existe são ganchos na história em geral que podem e serão abordadas em outros materiais. Não se preocupem com as conexões feitas com um mundo maior criado pelo autor. É mais uma curiosidade do que uma necessidade. E é legal para o leitor que se aprofunda mais na mitologia criada por Kay perceber familiaridades e conexões. Uma história que precisa ser lida com cuidado, mas que não vai te dar grandes obstáculos para ser compreendida. Os elementos mágicos presentes são bem-vindos e dão um ar etéreo a tudo o que está acontecendo. Ou seja, mais um livro do Kay que eu curti embora perceba que outros foram melhor sucedidos em determinados aspectos.












Ficha Técnica:


Nome: The Last Light of the Sun

Autor: Guy Gavriel Kay

Editora: Roc Books

Número de Páginas: 500

Ano de Publicação: 2004


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