No Dia Internacional da Mulher, nada como falar de uma história que narra a jornada de superação de um grupo de mulheres que sofrem todo o tipo de preconceitos para se tornarem astronautas. É uma ficção alternativa, mas totalmente baseada em preconceitos reais.
Sinopse:
Em uma noite fria de verão de 1952, um enorme meteorito caiu na Terra e obliterou a maior parte da costa leste dos Estados Unidos, incluindo Washington D.C. O cataclismo climático que se sucedeu irá logo tornar a Terra inabitável para a humanidade, assim como o último meteorito fez com os dinossauros. Esta ameaça que paira no ar obriga um esforço radicalmente acelerado para colonizar o espaço, e faz com que a maior parte da humanidade tome parte no processo.
A experiência de Elma York como uma piloto WASP e como matemática fornece a ela um lugar nos esforços da Coalização Aerospacial Internacional para levar o homem à lua, como uma calculadora. Mas com tantas pilotos mulheres habilidosas e experientes e cientistas envolvidas com o programa, não leva muito tempo até que Elma comece a se questionar porque elas também não podem ir ao espaço.
A necessidade de Elma em se tornar a primeira Dama Astronauta é tão forte que mesmo as convenções mais comuns da sociedade não terão uma chance contra ela.
The Calculating Stars é uma história poderosa sobre uma mulher que não desiste diante de todas as barreiras impostas a ela. Nossas mulheres enfrentam obstáculos tão grandes mesmo em uma sociedade dita aberta e liberal como a dos dias de hoje. A história de Elma é a história da Maria, da Joana, da Beth, da Amanda, da Natália, da Juliana e de tantas outras que tentam seguir seus sonhos. Mesmo que eles envolvam um trabalho na construção civil, a vontade de ser uma jogadora de futebol, a necessidade de ser uma astronauta. Afinal, o que diferencia estas mulheres talentosas dos homens? Somente uma variação cromossômica as torna incapazes?
Seguir a narrativa da Elma é acompanhar uma montanha-russa de emoções. Elma é uma das melhores protagonistas que eu pude acompanhar nos últimos anos. Ela não é a personagem perfeita; longe disso. É introvertida, porém fala demais. Sofre com transtorno de ansiedade, muito por causa do preconceito de gênero que sofreu por toda a sua vida. É obcecada, e comete burradas ao longo do processo. É uma personagem falha, porém é tão humana que chega a doer. Muitas vezes ao longo da história me peguei dando um soquinho no ar por algo que ela conseguiu ou me emocionando com alguma de suas falas poderosas e carregadas de emoção. A obsessão de Elma é algo saudável e é o que a guia por todas as suas conquistas. Mesmo que algumas delas ela não se dê conta até que alguém aponte a ela o que ela foi capaz de fazer.
É terrível ver como o transtorno de ansiedade é causado por um preconceito. Para quem não acredita que subestimar e ridicularizar uma mulher não é capaz de fazê-la adoecer, Elma é o exemplo crasso do que pode acontecer. Por ser uma mulher muito habilidosa com matemática, ela entrou em todos os cursos mais diferenciados onde a disciplina é o requisito número 1. E por ser tão boa no que faz, todos ao seu redor se afastavam dela. Tem uma cena sensacional onde o professor não acredita que ela tenha sido capaz de resolver uma equação complexa. Mesmo ela explicando todo o processo de raciocínio, o professor continua a dizer que ela teria colado ou obtido ajuda. Isso gera nela uma incapacidade de falar em público, causando nela sintomas fisiológicos como vômitos, desmaios, febres e dores terríveis.
"Não. Eu desabei, e foi o pior momento que Nathaniel já tinha visto. Ele sabe que eu tive um colapso na universidade e o motivo, mas não os detalhes. Por favor, não diga a ele. Por favor, por favor, não diga a ele."
Quando temos um casal como protagonista é comum ver questões ligadas à traição e à inclusão de um triângulo amoroso. É tão comum que chega a ser chato. O leitor já sabe que um dos lados vai trair o outro. Tal não é o caso aqui. E eu fico feliz que a Mary Robinette Kowal não tenha pego esse atalho. Ela prefere trabalhar um casal que se apoia e busca forças um no outro. Nathaniel é um marido sensacional que, por ter seu caráter e talvez em parte por fazer parte de uma minoria (ambos são judeus) ele entenda o sofrimento de sua esposa. A jornada que ambos fazem ao longo da narrativa é dura e mesmo quando Elma começa a ganhar mais notoriedade do que ele, Nathaniel continua a ser uma pessoa apoiadora. Um dos momentos mais bonitos do casal é quando Elma precisa contar a ele uma mentira que ela vinha escondendo. A primeira reação dele é perguntar se se tratava de uma outra pessoa. Quando ela diz não, ele suspira aliviado e diz que está chateado com ela, mas não tanto assim.
Kowal ainda tem tempo para falar de outros temas como o preconceito racial na década de 1950. E aí vemos sombras de Estrelas Além do Tempo onde pilotos negros querem ser astronautas. Fica um parênteses rápido aqui porque Kowal comenta no posfácio que ela escreveu The Calculating Stars antes do sucesso que foi Estrelas Além do Tempo e que ela adorou que isto tenha acontecido, pois abriu os olhos das pessoas a todo um grupo de mulheres que estavam ali e ninguém enxergava. Algumas cenas envolvendo Ida e Imogen, duas amigas de Elma que eram pilotos negras do clube 99, são bem pesadas. Mostram claramente como a maioria das pessoas observava o papel dos negros na sociedade. A própria Elma a princípio é parte disso sem saber. Ela subestimava suas colegas por causa de premissas colocadas nela pela sociedade.
Isso são só alguns dos temas presentes no livro. Mary Robinette Kowal já escreveu um clássico para mim. Foi capaz de entregar uma narrativa empoderadora, marcante e emocionante. No Dia Internacional da Mulher, eu não poderia falar de outro livro que não esse. Um livro que fala de luta, de superação de obstáculos, mas, mais do que isso, de uma mulher sonhadora fazendo de tudo para alcançar seus objetivos. E sendo boa demais no que faz. Esse é um dos livros que estão concorrendo ao Nebula e ao Hugo deste ano. E eu tenho certeza que a autora entra forte nessa corrida como uma das favoritas.
Ficha Técnica:
Nome: The Calculating Stars Autora: Mary Robinette Kowal Série: The Lady Astronaut Series vol. 1 Editora: Tor Books Gênero: Ficção Científica Número de Páginas: 432 Ano de Publicação: 2018
Outros Volumes:
The Fated Sky (vol. 2)
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