O planeta Eden, o novo lar da humanidade, se tornou alvo de invasores tecnomecânicos. Ao mesmo tempo os membros dessa nova civilização estão sendo afetados por uma estranha doença que mata indiscriminadamente. A única esperança é um grupo de pilotos partirem para uma missão impossível no espaço.
Sinopse:
Em "Solitude", de Erick Santos Cardoso, acompanhamos Axel, um piloto de nave de combate que viaja pelo espaço para a desesperada e infindável missão de derrotar o império biomecânico que invadiu e condenou o planeta Eden, uma jovem colônia humana. Apesar de suas habilidades de batalha serem testadas o tempo todo, seu maior desafio será sobreviver aos fantasmas do passado quando convivia com os companheiros na vida que deixou para trás. Uma homenagem aos shmups, os famosos jogos de video game de navinha.
Fazia tempo que não lia um romance que se passava puramente no espaço sideral e que usava amplamente o combate entre naves. Erick Santos traz todo o seu amor por velhos jogos de nave como Xevious, Starfox, Twinbee, Zaxxon entre tantos outros em uma aventura que envolve um grupo de pilotos enfrentando perigos mortais no espaço. Gosto também de como ele não esconde suas paixões e inspirações e, já disse isso em outras oportunidades, não há mal algum em se inspirar em um filme, uma série, um game ou o que quer que seja. Desde que essa inspiração leve a algo bem pensado, bem escrito. O que é o caso aqui. Não se trata de uma fanfic nem nada do gênero. Existe debates filosóficos bem interessantes sobre individualidade x coletividade, sobre maturidade no amor, sobre a exploração do espaço pela humanidade e o que isso pode custar. Para os fãs de uma boa space opera, isso aqui é o suco puro disso. Apertem os cintos e se preparem para uma longa viagem às vastidões do cosmos para enfrentar inimigos que parecem não ter fim.
Axel é parte de um esquadrão de pilotos chamados de Raposas Espaciais e eles fazem a defesa de Eden, o novo lar da humanidade. Um lar que possui uma vida quase ideal com autômatos cuidando das tarefas principais, as doenças tendo sido quase todas curadas, os seres humanos podendo sido gerados in vitro entre outras coisas. A consciência pode ser dividida com outros através de um dispositivo chamado Omni. Mas, nem tudo são flores. Axel não concorda com essa forma indolente de vida e gosta de sua individualidade. Sem mencionar uma civilização tecnomecânica que ameaça a existência da humanidade. Seus ataques sem fim estão acabando com as defesas planetárias e quando parecia que a humanidade finalmente tinha se livrado dos invasores, uma Doença remanescente parece querer pôr um fim à empreitada deles. Para reverter a situação, Gládio, capitão das Raposas, pensa em um plano ousado e desesperado para destruir a civilização que parece querer destruir a humanidade a todo custo. A Operação Salamandra é um plano suicida em que não se espera que os pilotos voltem... pelo menos não do jeito que eles partiram.
Estamos diante de um bom roteiro escrito por alguém que realmente gosta das inspirações que o ajudaram a escrever o livro. Ele entende a essência das mensagens presentes aqui. A narrativa é em terceira pessoa, pseudo-onisciente, e que vai nos entregar uma mistura adequada entre narração e diálogos. Achei ambos bem equilibrados, embora em alguns momentos eu evitaria aquelas falas de uma linha e substituiria por descrições gestuais. Mas, isso é pêlo em ovo e tem a ver mais com um senso de estética meu. A história inicialmente é contada em um vai e vem entre passado e futuro de forma a apresentar os personagens e seus relacionamentos. É uma ferramenta usada com inteligência para criar um senso de familiaridade entre o leitor e os personagens do esquadrão Raposa. Mesmo que inicialmente a gente fique confuso porque Erick nos coloca no meio da ação, em poucas páginas conseguimos nos situar melhor e a partir daí o processo de aclimatação está bem encaminhado. Meu único problema aqui foi a falta de marcadores temporais em algumas subseções. Algumas delas possuem uma clareza sobre quando estão se passando enquanto outras não. Mais para a segunda parte da história, as alternâncias entre passado e presente são ainda menos claras. A gente não chega a se perder completamente, mas às vezes o fio da meada fica comprometido.
Mesmo tendo um núcleo pequeno de personagens, Erick nos coloca profundamente na vida deles. Seja no triângulo amoroso entre Abelha, Axel e Meadara; na relação entre os gêmeos Lucio e Luciano (Abelha); na responsabilidade de pai de Gládio. Há um bom aproveitamento das páginas onde não há momento perdido em criar histórias sem necessidade. Todas são de alguma forma importantes para o todo. Os problemas sofridos por eles os tornam únicos e fazem sentido dentro da discussão sobre individualidade e coletividade proposta desde o princípio pelo autor. O roteiro vai perpassar pelas histórias deles e quando chegarmos na reta final da história, todos eles terão tido o seu momento ao sol.
O problema central está em duas abordagens sobre coletividade vistas na obra. No mundo de Eden há um pensamento de que as pessoas precisam estar juntas e que isto contribuiria para o desenvolvimento da civilização humana. Só que isso parece tirar um pouco do ato de pensar por si só. Se tudo deve ser feito em conjunto e a solidão não existe mais, o indivíduo acaba sufocado em uma existência onde não há mais a noção do eu. Em uma perspectiva mais extrema, temos uma civilização de máquinas avançadas que já não possuem mais esse senso de si. Elas funcionam em prol de um circuito central que funciona como uma Mãe-Cérebro. São peças em uma grande engrenagem. Axel não concorda com nenhuma das duas visões. Ele se envolver com Meadara foi uma prova disso. Apesar de toda a situação com Opção, o pequeno cachorrinho que morreu da Doença, aquilo estaria fadado a terminar simplesmente porque o personagem é um espírito livre.
Mais adiante temos um momento em que o autor discute o que nos faz indivíduos. Em um determinado momento da história, surge uma tecnologia capaz de refazer todo um indivíduo a partir de seu registro e "imprimi-lo" novamente. O quanto desse novo ser impresso é o mesmo que havia antes? È só a nossa base corpórea que nos torna únicos ou existe mais alguma coisa? A proposta feita por Erick é interessante e já foi questionada por outros autores. Mas, aqui, ele se debruça sobre isso, para deixar no ar a nossa definição sobre alma. O autor deixa para que o leitor tire suas próprias conclusões já que ele não oferece uma resposta clara sobre isso. Os personagens passam por isso várias vezes ao longo do livro até chegar a um ponto em que eles mesmos não se reconhecem mais. Alguns traços permanecem iguais, mas as sucessivas reimpressões causaram erros e falhas na programação, fazendo com que os corpos em um momento futuro talvez já não sejam mais o que eram antes.
Minha crítica vem do excesso de subtramas existentes que acabam não tendo um final satisfatório. Por exemplo, se discute toda a questão de Eden e como a população vive em uma situação quase que meio hedonista. Uma utopia de nascidos e criados que parece ter estagnado diante das ameaças que se colocaram contra eles. Mas, acabamos não sabendo mais o que aconteceu depois com eles. Tem o personagem Gládio que imagino que teria tido um final bem interessante caso fosse o caso. Imaginamos que ele tenha morrido dado a sua condição de saúde, embora tenha toda a história da impressão corporal. Erick pensou em muitos plots interessantes, mas o espaço do livro é mais curto e cobra objetividade do autor. Caso contrário, caímos na armadilha dos cortes de edição. Em um aspecto geral, gosto bastante do livro e foi um prazer ler uma história com essa temática. Fazia muito tempo que não lia um bom livro com combates no espaço. E, sim, me remeteu diretamente a quando eu jogava Starfox. Erick conseguiu emular bem essa sensação de espaço e perigo. Se vocês estão, como eu, buscando um livro nessa vibe, podem ir sem medo.
Ficha Técnica:
Nome: Solitude
Autor: Erick Santos Cardoso
Faz parte da coleção Dragão Mecânico
Editora: Draco
Número de Páginas: 127
Ano de Publicação: 2023
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