Caixeta é um influenciador digital que, através de suas postagens que não são politicamente corretas, angariou muitos inimigos. Um deles o matou. Mas, quem matou o Caixeta?
Sinopse:
Caixeta era um youtuber famoso e bastante polêmico que morreu em circunstâncias misteriosas. Com uma trama cheia de reviravoltas, essa HQ, além de outros assuntos, discute sobre preconceito, liberdade de expressão, discurso de ódio, machismo e intolerância. Afinal, quem é o culpado?
A internet hoje se tornou um pequeno universo de como anda a nossa sociedade. Em um momento de extrema polarização, parece que as redes sociais oferecem um campo seguro de impunidade para revelarmos nosso lado mais obscuro. Instigar pessoas, perseguir pessoas, vitimizar pessoas. Tudo isso é possível em uma terra sem lei. Mas, às vezes o que fazemos nesse mundo acaba se refletindo na realidade. A narrativa contada por Rainer Peter vai buscar nos ícones negativos da internet uma maneira de pensar e refletir sobre o assunto e quem sabe através do choque de realidade, buscarmos uma solução para isso. Ou pelo menos debatê-la mais abertamente. Quem Matou o Caixeta é uma obra interessante sobre os tempos atuais.
Na narrativa temos uma espécie de documentário ficcional sobre um influenciador chamado Caixeta. Um indivíduo com uma fala polarizadora, uma postura reprovável e opiniões questionáveis, mas que tinha toda uma base de fãs que o idolatravam. Obviamente que ele também tinha uma outra base de pessoas que o detestavam. A internet se tornou a plataforma perfeita para que um Incel como ele se tornasse popular. Uma de suas atividades mais conhecidas era o de pegar frases ofensivas e usar com pessoas reais. Passar uma cantada abusiva em uma mulher, ofender integrantes de grupos LGBT, se colocar em situações surreais apenas para mostrar que podia. Só que ele acabou sendo morto por alguém. O protagonista está assistindo ao documentário ao lado de sua namorada que o colocou para que ele tivesse um choque de realidade para saber o que acontece a pessoas abusivas. Só que essa discussão entre os dois vai levar a uma situação ainda mais bizarra...
Preciso admitir que a arte do quadrinho não me agradou. Acho que se tratou da proposta em si da HQ de usar uma estética que se assemelha a um documentário com uma mistura de vídeo do Youtube. Para mim ficou artificial demais e tirou o foco do que era realmente importante. A proposta de um quadro por página também me soou estranho pelo menos da forma como foi feito. Por outro lado, preciso ressaltar o quanto o Rainer foi inteligente ao fazer várias brincadeiras com personagens famosos dos quadrinhos e das animações. Personagens que davam depoimentos sobre o Caixeta. Como Rainer criou um universo onde a estética das pessoas é estilizada não fica estranho você ver o Goku ou o Mickey sendo entrevistados pelo documentarista.
Sem dúvida alguma o ponto alto da HQ é a temática da intolerância social nos dias de hoje. A maneira como o autor explora esses pontos é um sinal do domínio narrativo. Isso porque ele não alivia nos golpes. Com um humor ácido e uma ironia latente presente nas páginas, ele vai torcendo o limão para nós. É incômodo. Mas, se pararmos para pensar um pouco é a maneira como muitos radicais atuam. A cultura Incel é essa, a da trollagem e do uso de uma impunidade que parece cercá-los que os torna onipotentes em suas pequenas redomas de vidro. Ao mesmo tempo a narrativa mostra o quanto eles são pequenos e insignificantes como pessoas. A necessidade do choque para a curtida ou para o compartilhamento. Eles vivem disso. É assustador pensar que esse tipo de pessoa tenha tanta espaço em nosso meio.
Por outro lado temos uma metanarrativa presente aqui. Isso porque a história do Caixeta é apenas um meio para o autor contar sua verdadeira história, a de um namorado abusivo com sua parceira. Mostrar o destino do Caixeta é uma metáfora para o que acontece ao protagonista. Pior é sua namorada compará-lo com o polêmico personagem, algo que ele nega veementemente. Ao vermos um comportamento tão escancarado como o do Caixeta não conseguimos distinguir se não fazemos o mesmo, e apenas negamos a nós mesmos que não somos dessa forma. O Caixeta pode ser o nosso lado mais sombrio. Tem uma cena final que corrobora com essa percepção que eu tive sobre a narrativa. E é uma cena de arrepiar.
Quem Matou o Caixeta é uma HQ experimental que vale o seu interesse. Pode não ter uma arte que tenha me agradado muito e os personagens são mais estereótipos em si do que personagens como um todo (mas tem a ver com a forma de apresentar o tema), mas falar de um assunto tão cabeludo como esse com a segurança que o Rainer teve é, no mínimo, elogiável. Sim, vai ser uma jornada incômoda para alguns, mas é necessária para deixarmos o tema pronto a ser debatido. Precisamos encarar o problema de frente e encontrarmos soluções para que a sociedade possa ter uma chance de sair desse contexto violento e polarizado atual.
Ficha Técnica:
Nome: Quem Matou o Caixeta
Autor: Rainer Peter
Editora: Avec Editora
Número de Páginas: 97
Ano de Publicação: 2018
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