Durante uma crise de fé, o Reverendo Jesse Custer acaba se tornando o receptáculo para um ser celestial de primeira magnitude. Agora ele tem o Dom da Palavra. E ele sai em busca de Deus para acertar as contas.
Sinopse:
A jornada do reverendo Jesse Custer para acertar as contas com Deus começa aqui. Ao ministrar um sermão após um episódio polêmico em sua comunidade (envolvendo Jesse, um bar e muito uísque), o pastor foi protagonista de um acontecimento religioso de primeira grandeza e teve contato imediato com Gênesis, uma entidade meio anjo, meio demônio, cuja natureza jogou Jesse em uma cruzada moderna. Amalgamado com a criatura, Jesse Custer ganhou uma linha direta com os mistérios da Criação e seus principais personagens. E, dentre todos estes, nenhum é mais importante do que Deus. A missão do reverendo agora é a mais grandiosa (e perigosa) de todas: partir em busca do próprio Criador atrás de respostas! E ele não estará sozinho em seu caminho. Tulipa, uma ex-namorada, e Cassidy, um irlandês envolto em mistérios, entram em cena trazidos por uma coincidência (ou pela Divina Providência) para participarem da jornada. O primeiro passo está dado! A Caminho do Texas traz o início da saga de Preacher, uma das histórias em quadrinhos mais aclamadas dos anos 90. Criada por Garth Ennis e pelo artista Steve Dillon, este novo clássico da nona arte versa sobre vida, morte e redenção, sendo também recheado de sexo, álcool, sangue e violência – além de anjos, demônios, Deus, vampiros e desajustados de toda estirpe. Sem dúvida, uma das obras mais viscerais a ser registrada em celulose! Esta publicação reúne Preacher 1 a 7.
Há muito tempo atrás eu lia uma revista que caiu nas graças da galera que é fã de quadrinhos hoje. Fui leitor da lendária Marvel Max. Por lá conheci histórias épicas como a do Esquadrão Supremo e o arco Vikings do Thor. A revista é lembrada com carinho porque apresentava histórias mais adultas e os artistas podiam ousar um pouco dentro daquele universo meio estagnado dos heróis. Foi lá que eu pude acompanhar aquela que é considerada uma das melhores fases do Garth Ennis na Marvel: o Justiceiro. Neste arco de histórias conhecemos os primeiros dias de Frank Castle, somos apresentados a inimigos carismáticos como o Barracuda. E sempre com aquele humor negro característico do autor. E quase sempre seguido por Steve Dillon, que foi um companheiro de longa data dele (depois teve o Goran Parlov que é um monstro também). Mas, por que eu trouxe o Justiceiro se estou falando de Preacher? Porque basicamente Preacher possui muitas das características que tornarão Ennis conhecido em outras histórias. Muito do humor negro do Justiceiro, está presente, totalmente sem filtro, em Preacher. Se vocês acharam esse arco de histórias divertido e visceral, é aqui que vemos Ennis em sua essência.
Em uma pequena cidadezinha no interior do Texas, o Reverendo Jesse Custer tem uma crise de fé e durante uma noite em um bar, ele começa a criticar aqueles falsos fieis que vão à Igreja apenas por vaidade. Fala todos os pecados e mesquinharias das pessoas presentes no bar e acaba levando uma surra de dois homens que se sentiram ofendidos. No dia seguinte, durante o seu sermão no domingo ele é vítima de uma possessão de uma criatura de poderes monumentais. Essa criatura dá a Jesse o Poder da Palavra: qualquer ordem que Jesse dê, as pessoas precisam obedecer. Durante esse acontecimento, um brilho celestial tomou a Igreja que arde em chamas. Todas as duzentas pessoas que se encontravam na paróquia naquele momento morreram queimadas com exceção de Jesse. Na saída do ocorrido, Jesse encontra Tulipa, um velho amor de seu passado e Cassidy, um homem estranho e repleto de segredos. Juntos, esses três irão sair em uma jornada em busca de si mesmos e do que significa a fé e o divino. Claro, com todo o humor negro, os palavrões e bizarrices que somente Garth Ennis é capaz de entregar. E muitos miolos sendo estourados.
Preciso dizer de cara que o estilo de histórias do Ennis não é algo que me agrada exatamente. Comprava a Marvel Max na época por causa do Esquadrão Supremo que eu curtia e das histórias do Demolidor. O roteiro do Ennis é sempre bastante polêmico e ele não se importa nem um pouco em soltar a mão em diversos assuntos. Em Preacher ele vai brincar com vários temas religiosos como anjos, Deus, fé. Nada escapa dele. Se você tem sensibilidade e não gosta muito que mexam com o assunto, caia fora. Caia fora mesmo. A mim não me incomoda, mas é a condução de histórias que sempre me incomodam. Mas, okay, ele conseguiu me interessar aqui. Isso porque o personagem Jesse Custer é repleto de camadas e representa demais o que pensamos sobre religião na atualidade. Apesar de Preacher ter sido publicado a partir de 1995 e rendeu 66 edições, penso que a obra da Vertigo é super contemporânea. Porque os dilemas de Jesse, as questões policiais abordadas, o se esconder no armário, são todos temas de 2021. A obra envelheceu muito bem, obrigado e continua a ser impressionante. É uma das obras essenciais do selo Vertigo.
Jesse é uma figura bastante enigmática nesse começo de história. Ele se revela como sendo um reverendo que tem problemas com os seus fieis e como a Igreja alcança as pessoas. Em suas missas, percebe a leviandade daqueles que frequentam. O quanto a palavra de Deus é apenas escutada, mas não aplicada. E o contato com esse ser superior desperta ainda mais dúvidas em Jesse principalmente por que ele passa a conhecer alguns segredos da Criação. Ainda não dá para conhecer tanto sobre ele porque Jesse é um cara calmo e sossegado ao longo de todo esse volume, apesar de ser bastante boca suja e cantar a Tulipa a cada dez páginas. A sua visão sobre a fé tem a ver com a prática por si. Na sua cabeça, mesmo com um ser tão poderoso quanto Deus, ele tem a necessidade de encontrá-lo. Compreender por que Deus deixou a humanidade para trás, se cansou dela. E isso deixa a humanidade em um estado de total fragilidade, já que os homens não sabem a quem recorrer nos seus momentos de desespero. Jesse chega a mencionar a palavra responsabilidade.
Vou falar um pouquinho sobre Tulipa, a companheira de Jesse. Uma mulher que mesmo entrando em conflito com Jesse, a gente percebe de cara que é louca por ele. Ela quer entender por que Jesse a abandonou cinco anos atrás. Alguma racionalidade por trás de um ato que, para ela, era tão irracional já que ambos estavam apaixonados. Pior: Jesse a trocou para se tornar o reverendo de uma paróquia. Ou seja, é uma mudança radical em relação ao homem pelo qual ela se envolveu e se apaixonou. Agora, vemos que ela se envolveu com alguma pessoa que a transformou em uma espécie de assassina. A primeira cena em que ela aparece é ela portando uma pistola e atirando em uma pessoa dentro de um carro. E errando o alvo. E falhando miseravelmente. E precisando correr a qualquer custo quando ela se depara com Cassidy que a coloca em sua picape. Com o avançar deste primeiro volume, o leitor vai se dando conta que Tulipa está tentando entender os seus sentimentos por Jesse. Será que vale a pena se colocar na mira da faca com toda a confusão que Jesse acaba arrastando? E pior, existem coisas que ela precisa resolver caso contrário não será deixada em paz.
Um dos melhores exemplos sobre como Ennis encaminha a sua narrativa é o xerife Root. Toda a trajetória dele neste primeiro volume é bizarra e cercada de eventos morbidamente engraçados. Root é um homem extremamente preconceituoso e a teoria dele de que o incêndio da Igreja havia sido cometida por negros alienígenas do espaço sideral é engraçado, mas mostra ao mesmo tempo como é a mentalidade do americano sulista de raiz. Ennis é perfeito na criação deste tipo de personagem mais extremo e bizarro. A violência faz parte do modus operandi dele. Pior: ele tem problemas domésticos com um filho que acabou se auto-infligiu um ferimento seguindo o seu ídolo de música. Só que diferente de seu ídolo, o menino acabou sobrevivendo em condições horríveis. Root tem vergonha de seu filho e não lhe dirige a palavra desde o acidente. Então podemos ver o tipo de mentalidade que esse homem tem. Root acaba colocando os pés pelas mãos e fazendo inúmeras ações impensadas que o colocam frente a frente com situações impossíveis. O destino do personagem depois do primeiro arco conta muito do que é o humor negro de Ennis.
Outro momento que vale a pena trazermos é o quanto ele brinca com personagens que gostam de se esconder no armário. Isso porque ele nos coloca diante de um personagem absolutamente perfeito, virtuoso e meio violento dentro da polícia. Mas, é aquele cara de confiança na hora de resolver os crimes. Mesmo burlando de certa forma o código de conduta policial, ele é violento com quem comete crimes. Quase um Batman só que dentro da lei. Mas, como todo personagem de Ennis, ele esconde um segredo. E é algo tão típico dessa geração macho alfa imatura que chega a ser engraçado. O homem perfeito nada mais era do que uma pessoa com problemas de auto-afirmação. Alguém que xinga, cospe e assovia quando na verdade não sabe quem ele é de verdade em seu íntimo. A violência serve como uma cortina de fumaça contra possíveis críticas vindas de seus pares. E ele faz de tudo para poder esconder esse seu lado B. Quando a cena acontece é tão chocante que a gente cai na gargalhada de tão inesperado.
Preacher é o fruto de um autor boca suja, mente poluída, mas extremamente divertido. Consegue tirar a gente do lugar comum e debaixo de todos os impropérios, existe uma profunda reflexão religiosa sobre uma crítica ao fiel leviano e a como não somos mais capazes de compreender a verdadeira mensagem religiosa. A transformamos em uma desculpa para cometermos pecados e depois obter o perdão celeste. Para depois pecar de novo. Tudo isso com um protagonista profundo e que precisamos compreender ainda mais nos próximos volumes e inimigos igualmente bizarros como O Santo e o Cara de Traseiro (para não usar outra expressão... ou serei alertado). Vale a pena? Vale se você não se importar com os impropérios, as brincadeiras religiosas e a violência desenfreada.
O Quadrinho em 1 Quadro:
A arte de Steve Dillon é simples e complexa ao mesmo tempo. Simples porque ela não tem firulas, segue direto ao ponto. Por isso Ennis e Dillon formam uma dupla tão boa. Enquanto o roteirista é um homem que apresenta uma narrativa crua e seca, Dillon é objetivo. As cenas funcionam bem ao roteiro e ele não precisa ser tão detalhista. Basta ele se basear em lugares comuns como bares do interior, uma cidade pequena, um longo campo de pradaria. Acho até que o Dillon se enrola quando trabalha cenários mais complexos como os trechos que se passam em grandes monumentos em Nova York. Prefiro o Dillon em cenários fechados. Outra qualidade do autor é como ele usa as sarjetas. Primeiro que elas não são aquelas retilíneas, são desenhadas a mão o que dá um ar único às cenas. Segundo que alguns quadros se sobrepõem a outros. O efeito disso na história é fornecer um dinamismo às falas e acontecimentos. Parece que tudo está acontecendo ao mesmo tempo, o que é uma representação quase real de tudo. Em um diálogo, a gente não tem uma ordem regular; as pessoas falam desordenadamente. É isso o que Dillon procura replicar na HQ.
Gosto muito também do design de personagens que ele emprega. Não temos modelos iguais, apesar de alguns rostos se repetirem em algumas ocasiões. Mas, são mais de personagens de fundo do que os centrais. Mas, Dillon não cria personagens anatomicamente perfeitos. Prefere brincar com o bizarro. E é novamente um exemplo do por que artista e autor formam uma dupla tão boa. Por exemplo, Si que é um personagem importante mais à frente na narrativa é um personagem gordinho, baixinho e que usa um chapéu. E ele consegue ser tão ambíguo e misterioso quanto outros personagens de Preacher. Esse controle no design de personagens o auxilia no momento em que coloca as cenas mais violentas, com tripas espalhadas, pedaços do corpo estourados. Podem crer: vocês vão ver muita gente sem um pedaço da cara ou com os miolos da cabeça pendurados. E ele consegue fazer isso em pleno domínio de sua pena. É um espetáculo do bizarro e do violento, e é lindo.
Ficha Técnica:
Nome: Preacher vol. 1 - A Caminho do Texas
Autor: Garth Ennis
Artista: Steve Dillon
Colorista: Matt Hollingsworth
Editora: Panini
Tradutor: Edu Tanaka/FD
Número de Páginas: 200
Ano de Publicação: 2016 (nova edição)
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