Esta incrível coletânea organizada por Karen Alvares apresenta várias histórias escritas por autores nacionais. Todos eles abraçam este tema de maneiras bastante inusitadas. Aqui falamos de parte delas e na quinta temos a segunda parte!!
Sinopse:
Você já sonhou em navegar pelos sete mares, enfrentando sereias e saqueando tesouros? Ou, quem sabe, você prefira uma dose de rum e um voo em um dirigível? Ou então viajar por mares antigos e misteriosos, vingando seu amor perdido, enfrentando abutres sanguinários, vendendo relíquias não tão preciosas assim?
Ahoy, leitor, então seja bem-vindo a bordo de Piratas, um navio onde dez grandes autores se reúnem para contar as histórias mais incríveis de todos os mares sobre... piratas, é claro! Içar velas, marujos! Vamos partir rumo à aventura!
Contos presentes nesta primeira parte da resenha:
1 - "O Tesouro de Nossa Senhora dos Condenados" (Cláudia Dugim)
2 - "Os Piratas de Melkaert" (Ana Lúcia Merege)
3 - "Vingadora" (Paola Siviero)
4 - "Barracuda Negra e a Máquina Misteriosa" (J.M. Beraldo)
5 - "#BonnyRead" (Fabiana Madruga)
Seguem as resenhas:
1 - "O Tesouro de Nossa Senhora dos Condenados"
Autora: Cláudia Dugim Avaliação:
Gênero: Romance Histórico/Fantasia
Uma enorme dificuldade que eu vejo em histórias que se passam em um ambiente de piratas é representar toda a ambientação da marujaria e seus hábitos e costumes. A ida na taverna, as bravatas. as trocas de provocações. Cláudia Duguim me ofereceu isso aos montes neste pequeno conto. Aqui não temos uma narrativa em seu estrito senso, mas alguém contando uma história sobre uma famosa mulher e seus feitos espetaculares. O mais curioso é a maneira como a escrita é feita: parece ter alguém nos contando a história, mas se trata de uma narrativa em terceira pessoa em discurso direto. O narrador conta uma história sobre alguém que está contando uma outra história em uma taverna. É a história de uma contação de uma história. De fritar o cérebro, não? Podemos dizer que tempos dois narradores não-confiáveis. Aquele que nos apresenta a narrativa e aquele que está contando a história dentro da narrativa. Isso demonstra a habilidade da autora em lidar com duas camadas de narração.
Gostei também da maneira como a autora calca a história em uma base histórica. Vemos referências à colonização portuguesa e espanhola, como as colônias eram administradas. Além de todo o clima da pirataria da Idade Moderna. A própria taverna onde se passa a história serve como um bom local onde se passa a narrativa: todos são rufiões, ladrões e trapaceiros. E é muito legal como a autora conseguiu passar esse clima para as linhas do seu conto. A narração é tão não-confiável que até os personagens na história tentam corrigir uns aos outros. Mas, o leitor fica com a nítida impressão que mesmo a correção não quer dizer toda a verdade. Até porque dentro daquele ambiente a verdade é mutável; o objetivo da história não é relatar algo nos mínimos detalhes, mas divertir a plateia. Isso me remete à tradição dos griots, os contadores de histórias típicos de sociedades africanas mais antigas. A história era apresentada em sua essência, mas o miolo dela não precisava ser exato; precisava ser capaz de manter a atenção do público àquilo que era contado.
E acho que no fundo esse era o objetivo da autora: manter a atenção do leitor ao que ela estava apresentando no conto. Ficamos curiosos sim para saber o que vai acontecer com aquela mulher. Aliás, seria o nome dela uma homenagem a Jane Eyre e Jane Austen (Eyre Austin)? Outro ponto positivo da história esse de nos mostrar uma personagem feminina forte. Enfim, recomendo bastante a história, ela tem seus altos e baixos, mas no fim é divertida e te deixa preso até o final quando a autora dá uma reviravolta interessante. Digamos assim: nada se resolve, mas todos voltam a beber.
2 - "Os Pilares de Melkaert"
Autora: Ana Lúcia Merege Avaliação:
Gênero: Romance Histórico/Fantasia
O que pode ser mais interessante do que apresentar piratas singrando os sete mares na Idade Moderna? Ora, piratas na Antiguidade. A ideia de apresentar uma história de swashbuckling na Antiguidade não é nova, mas é a maneira como a autora apresenta a narrativa e os personagens é que me chamou a atenção. Assim como o conto acima, Ana Lúcia calca a sua história em elementos históricos de forma a dar mais "veracidade" à história. Mas, ela insere um elemento mágico para quebrar um pouco o "realismo" do que está sendo contado. Aqui temos uma boa e velha história de perseguição que vai tomando rumos até cômicos (quando eles invadem a cidade disfarçados) na metade da história.
O que impele a viagem de Balthazar é seu desejo de vingança com Alexandre, o Grande e sua rivalidade com outro pirata conhecido como O Tirreno. No fundo a história é sobre vingança e arrependimentos. Arrependimentos no sentido de corrigir aqueles "se eu tivesse feito isso" ou "se eu tivesse feito aquilo" certas coisas poderiam ser diferentes. Quando o sacerdote de Thoth fala ao pirata o que o item que ele deseja é capaz de fazer eu logo imaginei o que viria a seguir. Piratas não são famosos por manterem suas palavras. A traição viria em algum momento. Mas, eu gostei da maneira como a autora conduz o leitor a imaginar certezas que não existem. No final, a autora surpreende o leitor com um plot twist na atitude do pirata e posteriormente no que acontece a partir do desenrolar dos momentos finais. As últimas duas páginas são de fazer você exclamar "que diabos?". Muito boa narrativa apesar de em alguns momentos eu ter me dispersado da narrativa.
No geral, recomendo os dois contos resenhados aqui. São curtos, porém apresentam suas narrativas e mensagens da maneira como as autoras imaginaram.
3 - "Vingadora"
Autora: Paola Siviero Avaliação:
Gênero: Fantasia
Neste conto, Paola Siqueira nos mostra um homem que se tornou pirata em busca de uma vingança cometida contra ele por um membro de sua família.
O conto é bem direto tratando de um ataque à ilha principal de um reino que se encontrava em guerra com outro país. Os piratas da corveta Vingadora encontram o lugar desguarnecido, tornando aquilo que seria impossível (invadir a capital do império) em algo simples. Essa é a proposta inicial da história. A partir daí somos guiados em uma narrativa em primeira pessoa por um capitão que orquestrou este ataque porque tinha uma rixa a ser resolvida. O problema desse conto está justamente no protagonista: não consegui sentir empatia pela situação dele. Não vou saber responder à autora o motivo para isso, só que toda a proposta para a narrativa da história me pareceu genérica demais. Não sei, pode ser novamente a minha implicância com narrativas em primeira pessoa falando mais alto do que eu. Faltou aquele impacto, aquela emoção. Mesmo quando o personagem se encontra em perigo, aquilo não me fez em me importar mais.
E todo o tema de pirataria me pareceu um pouco perdido na história. Okay, ele é um capitão de um navio de piratas e que depois acontece uma situação com a sua tripulação. Mas, ele poderia ser qualquer outra coisa: um desertor, um prisioneiro, um soldado, um capitão, um traficante. Ser pirata ou não, acabou não fazendo a menor diferença para o resultado que a autora queria alcançar com a história. Enfim, é uma história mediana e que não vai custar ao leitor mais do que uma ou duas sentadas. Vale a pena experimentar para saber se a história vai funcionar para você. Para mim, não resultou.
4 - "Barracuda Negra e a Máquina Misteriosa"
Autor: J.M. Beraldo Avaliação:
Gênero: Fantasia
Está aí uma história de piratas legal. Quando eu imagino pirataria, imagino ousadia, destemor. E é isso o que o autor proporciona aqui com uma personagem completamente maluca em uma aventura que acaba se revelando extremamente divertida. Falta isso em algumas histórias atuais; esse clima leve e divertido.
Somos apresentadas à capitã Karyan, a líder de um navio pirata chamado Barracuda Negra e cuja tripulação deseja riquezas e aventuras. Karyan é uma mulher sedenta por aventuras e apenas o seu imediato Uba consegue manter a casa em ordem. Muitas vezes a nossa capitã sai sem dar satisfações sobre o que vai fazer a seguir. Em um de seus saques, eles encontram uma estranha máquina com engrenagens e sistemas complexos dos quais ninguém compreende nada. Mas, Karyan se dá conta de que aquela máquina pode ser uma arma e lhe dar uma vantagem decisiva para saquear uma ou duas cidades importantes. Só tem um problema: quem é que vai dizer a ela para que a máquina serve e como funciona? É aí que Karyan terá que buscar um dos sobreviventes para lhe informar como funciona este estranho artefato.
Primeiro eu preciso aplaudir o autor por inserir uma história completamente descompromissada dentro de seu universo maior. Sim, senhores leitores, as aventuras da capitã Karyan acontecem no mundo de Império de Diamante, próximo a Isaamar. Eu consigo enxergar já uma construção de mundo em andamento, já que o próximo livro da série, Último Reino se passará em algumas das localizações citadas no conto. Coerência total!! E um nível de planejamento muito bom!
Apesar de ser um conto curto, gostei da personalidade da capitã Karyan. Ela é interessante, tem uma personalidade forte e decidida. Não é uma mulher forte e superpoderosa, mas uma pirata que quer obter o lucro a qualquer preço. Sua tripulação é dispensável se estiver no caminho de seus objetivos. Karyan não é de planejar suas ações, preferindo entrar de cabeça nas coisas. Gostei da forma como o autor criou um personagem que eu quero ver mais dela e o fato de ela ser uma mulher também. E o melhor disso: ela não é um personagem estereotipado. Acredito que se o autor for pegar a personagem para alguma outra história, ele irá delinear melhor os atributos dela.
Outros elementos do mundo de Império de Diamante são apresentados como as províncias tecnológicas. Lugares onde máquinas como as do conto são comuns. E os peixes... eu demorei a entender que Karyan estava de fato negociando com os peixes. Só aí eu percebi que eles eram sencientes e que queriam sacrifícios para não atacar o navio. Quando eu li isso, lembro de ter dado uma sonora gargalhada. Esse é um conto que te faz isso de tão leve que é a história. Ao mesmo tempo te apresenta novos elementos a serem melhor detalhados no futuro.
Peço humildemente ao João Beraldo para contar mais aventuras da capitã Karyan. Que personagem!! O conto é uma aventura leve com muita ação e swashbuckling. O mundo de Império de Diamante é mais trabalhado apesar de serem apenas leves menções e somos apresentados a novos lugares como Valmedor. Vale muito a pena ler este divertido conto.
5 - "#BonnyRead"
Autora: Fabiana Madruga Avaliação:
Gênero: Romance
Uma das coisas que mais me agradam em contos é quando o autor pega uma proposta e surpreende de alguma maneira. Ou faz alguma experimentação nas suas técnicas de escrita. O conto de Fabiana Madruga cai no primeiro caso. De certa forma, ela escreve sobre piratas, mas piratas contemporâneos em busca do ouro de outras pessoas. Mas, ao invés de roubá-los através da força física, eles utilizam a inteligência e a esperteza para cometer seus crimes.
Nada como apresentar uma história sobre pirataria nos dias de hoje. Temos duas jovens aventureiras que fazem a venda de bolsas de grife falsificadas. Isso até que surge um terceiro elemento na equação que faz a amizade inseparável das duas amigas balançar. É a partir daí que a história ganha ímpeto. Gostei demais da reinterpretação apesar de eu achar a escrita com alguns problemas de encadeamento. Achei a leitura um pouco lenta em alguns trechos, mas nada que comprometa a história como um todo.
O conto aprofunda muito o estudo de personagens. A autora foi muito feliz em construir personagens reais, com qualidades e defeitos inerentes a eles. O que vemos nesta história é que não temos pessoas boas ou más, apenas interesses entre cada um deles. Cecília quer obter dinheiro e conforto e Laura é uma manipuladora nata. Achei muito interessante a maneira como a autora vai colocando diversos complicadores à história ao mesmo tempo em que mostra diversas camadas das personagens. Para aqueles que gostam de um bom estudo de personagens fica aqui a dica.
Ficha Técnica:
Nome: Piratas
Organizado por Karen Álvares
Editora: AutoPublicado
Gênero: Fantasia/Ficção Científica
Número de Páginas; 180
Ano de Publicação: 2017
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