Em uma narrativa repleta de sutilezas, Jiro Taniguchi nos guia pela vida de um homem comum cujo amor pelas coisas simples da vida é enorme. Nos juntamos a ele em diversas caminhadas que nos revelam situações simples, porém surpreendentes.
Sinopse:
Com desenhos de Taniguchi “O homem que passeia” é formado por oito passeios de um mesmo homem por sua cidade japonesa. O quinto passeio, “Os pepinos amargos no meio da noite”, é bem emblemático da maneira taniguchiana de pensar a (ou passear pela) vida. Começa com uma visita à casa de um amigo, que termina às 3 da madrugada. Nosso querido passeador resolve voltar para casa a pé, caminhada que levará uma hora e quinze minutos. Há algum suspense no ar: pepinos amargos e a travessia de ruas desertas. Mas nada de ruim acontece. Apenas reflexões ambulantes sobre a cidade que dorme e o amigo que acaba de se separar da mulher. Tudo menos dramático que o som do mergulho de uma rã ou o movimento sutil do pousar de uma borboleta em haiku mais que perfeito e tranquilo. Essas qualidades de Taniguchi, mais sua sensibilidade diante daquilo que existe de poesia na banalidade do cotidiano (tanto na natureza quanto na cidade), já produziram uma legião de admiradores para sua obra, como o cineasta belga Sam Garbarski, que levou para as telas – em 2010 – um de seus mangás, Bairro Distante.
Em alguns momentos de nossas vidas somos presenteados com palavras ou imagens marcantes para nós. Quando folheei as páginas de O Homem que Passeia enquanto era encantado pelo traço do mestre Jiro Taniguchi, entendi naquele momento que estava diante de algo especial. Algo marcante. Ao mesmo tempo compreendi o quanto essa obra é voltada para poucos. E isso me entristeceu um pouco. Mas, senti que precisava compartilhar as minhas impressões para que a magia dessa obra não se perdesse no esquecimento.
Este é um mangá que trabalha demais com a narrativa visual. Taniguchi emprega pouquíssimos balões de diálogo deixando que a imagem fale por si só. Em alguns capítulos ele trabalha com um voice over, mas somente em alguns. Por ser a fusão de uma narrativa textual com uma visual, é uma obra que vai exigir mais do leitor. O mangá é composto por uma série de sketches que mostram momentos da vida de um protagonista sem nome durante suas caminhadas. Alguns capítulos estão interligados ou possuem elementos de roteiro que vão aparecer em momentos posteriores como a concha que Yuki (o cachorrinho do casal) encontra no quintal.
Os desenhos são deslumbrantes. Mesmo o traço de personagens de Taniguchi sendo simples, ao mesmo tempo ele revela muita personalidade entre eles. Todos os aspectos fisiológicos dos personagens são explorados: o olhar, a forma como o personagem se movimento, os gestos com as mãos, a postura. O protagonista possui uma postura relaxada e contemplativa e isso pode ser visto na forma como ele está sempre olhando para o céu ou buscando detalhes no cenário. Os quadros são absurdamente detalhados. O cuidado de Taniguchi com o fundo é incrível: podemos ver detalhes nas casinhas japonesas, o mercado por onde o personagem passa, a beira do rio. Uma das coisas muito legais que eu reparei foi a diferenciação entre espécies diferentes de aves, que é até tema de um capítulo do mangá. As árvores também são detalhadas com um cuidado especial para as folhas.
As experiências visuais que ele trabalha ao longo dos capítulos são também impressionantes. Dois em particular me chamaram a atenção: o momento em que o personagem está olhando da janela do ônibus e vê o cenário passando rapidamente (e ali tem um efeito rabiscado das coisas passando) e quando ele tem o óculos quebrado e enxerga as coisas embaçadas (sem o óculos) ou em mosaico (com o óculos quebrado). O trabalho com o branco do cenário para ajudar a compor as cenas também é espetacular. Saber trabalhar com o branco é uma técnica bem avançada de desenho e ajuda a encorpar certos detalhes que o autor deseja explorar. Outro destaque vai para os matizes de cinza presentes nas nuvens e no céu que dão uma sensação de profundidade, de horizonte distante.
A temática do mangá é a caminhada. O personagem procura explorar as coisas simples da vida através de suas caminhadas. Seja andar por uma viela em que ele nunca havia ido antes ou retirar um pequeno avião de brinquedo de uma árvore para devolver a algumas crianças brincando. Tudo é motivo para que o personagem dedique alguns momentos de sua vida para aproveitar as pequenas coisas da vida. Para isso o olhar apurado do protagonista é essencial para o funcionamento da trama e ele é muito expressivo. Infelizmente esse é o tipo de narrativa que não vai agradar a muita gente justamente por ser algo mais contemplativo do que com ação. Não há heróis ou vilões aqui, não há um problema a ser resolvido. Quem busca algo nesse tipo, vai se decepcionar. É uma obra profundamente filosófica.
A apreciação das coisas simples da vida é algo muito explorado em O Homem que Passeia. Muitas vezes não damos valor a elas e deixamos de apreciar coisas tão belas quanto um pôr-do-sol, uma revoada de pássaros em uma tarde de primavera, o desabrochar de flores ou um pequeno cãozinho que precisa de um pouco de carinho. O que o autor coloca é a filosofia do prestar a atenção. Descer um ponto antes do ônibus apenas para caminhar um pouco e curtir a paisagem. Se deixar levar pelos cheiros e pelos sons da cidade ou apenas refletir acerca das suas experiências passadas. É deixar de lado a velocidade vertiginosa da vida para se focar nas coisas simples como cuidar do jardim, fazer algum artesanato ou apenas ter algum passatempo que o faça relaxar. O Homem que Passeia é o contraponto total à modernidade e seu foco no isolamento. Aqui estamos diante da contemplação da natureza, de sua importância para nossas vidas como engrandecedora e como nossa mantenedora.
Enfim, fui tocado pela poesia (não tem como não chamar isso de poesia) de Jiro Taniguchi e fiquei apaixonado pela maneira como ele nos conduz por estes cenários. Me dá vontade de eu sair na rua e fazer o mesmo. O autor me conquistou com seus cenários lindamente desenhados e com a sua poesia marcante e que nos faz refletir sobre o que podemos fazer para ter essa mesma capacidade. Pensar que o autor retirou suas ideias enquanto caminhava também, nos faz querer dar vários passos atrás diante dos nossos dias vindouros.
Ficha Técnica:
Nome: O Homem que Passeia Autor: Jiro Taniguchi Editora: Devir Gênero: Ficção Poética Tradutor: Arnaldo Oka Número de Páginas: 244 Ano de Publicação: 2017
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