Quando retornavam de um passeio, Eric Draven e Shelly foram atacados por um grupo de bandidos. Um casal apaixonado e prestes a se casar passa por horrores terríveis. Eric volta dos mortos para se vingar dos seus agressores em uma HQ violenta e repleta da dor da perda de alguém amado.
Sinopse:
E se a morte não fosse o fim para quem deseja vingança? A partir de uma tragédia pessoal, James O’Barr criou a história de Eric Draven, que retorna para perseguir seus assassinos depois que estes interromperam uma vida de sonhos ao lado de sua amada Shelly. Sucesso desde quando começou a ser publicada de forma seriada e independente, em 1981, a jornada espiritual e a incapacidade de vencer o luto, aliadas à arte em preto e branco, as citações musicais de ícones do pós-punk e o lirismo do autor, carregam a graphic novel com uma sombria melancolia, que cativou e tocou o coração dos leitores.
A vida imita a arte. Quantas vezes já não ouvimos essa frase. Talvez um dos trabalhos que melhor aliam essa máxima a algo tão incomum na história dos quadrinhos é O Corvo. Escrita no final da década de 1980 e início da de 1990, ela projetou um artista improvável ao estrelato. A inspiração para a sua história foi algo muito particular: a morte de sua esposa em um acidente de carro. O'Barr coloca toda a sua raiva nas páginas e gera uma história que se tornou icônica com o passar dos anos. E que ganhou uma repercussão ainda maior quando uma nova tragédia acontece quando o quadrinho é transposto para o cinema: a morte de Brandon Lee. Preparem-se para uma viagem traumática à mente raivosa de O'Barr e vamos tentar entender que mensagem ele queria passar.
Diante de nós está uma edição maravilhosa feita pela DarkSide. Praticamente um sinônimo de uma edição definitiva da história. Feito em capa dura com uma bela ilustração do rosto do Corvo na parte de trás da HQ. A edição é repleta de vários extras como um prefácio do autor para uma edição de aniversário da história, ouro escrito por A.A. Atanasio que conta como foi a recepção da morte de Brandon Lee pelo autor e ao final temos uma bela galeria de capas e um posfácio falando sobre o mito do corvo ao longo da história. O papel é um papel branco de alta gramatura que dá a impressão de que o quadrinho tem o dobro do tamanho que possui. Além disso, essa alta gramatura ajuda demais no destaque à arte do autor toda feita em nanquim, aquarela e a lápis. Dá um belo destaque ao jogo de preto e branco que ele faz na história.
"Shelly, eu te amo tanto que meu coração dói quando você não está por perto."
Se formos levar em consideração a arte, ela não é o grande destaque da história. Ela é bem inconstante porque depende demais do estado de espírito do autor quando da composição dos quadros. Ora ela tem um traço muito carregado quando o Corvo está combatendo bandidos, ora ela é delicada em linhas mais claras mostrando os momentos de flashback dele com a Shelly. Sinceramente eu prefiro esses quadros mais oníricos que é quando ele realmente ressalta a sua capacidade de desenhar curvas e destacar perspectivas. Algumas dessas cenas são lindas em sua pureza. Outras são meio estranhas como quando ele persegue o Fun Boy. A icônica cena da casa de penhores é uma das melhores no sentido de ação, mas é uma das poucas mais coerentes nesse sentido. Algumas outras são muito confusas, o que é um reflexo de como o autor se sentia no momento de compô-las.
Há uma clara inspiração do O'Barr na arte do Will Eisner. A gente percebe que ele tenta seguir a filosofia do desenhista ao pensar nos quadros como um todo, ao inserir elementos de diálogo ou da história ao lado das imagens. Nem sempre ele vai se preocupar com o balonamento, às vezes preferindo inserir o texto mesmo dentro do quadro. Ele não se arroga de tecer belas telas usando alguma letra de música como legenda para isso.
"Quando chegam as desgraças, não vêm como simples espiões, mas em batalhões. Tenho aliados no céu, Jack, e no inferno uns camaradas. Dê um oi a eles por mim..."
A mescla de música ao lado do enredo da história dá um ar bem gótico ao quadrinho. O'Barr emprega algumas bandas bem nessa pegada como Joy Division e The Cure. Tá na cara mesmo que a narrativa segue esse tom melancólico e parece que a gente consegue ouvir a música enquanto lê determinados trechos. Aliás, recomendo aos leitores criarem uma lista no Spotify com as músicas que o autor usa como inspiração para os capítulos. Garanto que a experiência vai ser muito diferente. Como curiosidade, lá nos agradecimentos ele cita todas as músicas que o inspiraram. E esse tom lírico está presente no início dos capítulos, na composição das cenas e até na forma como o personagem fala. A poesia macabra que o Corvo transmite àqueles que ele persegue é de uma beleza mórbida e angelical simultaneamente. Tenho certeza que vocês ficarão maravilhados com citações de poetas como Rimbaud e Baudelaire feitas pelo autor. Dão o clima ideal para a leitura.
A narrativa é marcada pela dor e pela agonia do personagem diante da perda de sua amada. Vemos na forma como ele deseja agredir o mundo essa dor. Seus olhos transmitem tristeza profunda e ele sabe que a missão dele neste plano é o de vingar sua amada. Que seu tempo neste mundo tem apenas alguns momentos. Draven segue um lento calvário em que ele persegue seus agressores um a um e busca formas lentas de matá-los, que é a maneira de ele se redimir de seus pecador (pelo menos ele acha isso). Outra coisa que somos capazes de perceber é que essa é uma dor que não passa, por mais que ele faça seus agressores sofrerem. Ele vai se dando conta de que isso não vai trazer a Shelly de volta. De que aqueles momentos lindos que ele viveu ao lado de sua amada nunca se repetirão. Talvez isso seja o que mais vai colocá-lo nesse espírito eternamente triste.
"Às vezes sonho estar com sono, às vezes sinto que estou vivo. Às portas da glória, ele encontra a morte, que põe a mão sobre a dela e a ele sussurra: 'É hora... é hora de ir para casa.' 'Já vou', ele diz."
Entretanto, o personagem consegue demonstrar atos de profunda bondade. Em um momento inicial ele conversa com um policial que está entrando em uma das cenas em que ele havia acabado de matar um vendedor de uma casa de penhores. Draven aconselha o policial a valorizar mais a sua amada. É uma cena pequena, mas que demonstra o quanto o personagem sente falta de Shelly. Para ele, aproveitar mesmo os momentos mais bobos e frugais representa tudo na vida de pessoas que se amam. Uma abordagem semelhante vai ser feita com a pequena Sherri, cuja mãe é uma viciada. O protagonista tenta ajudá-la ao perceber que a menina precisa de carinho e cuidados.
A dor está imbricada na história. O fato de o personagem ser basicamente invulnerável tem muito a ver com o fato de Draven não ser mais capaz de sentir dor após o ato brutal contra sua noiva. E vamos ver o personagem se ferindo de todas as formas possíveis na trama: um tiro na cabeça, uma facada no coração, agulhas de morfina no coração. É como se ele e a dor fossem amigos íntimos e quando a dor realmente passasse, ele finalmente poderia morrer. Achei bacana a sacada final de O'Barr que para que Draven pudesse finalmente descansar ele precisava perguntar a si mesmo o que viria a seguir. Essa é uma abordagem muito reflexiva e certamente é responsável por tantas vidas salvas a partir dessa HQ.
Ficha Técnica:
Nome: O Corvo
Autor: James O'Barr
Editora: Darkside Books (no Brasil)
Gênero: Fantasia/Terror/Sobrenatural
Tradução: Érico Assis
Número de Páginas: 272
Ano de Publicação: 2018 (no Brasil)
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