Em um futuro distópico, os jovens Citra e Rowan precisam aprender o ofício de Ceifadores, mas esse será apenas o primeiro desafio que encontrarão.
Sinopse:
Primeiro mandamento: matarás. A humanidade venceu todas as barreiras: fome, doenças, guerras, miséria... Até mesmo a morte. Agora os ceifadores são os únicos que podem pôr fim a uma vida, impedindo que o crescimento populacional vá além do limite e a Terra deixe de comportar a população por toda a eternidade. Citra e Rowan são adolescentes escolhidos como aprendizes de ceifador - papel que nenhum dos dois quer desempenhar. Para receberem o anel e o manto da Ceifa, os adolescentes precisam dominar a arte da coleta, ou seja, precisam aprender a matar. Porém, se falharem em sua missão ou se a cumplicidade no treinamento se tornar algo mais, podem colocar a própria vida em risco.
O Ceifador
Como seria um mundo sem guerras, sem fome ou desigualdades, sem preocupações além do dia após dia de uma vida cheia de garantias e confortos? Como seria não morrer? Será que ainda poderíamos nos considerar humanos?
“Antes, o fim da vida humana ficava nas mãos da natureza. Mas nós a roubamos. Agora temos o monopólio da morte. Somos seu único fornecedor”.
Neal Shusterman se consagrou entre os leitores brasileiros com o lançamento de O Ceifador, no ano passado, e se você acha que se trata de mais uma distopia Young Adult se aproveitando do sucesso do gênero (que parece ter se alastrado no mercado editorial nos últimos anos) sinto dizer que seu pensamento não poderia estar mais equivocado. A série já começa de forma grandiosa, segura e explora temas relevantes com muita categoria. Esqueça os clichês adolescentes – Shusterman sabe exatamente aonde ele quer chegar.
O que eu mais gosto em Young Adults é quando o autor conhece o seu público e o trata com respeito e maturidade. O Ceifador é escrito em linguagem fácil, extremamente direta e sem poupar os detalhes de um worldbuilding fantástico. Aliás, esse é o ponto crucial para amarrar toda a história. Shusterman dedica várias e várias páginas de explanação sobre esse futuro utópico onde a humanidade vive o seu apogeu e nada mais a aflige. E todas as informações são transmitidas de forma intuitiva, sem que precisemos nos preocupar em entender muita coisa. Tudo é automático e faz todo o sentido.
Dividido em capítulos curtinhos entremeados por excertos dos diários dos Ceifadores, a leitura simplesmente voa. E é tão boa que dá vontade de segurar o ritmo para aproveitar cada pedacinho. As anotações entre os capítulos foram as partes mais interessante para mim. Esse mundo onde a morte é uma exceção tão rara quanto ganhar na loteria e é delegada a um seleto grupo de humanos comprometidos com a causa (será?), a Ceifa, é extremamente interessante. Claro que a utopia é, como o nome bem diz, uma realidade inalcançável, e rapidamente se transforma em um pesadelo quando analisada de perto. E é aí que Shusterman brinca com os desejos mais antigos da humanidade e a consequência de uma vida enfadonha e sem desafios, uma existência sem propósito que acomete os humanos semideuses com vidas sem data de validade.
“A Nimbo-Cúmulo nos proporcionou um mundo perfeito. A utopia com que nossos ancestrais sonhavam é a nossa realidade.”
A tecnologia também é parte fundamental da narrativa, personificada na nossa já conhecida Nuvem, detentora de todo o conhecimento disponível no mundo, cem por cento conectada, mas com um diferencial: a consciência. A Nimbo-Cúmulo é uma evolução radical dessa ferramenta que a nós utilizamos atualmente apenas como armazenamento, uma inovação capaz de decidir o rumo do planeta de forma infalível e plena.
Shusterman apresenta o futuro de forma simples e grave, mas bem dosada com uma ironia bem vinda. É impossível não refletir sobre o que a história e perceber as críticas ferinas à própria humanidade, ao modo como nos relacionamos com nossos iguais, à leviandade com que tratamos nossas vidas, nossas razões de ser, e também à negligência cruel que dispensamos ao planeta. Mas tudo é posto com humor e leveza.
Ainda que o autor se concentre muito na construção de mundo e nas reflexões sobre a Ceifa, os personagens não deixam a desejar. A história gira em torno de Citra e Rowan, mas temos ainda os ceifadores mais old school, que fazem as vezes de mentores, e outros de vanguarda. É muito fácil se identificar com pelo menos um deles, porém é impossível prever o que vai acontecer na próxima página. Apegue-se a qualquer um por sua própria conta e risco. Eu, particularmente, fui surpreendida umas duas ou três vezes pelo caráter deles, e olha que dificilmente me engano.
Aliás, esse é um ponto constante na narrativa de Shusterman: a surpresa. O autor mexe todas as suas peças o tempo todo, criando plot twists e assustando o leitor várias vezes durante a trama. O Ceifador é um livro destemido e implacável nas consequências, assim como muitos de seus personagens o são. Ainda que seja possível delinear o desfecho, os caminhos escolhidos pelo autor são imprevisíveis e inteligentes. O livro termina com grande margem para o segundo volume, A Nuvem, que foi lançado pela Seguinte no primeiro semestre de 2018. O Ceifador eleva o nível dos Young Adults e propõe uma discussão inteligente e impiedosa sobre a natureza humana. Sem dúvidas uma história imperdível para qualquer leitor.
Ficha técnica:
Título: O Ceifador
Autor: Neal Shusterman
Série: Scythe vol. 1
Tradução: Guilherme Miranda
Editora: Seguinte
Páginas: 448
Ano de publicação (no Brasil): 2017
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