Akaki Akakievitch é um funcionário comum sem muito destaque em seu lugar de trabalho. Seu capote esfarrapado é motivo de chacota entre seus colegas. Mas, quando ele decide finalmente comprar um novo, sua vida ganha um efêmero brilho.
Sinopse:
Escrito por Nikolai Gógol e publicado pela primeira vez em 1842, o conto narra a história de Akaki Akakiévich, que trabalha em um ministério público russo e leva uma vida humilde e cheia de restrições. Com a chegada do rigoroso inverno, Akaki precisa dar um jeito em sua vestimenta surrada, que causa má impressão, mas recebe do alfaiate a triste notícia de que qualquer remendo estragaria ainda mais o seu capote. A busca por esta nova vestimenta cria um clima de obsessão em Akaki.
A literatura russa clássica tem um quê de crítica social. É impossível descolar narrativa e realidade de época. Aliás, deixa eu situar o leitor. A Rússia da metade do século XIX passava por um lento processo de transformação. A conformação social da época lembrava a da Idade Média europeia com a prevalência das relações senhoriais. Mas, no ambiente urbano, desenvolvia-se uma burocracia que se entranha nas malhas do poder czarista. O serviço público russo se mesclava às relações de status típicas da nobreza. Isso produzia um contexto estranho em que a burocracia passa a aparelhar a estrutura estatal ao mesmo tempo em que valoriza o título em si. E é essa uma das críticas que Gogol faz em O Capote.
Akaki Akakiévitch é um funcionário inexpressivo em uma repartição pública. Tem uma vida medíocre, não é casado, possui um salário baixo que mal dá para suas necessidades básicas. Ele é motivo de piadas entre seus colegas por causa de suas roupas esfarrapadas representadas pelo seu capote remendado. Um dia ao levar o capote ao alfaiate Petrovitch para mais um conserto, este se recusa a fazê-lo dizendo que a roupa está num estado ruim demais. Ele praticamente obriga Akaki a adquirir um capote novo. Após alguns meses de privações, o personagem adquire a vestimenta. Esta é tão bonita que seu status na repartição muda completamente, chamando a atenção de seus colegas.
Gogol usa o próprio capote como um personagem. Ele adquire vida e regula as ações do personagem. A propósito, este é um conto de terror que só vai aparecer lá pelo final, mas é possível enquadrar a narrativa em uma ficção especulativa. Akaki é retratado pelo personagem como um personagem cabisbaixo e até muquirana, mas isto é devido a seu baixo salário. O capote remendado representa o seu nível de vida. Quando ele coloca um capote novo, parece que ele conseguiu ascender socialmente, a ponto de ele ser notado pelos seus pares. Podemos entender o simples símbolo do capote como a demonstração da desigualdade social entre uma classe média burguesa e o campesinato que ocupa baixos cargos. Isso é simbolizado também pela caminhada de Akaki até a casa de seu chefe. Ele sai de seu bairro onde moram poucas pessoas e tudo é escuro para um bairro brilhante onde as pessoas usam roupas elegantes e estão pelas ruas.
Eu preciso falar do homem importante. Ele representa tudo aquilo que a sociedade capitalista representa de ruim. E o mais curioso: esse conto foi escrito em 1842 e até hoje esse hábito da "carteirada" ainda é comum. O quanto pessoas em determinadas posições adotam máscaras e comportamentos diferentes apenas para se sentirem superiores aos demais. Percebam que existe todo um ritual para poder falar com ele. Akaki está desesperado para tentar falar com um policial e acaba esbarrando em uma imensa burocracia que emperra as suas necessidades. Esse detalhe é baseado totalmente na experiência russa do período. Outros autores como Dostoievski já denunciavam a burocracia burra em histórias como Crime e Castigo e Irmãos Karamázov. O quanto os camponeses não conseguiam resolver seus problemas se não tivessem os contatos certos. Ou o quanto era necessário subornar funcionários públicos para obter favores e conseguir fugir da imensa malha burocrática.
A escrita de Gogol é lenta e pode parecer um pouco pesada a princípio. Eu recomendo aos leitores irem com calma e prestarem atenção aos detalhes. O autor é bem sutil em seus comentários irônicos/ácidos. É importante para a narrativa ele apresentar os personagens e suas motivações, porque isso se torna necessário para alcançar o objetivo final de suas críticas. Ou seja, pode parecer que é uma barriga na história, mas não é. Ele precisava falar da vida do Petrovitch para comentar sobre o funcionamento da vida de um artesão dentro do ambiente urbano de São Petersburgo. Da mesma forma que ele precisava parar e falar sobre o "homem importante". Achei que o final foi um pouco enrolado, mas ele precisava dar um modicum de justiça para Akaki.
Ficha Técnica:
Nome: O Capote
Autor: Nikolai Gógol
Editora: Wish
Tradutor: Fábio M. Barreto
Número de Páginas: 132
Publicado originalmente em 1842
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