O início dessa épica saga criada por uma das mentes mais criativas dos últimos anos. A morte do rei Gavilar por um assassino revela a ascensão dos parshendianos, um subgrupo do povo parshemano que pareciam ser pacíficos, mas que desejam a morte dos alethianos. Uma guerra nas Planícies Quebradas que dura mais de seis anos e não parece ter fim... até que estranhos acontecimentos se sucedem um após o outro.
Sinopse:
Do autor best-seller n.º 1 do “New York Times” Brandon Sanderson, “O caminho dos reis”, o livro mais aguardado de todos os tempos, chega ao Brasil iniciando uma incrível saga épica. Roshar é um mundo de pedras e tempestades. Essas estranhas tormentas, de incrível poder, varrem o terreno rochoso com tanta frequência que terminaram moldando não apenas a ecologia, mas também a civilização. Animais que se escondem em conchas, árvores de galhos rígidos e uma vegetação que se retrai e se revela. As cidades só podem ser construídas onde a topografia oferece abrigo. Já se passaram séculos desde a queda das dez ordens conhecidas como os Cavaleiros Radiantes, mas suas Armaduras e Espadas Fractais permanecem: objetos místicos que transformam seres comuns em guerreiros praticamente invencíveis. Homens dão seus reinos em troca das Espadas Fractais. Guerras são travadas por elas, e são elas que garantem a vitória. Uma dessas guerras ocorre em uma paisagem inóspita conhecida como Planícies Quebradas. Lá, Kaladin, que abandonou seus estudos de medicina em troca de uma lança para proteger seu irmão mais novo, foi reduzido à escravidão. Agora, em meio a um conflito que parece não fazer sentido, no qual dez exércitos lutam isoladamente contra um único inimigo, Kaladin busca manter seus homens enquanto sonda os outros líderes. O Luminobre Dalinar Kholin comanda um dos exércitos. Assim como seu irmão, o falecido rei, ele é fascinado por um texto antigo chamado “O caminho dos reis”. As visões dos tempos antigos e dos Cavaleiros Radiantes o fazem duvidar até da própria sanidade. Do outro lado do oceano, a jovem Shallan, ainda inexperiente, procura realizar seu treinamento com a Luminosa Jasnah Kholin, a sobrinha herege de Dalinar. Embora aprecie o aprendizado, a motivação de Shallan não é tão nobre assim. Enquanto planeja um roubo um tanto ousado, a pesquisa que faz para Jasnah sugere segredos dos Cavaleiros Radiantes ― e a verdadeira causa da guerra. Após mais de dez anos de planejamento e construção deste universo único, “O caminho dos reis” é o fantástico capítulo de abertura de Os Relatos da Guerra das Tempestades, uma obra-prima de grande magnitude que continua a ser elaborada. Volte a dizer os antigos juramentos: Vida antes da morte. Força antes da fraqueza. Jornada antes do destino. E devolva aos homens os Fractais que outrora portaram. Os Cavaleiros Radiantes devem se erguer novamente.
Finalmente iremos falar a respeito desse colosso que é O Caminho dos Reis, primeiro volume da série Os Relatos da Guerra das Tempestades, publicado no Brasil pela Editora Trama. Colosso em dois sentidos: no editorial e no criativo. Editorial porque cada volume ultrapassa seguramente as mil páginas. Criativamente porque Sanderson planejou uma série com dez volumes (sendo que ele já escreveu até o quarto na data de escrita desta resenha) divididas em dois arcos de cinco volumes. É uma obra grande que exige investimento da parte da editora responsável pela publicação fora do território americano. Não é uma série que conta com uma adaptação, dependendo muito do boca a boca para se manter relevante. O autor é um indivíduo muito habilidoso no marketing pessoal e sua fama se deve bastante à sua alta produtividade e ao contato próximo com os seus fãs. Mas, meu medo é que a série caia nos vícios de outras cuja publicação foi interrompida no Brasil, como assim o foi O Livro Malazano dos Mortos de Steve Erikson, ou O Ciclo das Trevas de Peter V. Brett ou tantas outras séries que, devido às baixas vendas, foram abandonadas por suas editoras (posso encaixar Mistborn no meio, embora a Primeira Era tenha sido publicada completa, mas nunca mais republicada). Nenhum dos livros de Os Relatos da Guerra das Tempestades serão baratos, ainda mais pelo tamanho deles, pela tradução e pela tiragem que vai ser cada vez menor a cada novo volume (isso é totalmente normal em séries longas). Então, você, leitor, será o responsável direto pelo sucesso ou fracasso da série. Quer que ela seja publicada na íntegra? Compre, dê de presente, indique, convença outras pessoas a comprar. E o principal: não adianta reclamar dos preços. Apoie a editora e convença a editora a publicar uma tiragem maior para reduzir o valor final. É o único jeito.
E sobre o que é a história? Estamos no mundo de Roshar, onde cavaleiros podem portar espadas poderosas chamadas Espadas Fractais que pertenceram aos antigos Cavaleiros Radiantes, indivíduos que possuíam poderes quase divinos. Esses artefatos são em pouca quantidade e sua posse vale a riqueza de um reino. A história de Roshar começa a mudar quando o rei Gavilar, de Alethkar, é assassinado por um cavaleiro Fractal chamado Szeth. Apesar de o cavaleiro nunca ter sido encontrado com vida, tendo recebido o apelido de Assassino de Branco, um povo chamado de parshendiano assumiu a autoria do ataque. Os parshendianos são relacionados aos parshemanos, um povo que aparentemente é dócil e subserviente. Um Pacto de Vingança é feito e os alethianos se dirigem às Planícies Quebradas para derrotar os parshendianos a qualquer custo. Isso foi há seis anos atrás. Uma guerra de cerco que dura mais do que o tempo imaginado por aquele que a idealizou, o cavaleiro Dalinar conhecido como o Espinho Negro, e portador da Sacramentadora, uma das fractais. Só que nos últimos meses, Dalinar vem sendo afetado por visões que dizem a ele que esta guerra é um erro e que ele deveria ajudar a unir os grão-príncipes de Alethkar, donos dos pequenos reinos que formam o império. Durante um dos combates, Kaladin, um chefe de pelotão a serviço do Luminobre Amaram, é um homem honrado e que faz o possível para manter seus homens vivos. Só que ele é traído e acaba se tornando um escravo e passa por várias mãos até chegar nas Planícies Quebradas como um carregador de pontes, a pior tarefa que um ser humano pode realizar. A vida de um carregador de pontes é tão valiosa quanto a de uma formiga diante das flechas dos parshendianos. Longe do conflito, a Luminobre Shallan precisa encarar a sua nova realidade: seu pai faleceu e deixou uma enorme quantidade de dívidas que precisam ser pagas antes que sua família pague o preço de seus erros. Para conseguir isso, ela concebe um audacioso plano de se tornar a discípula da poderosa Jasnah Kholin, irmã do rei de Alethkar, e roubar o seu Transmutador, um objeto capaz de transformar qualquer coisa em outra que ela assim desejar. Os caminhos destes três personagens são traçados em uma trama que vai mexer com a própria origem e mitologia de Roshar. Uma força oculta parece estar por trás de todos esses acontecimentos aparentemente díspares.
"Todos vocês agem diferente e pensam diferente. Nada mais é assim... Os animais agem sempre da mesma forma, e os esprenos são, de certo modo, praticamente o mesmo indivíduo. Existe harmonia nisso. Mas em vocês, não; parece que nem dois humanos conseguem concordar em alguma coisa. O mundo inteiro faz o que deve fazer, com exceção dos humanos. Talvez seja por isso que vocês se matem com tanta frequência."
Antes de passar para a resenha em si, vamos falar um pouco do projeto editorial. A tradução ficou a cargo de duas pessoas, Pedro Ribeiro e Paulo Afonso. Acho uma ótima decisão porque traduzir uma obra dessas exige um esforço colossal. A tradução está muito boa e consegue manter a essência da escrita do Sanderson, que é rápida e bastante didática. A Trama optou por publicar os livros em capa cartonada o que acho okay. Não sei o quanto uma capa dura impactaria diretamente no valor final porque tudo depende da tiragem pedida pela editora. Quem imagina que capa dura encarece deve saber que essa é uma resposta bastante subjetiva. Às vezes a diferença é tão insignificante que uma capa dura pode até ajudar na divulgação do produto. Mas, como a editora optou por capa cartonada não creio que a tiragem tenha sido mais do que 3000 ou 4000 unidades. O livro contém uma série de ilustrações interessantes espalhados que revelam mapas, ou desenhos de criaturas ou outras explicações sobre o mundo de Roshar. A editora usou um conjunto diferente de imagens do que na obra original; são ilustrações em PB do que vem em uma edição mais recente desse primeiro volume. O quanto isso altera a compreensão? Não altera. É mais curiosidade mesmo. Poderia ter sido legal adicionar as ilustrações antigas em uma galeria de extras ao final. O papel usado foi o Pólen 70g, o que é graças aos céus... a edição americana usa aquele papel que costumamos chamar de papel de Bíblia, super fino e transparente. Mas, me incomodou um pouco o livro ter tido uma encadernação apenas colada. Isso prejudica o manuseio, ainda mais em um livro tão grande. Em um tamanho como esse o ideal é que seja colado e costurado, para facilitar a abertura. Ou seja, um ponto positivo (o papel) e outro negativo (a encadernação). Elas por elas. Minha crítica pesada vai na revisão. Ela está bem ruim ou não foi feita. Se fossem poucos os erros, acho que ninguém nem comentaria nada, dado o tamanho do livro. Mas não é o caso. São muitos erros de concordância, erros de typos, erros de tradução mesmo. Há de se ter um cuidado com materiais extensos como este livro, até para proteger os tradutores. A etapa da revisão é fundamental para aparar as arestas deixadas. Nenhum tradutor é infalível. Agora deixar passar às vezes dois ou três erros por página, é um sinal de que uma etapa do processo editorial foi pulada ou ignorada. É grave isso. Vou passar um pano dessa vez e não incluir isso na análise, dada a qualidade do que Sanderson escreveu aqui, mas em um segundo volume, isso vai interferir sim na avaliação final. Porque é um desrespeito ao autor da obra e aos tradutores que se esforçaram no projeto. A culpa é, sim, da editora Trama que precisa ter um cuidado principalmente em um livro tão esperado pelos fãs.
"A ignorância pode residir em um homem se escondendo da inteligência, mas a erudição pode parecer ignorância se escondendo por trás da inteligência."
Esse não é o meu primeiro livro do Sanderson... é o quinto que já li dele. Então estou meio acostumado com a forma como ele aborda as coisas. Se o leitor tiver a oportunidade e a possibilidade, sugiro ler os livros do Sanderson na ordem sugerida pelo próprio autor (Elantris - Mistborn Primeira Era - Emperor's Soul - O Caminho dos Reis). Não só vocês irão entender a adoração por este universo que ele criou, que é a Cosmere, onde as histórias se passam em mundos diferentes embora, de certa forma, conectados, como poderão acompanhar a própria evolução da escrita do autor. Tenho uma relação especial com Elantris que foi um livro do qual gostei muito e foi um dos primeiros escritos por ele, mas admito que demorei a entender o que os fãs viam em Mistborn. Continuo achando que o primeiro volume de Mistborn é bem mediano, o segundo melhora em algumas coisas e o terceiro já é mais maduro. Emperor's Soul é um livro mágico. Não tenho outro adjetivo para falar dele. Então se formos comparar a escrita de O Caminho dos Reis a algum destes projetos passados, posso dizer com tranquilidade que ele está mais próximo de Emperor's Soul em qualidade. Sanderson é um autor que priorizava mais a narrativa do que os personagens, por essa razão seus personagens pareciam pouco aprofundados. Faltava aquele algo mais neles. Por exemplo: Vin é vista como uma queridinha da série Mistborn, mas e Elend? Ou Sazed? Ou qualquer dos outros personagens como Brisa? Aqui em O Caminho dos Reis, Sanderson ainda continua focado mais na narrativa, mas ele já se aprofunda mais no estudo dos personagens. Em Emperor's Soul, Shai é uma personagem que possui múltiplas camadas e suas motivações são mais complexas do que imaginamos em um primeiro momento. Ela não é uma heroína, exatamente. Aqui, seus personagens ganham em complexidade, com dilemas que cada um deles precisa solucionar antes de se voltarem para questões mais centrais. Por exemplo, Kaladin é aquele modelo paladínico de perfeição; mas chega a ser limitante e incômodo em alguns momentos. Só que essa perfeição vem do trauma de não ter protegido seu irmão. Ou Shallan que percebemos ser uma nobre mimada e não acostumada com o mundo. Ao lado dela, a vemos amadurecer como pessoa.
Estamos diante de uma narrativa em terceira pessoa, onisciente, capaz de saber tudo sobre todos a qualquer instante. Embora seja um escritor com inclinações mais contemporâneas, sua escrita é bastante clássica e nos remete a autores como Terry Brooks ou Robert Jordan. Aliás, muitos dos tiques do Sanderson a gente pode relacionar à A Roda do Tempo. O estilo mais amplo de descrição, a escolha de quais núcleos vão receber um foco (uma aprendiz de sábio, um guerreiro desorientado, um homem em busca de seu caminho), e até a maneira como os conflitos de reinos são apresentados. É uma escrita que parece focar mais na narrativa, mas tem um grande dedo de descrição no meio. Nesse aspecto, Sanderson dá um passo além do que Jordan faz em A Roda do Tempo. Ao apenas abordar os aspectos de construção de mundo pontualmente, Sanderson oferece um pouco mais de velocidade à leitura. Mas, não se enganem: é uma leitura carregada. Ele vai descrever com precisão o que você está vendo no mercado portuário de Kharbranth, vai falar sobre as diferentes vestes usadas por cada um dos grão-príncipes e o que está ou não na moda. Vai tecer comentários extensos sobre os papaguampas e sua maneira de enxergar o mundo. Ou até citar trechos inteiros de livros como os Argumentos ou O Caminho dos Reis. Para quem curte esses detalhes mais finos, eles oferecem uma riqueza maior ao mundo de Roshar; para os demais, pode tirar o leitor da fluidez narrativa. A mim me agradou bastante porque não achei tão pesado assim (mas é aquilo... isso é subjetivo, variando de leitor para leitor).
Uma boa estratégia que Sanderson faz na narrativa é a de soltar pequenas informações bem aos poucos. O leitor consegue se dar conta de que algo maior acontece no fundo juntamente com tudo o que os personagens estão vivendo. A narrativa possui três Pontos de Vista principais: Kaladin, Shallan e Dalinar/Adolin (Dalinar divide os seus capítulos com a visão de seu filho Adolin). Entre as diversas partes que compõem esse livro existem interlúdios contados do ponto de vista de outros personagens como a do Assassino Branco, a de um estranho pescador que está em busca de um homem chamado Hoid e a do irmão mais velho de Shallan. Existe um pano de fundo que envolve os Cavaleiros Radiantes, os Arautos e até mesmo a Hierocracia. Não vou detalhar esses conceitos, mas é bom o leitor prestar atenção nos mínimos detalhes porque algo pode lhe escapar. Inclusive os pequenos textos que precedem o início do capítulo. Sanderson constrói um enorme quebra-cabeças que possui várias peças faltando. Eventualmente ele vai lhe dar uma ou duas.
"Alguns problemas não pareciam ter boas respostas; só muitas respostas erradas. Ela podia escolher a fonte da sua culpa, mas não podia escolher livrar-se daquela culpa inteiramente."
A escrita é bem simples de entender. A gente começa confuso nas páginas iniciais, mas assim que sairmos dos dois prelúdios já vamos estar melhor situados na narrativa. Todos os conceitos são apreendidos com rapidez, desde as vestes, ao sistema de governo, à situação nas Planícies Quebradas ou até mesmo aos petrobulbos, pequenas plantas que compõem a flora de Roshar. Sanderson mescla novas ideias com conceitos já conhecidos como cavalos ou espadas. O que o pessoal gosta é dos sistemas de magia e, sem entrar em muitos spoilers, posso falar de três: a Projeção, a Transmutação e as Armaduras/Espadas Fractais. A Projeção é um pouco mais complicada de compreender no começo, mas Sanderson é bastante didático no capítulo de apresentação. A Projeção tem a ver com a capacidade de seu usuário de mudar o ponto gravitacional ou trocar de lugar com um objeto. Essa é a habilidade que está presente no prelúdio (então, não é spoiler né?). O Assassino Branco vai nos explicando como ele utiliza sua habilidade, como é a relação da Projeção com o ambiente ao redor. Ao final do capítulo o leitor vai ter entendido o básico. A Transmutação é a habilidade de transformar um objeto em outro usando a luminosidade da Luz das Tempestades. Transformar pedra em madeira, terra em alimento, rochas em fumaça. Claro que tudo depende do objeto que é o condutor para a transmutação e das gemas empregadas para alimentar. Jasnah nos apresenta um fabrial (um objeto transmutador) bastante poderoso, mas como podemos ver a partir das falas de Shallan, o que ela dispõe é um fabrial mais modesto. Tem também as espadas e armaduras fractais que possuem habilidades impresionantes. As armaduras conferem poderes físicos extraordinários como saltar à distância, grande força além de serem praticamente indestrutíveis salvo por alguma força realmente grande. As espadas aparecem em vários formatos, mas possuem ainda aspectos bastante misteriosos. Elas pertencem a um dono específico que quando este a solta, ela se transforma em fumaça até ser reconvocada pelo seu usuário. Ela também não fere seres vivos, mas corta sua alma. Isso é melhor explicado nas cenas de ação do livro.
Falando um pouco sobre os personagens, comecemos por Kaladin que é o inicial. Ele era um chefe de pelotão sob o comando do Luminobre Amaram. Após uma escaramuça, algum tipo de traição acontece do qual não ficamos sabendo inicialmente e Kaladin vê todo o seu pelotão ser morto e acaba indo parar como escravo passando por vários donos. Ele tenta escapar inúmeras vezes ajudando outras pessoas, mas se vê frustrado em seus planos. Pouco a pouco o seu espírito vai ficando mais frágil devido a esses dissabores e ele começa a contemplar deixar sua vida para trás. Kaladin acaba sendo colocado em um grupo de carregadores de pontes, responsáveis por transportar pontes de madeiras móveis que servem para ligar os vários platôs das Planícies Quebradas. Diante do horror da morte certa desses carregadores que são alvos preferenciais dos parshendianos, Kaladin não encontra mais razões para viver. As coisas começam a mudar quando um espreno de vento (uma espécie de espírito ligado aos ventos) ganha consciência. Esses espíritos geralmente apenas flutuam pelo ar assim como outros esprenos ligados à dor, à glória, à raiva, à putrefação. Mas, Kaladin nunca ouviu falar de um espreno que conversasse e se lembrasse de coisas. É ela quem irá contribuir para tirar Kaladin de seu desespero absoluto e colocá-lo em uma jornada de redenção onde iremos acompanhar por que um garoto que se tornaria um cirurgião acabou se transformando em um honrado guerreiro.
"É só mais uma guerra. Se não estivessem lutando um com o outro, descobririam outros grupos para atacar. É o que fazemos. Vingança, honra, riquezas, religião... todos esses motivos só produzem o mesmo resultado."
Ainda nas Planícies Quebradas, nos deparamos com Dalinar, um dos principais grão-príncipes de Alethkar, e tio do rei Elhokar. Dalinar é conhecido como o Espinho Negro e é portador da Sacramentadora, uma das Fractais a serviço do império. Dalinar se culpa diretamente pela morte de Gavilar porque no dia em que o castelo foi atacado, ele estava bebendo e não foi capaz de proteger o rei. Desde então ele adotou uma postura febril de defesa dos Códigos de Honra, normas que transformam os guerreiros em homens dedicados integralmente à defesa do rei e de seu reino. É dele a ideia de sitiar as Planícies Quebradas para destruir os parshendianos, um sítio que já dura seis anos. O Espinho Negro levou o Pacto da Vingança a sério e se tornou um dos maiores guerreiros alethianos em vida. Mas, nos últimos meses, Dalinar vem recebendo uma série de visões quando uma grantormenta (poderosas tempestades que passam das centenas de quilômetros por hora e destroem tudo o que está pelo caminho) está para acontecer. Ele é levado ao passado onde vivencia algum acontecimento-chave e palavras são ditas a ele por algum ser poderoso. Este pede a Dalinar que una os grão-príncipes porque algo terrível está prestes a acontecer. Com isso, o antes furioso guerreiro vai se tornando avesso a duelos e combates, algo que alimenta os grão-príncipes que integram o cerco. O próspero reino se transferiu quase que completamente para a região de guerra, e sua política e economia dependem dela. As visões vão se tornando cada vez mais fortes e Dalinar precisa fazer um jogo de inteligência e diplomacia, algo com o qual ele não está acostumado, ao mesmo tempo em que precisa lidar com os rumores de que ele estaria ficando louco.
Por último temos a Luminobre Shallan, membro de uma importante família de Jah Keved que está passando por um momento difícil. Seu pai faleceu recentemente e deixou dívidas e empréstimos não pagos para trás. Devido ao temperamento difícil de seu pai, sua família se quebrou completamente. Um filho se tornou atormentado, outro sofre de uma grave doença e um terceiro tem um estranho temperamento. Coube a Shallan, a única mulher entre eles, buscar uma solução para o problema. Ela concebeu um plano audacioso: se tornar discípula de Jasnah Kholin, uma das maiores sábias do reino e irmã de Elhokar e depois conseguir roubar o seu Transmutador, um dos mais poderosos e levar de volta a Jah Keved. Com ele, ela conseguirá criar imensas riquezas, como seu pai fazia antes. Só que Shallan nada conhece do mundo, tendo ficado dentro da corte por tempo demais. Sendo muito inexperiente e contando apenas com sua incrível capacidade de guardar Lembranças e desenhar com extrema precisão, ela vai atrás de Jasnah que parece estar indo de um lugar a outro a todo momento. Áo chegar em Kharbranth ela se prepara para uma espécie de entrevista com Jasnah que faz exigências absurdas sobre seus conhecimentos, o que faz com que Shallan tenha extrema dificuldade para passar no crivo da sábia. Shallan vai precisar demonstrar uma inteligência e sagacidade que superam a sua criação em um lugar no interior do reino. A questão é saber se isso será o suficiente para convencer Jasnah. E mesmo isso... como ela irá roubar o Transmutador depois?
Existem muitos conflitos éticos e morais acontecendo ao longo da narrativa e o autor explora muito bem essas questões. Por exemplo, as diferenças de abordagem entre Dalinar e Sadeas na maneira como conduzir a guerra nas Planícies Quebradas. Dalinar é um homem honrado e segue um código de conduta ao pé da letra. Seu virtuosismo é tão grande que seus soldados são estritamente treinados para se vestirem apropriadamente, se portarem apropriadamente e estarem preparados o tempo todo sem direito a se meterem em festas ou bebedeiras. Isso o coloca como alvo de piadas e críticas de outros grão-príncipes. Ele não deixa nenhum homem para trás. Mas, seus métodos de combate não parecem estar levando a guerra a um final, apenas prolongando um cerco. Claro que ele vai pensar em como alterar isso, mas ele vê no conflito com os parshendianos uma guerra suja e que se tornou mais uma competição. Já Sadeas é um guerreiro experiente e que não se importa com os métodos empregados em batalha. Por exemplo, ele não teme usar homens como iscas humanas para as flechas de seus inimigos. Contudo, ele é eficiente em batalha de uma maneira que o pôs como um dos principais senhores da guerra de Alethkar. Esse aqui é o conflito entre a honra ou a eficiência em batalha. O que é mais correto? Essas visões contrastantes sobre a batalha vão permanecer lado a lado por quase todo esse primeiro volume até o momento em que entrarem em choque. E é nesse momento que Sadeas ou Dalinar precisarão tomar uma decisão.
Já Shallan precisa decidir entre sua lealdade à sua família ou ao seu desejo de perseguir o conhecimento. Precisando lidar com uma situação que começa a fugir completamente ao controle, os seus estudos ao lado de Jasnah a fazem crescer e se tornar uma pessoa melhor. Tendo permanecido tanto tempo protegida, ela nada conhecia do mundo e nas artimanhas necessárias para sobreviver. Aliás, é essa inocência dela que a irá colocar em uma tremenda enrascada lá perto do final deste primeiro volume. Quanto mais Shallan vai permanecendo ao lado de sua mestra e se aprofundando em seus estudos sobre os mais diversos temas, a possibilidade de retornar a Jah Keved vai se tornando menor. Isso porque Shallan entende que este é o lugar dela. Só que existem forças poderosas envolvidas com a sua família, o que torna a tomada de decisão e o tempo para formar esta decisão cada vez menores. Ao final, sua escolha estará aonde o seu coração estiver.
Isso sem falar em Kaladin, um homem amargurado pelas escolhas que lhe foram retiradas. A princípio ele vivia em uma vila distante ao lado de seu pai, Lirin, um cirurgião. Tudo dizia que ele seria o sucessor de seu pai, apesar de Kaladin ter um tique para desejar ser um guerreiro e obter glórias. Mas, as experiências ao lado de seu pai e de seu doce irmão Tien o fazem abrir os olhos para a necessidade de alguém responsável por curar as pessoas. Sua desconfiança em relação aos olhos-claros, a nobreza deste mundo em oposição aos olhos-escuros, só fazem aumentar principalmente com a chegada de um novo Luminobre chamado Roshone que vem para ocupar o lugar de Wistiow, alguém que tinha muita confiança em Lirin. Os camponeses que antes aceitavam a presença de Lirin, mesmo indo contra os ensinamentos religiosos, agora se tornam hostis a partir de uma perseguição mesquinha feita por Roshone. Essa desconfiança contra os nobres só aumenta quando Kaladin vai parar inevitavelmente no exército e depois se torna um carregador de pontes. O personagem se abate porque não consegue salvar todos aqueles ao seu redor. Como alguém treinado para salvar vidas, ter se tornado um guerreiro faz com que esses votos se elevem à enésima potência. A ponto de ele pensar que todos ao seu redor morrem porque ele tem algum tipo de maldição posta nele por uma força superior. Kaladin vai precisar superar suas dúvidas, sua miséria e sua angústia para se tornar um verdadeiro líder para aqueles que dependem de sua força. Essa vai ser a sua jornada de herói.
O Caminho dos Reis é uma obra colossal em muitos sentidos. Esse sim é o Sanderson que o público aprendeu a amar. Aos poucos ele vai evoluindo sua escrita e testando novos formatos, buscando aprimorar sua pena. Se antes ele não tinha tanta preocupação com os personagens, agora já vemos o quanto estes se tornaram complexos, o quanto cada um possui seus objetivos e interesses. Não temos heróis perfeitos, mas pessoas que possuem uma longa estrada a ser percorrida. É um livro grande, de leitura que pode ser demorada para aqueles que travarem nas descrições, mas que presenteia o leitor com informações e uma jornada fascinante. Há muito a ser entregue aqui e o autor brinca com essas expectativas do leitor. Apresentando bloco após bloco de novas ideias que vão aperfeiçoando o que foi dito antes, a leitura é recompensadora e instigante. É o trabalho mais sólido do autor que já pude conferir e uma das melhores leituras que fiz neste início de ano.
Ficha Técnica:
Nome: O Caminho dos Reis
Autor: Brandon Sanderson
Série: Os Relatos da Guerra das Tempestades vol. 1
Editora: Trama
Tradutores: Pedro Ribeiro e Paulo Afonso
Número de Páginas: 1240
Ano de Publicação: 2022
Link de compra:
Comments