Nova York é uma coletânea de pequenas histórias e esquetes que se passam na famosa cidade escritas pelo gênio das HQs, Will Eisner. Venham conhecer um pouco mais sobre este quadrinho que parece música aos nossos olhos e aprender a arte sequencial com um mestre.
Sinopse:
Protagonizados por personagens singulares, as histórias reunidas neste livro registram momentos às vezes irônicos, às vezes trágicos, da vida dos habitantes da metrópole, revelando muito mais do que "um acúmulo de grandes edifícios, grandes populações e grandes áreas".
Nova York: A grande cidade e Caderno de tipos urbanos são compostos de vinhetas que registram, a partir do cenário da cidade, aspectos do dia a dia de seus habitantes. Esses breves vislumbres iluminam com delicadeza desde as situações mais cotidianas até as reviravoltas mais trágicas. O olhar agudo que se revela nas vinhetas ganha em O edifício e Pessoas invisíveis aspecto mais sombrio. Nessas histórias, que são sobretudo biografias de personagens solitários e esquecidos, Eisner põe em xeque o isolamento e a indiferença impostos pela metrópole.
Verdadeira obra-prima dos quadrinhos, Nova York é um registro impressionante não só da sensibilidade de seu autor mas da vida que se esconde por trás de toda grande cidade.
As histórias em quadrinhos são conhecidas como uma forma de arte sequencial. Muitos de nós acreditam que essa classificação se deve à forma de quadrinização que apresenta os acontecimentos se sucedendo em uma linha cronológica. É a forma das HQs que já remonta há várias décadas. Porém, quando você se depara com a arte de Will Eisner, ele desconstrói tudo o que sabemos a esse respeito. Porque a arte dele é sequencial, mas ele não emprega muito a quadrinização. Suas páginas são suas telas onde ele expõe arte para apreciação dos leitores. Então, de que forma entender a arte de Will Eisner?
A edição da Companhia das Letras é bem simples, porém elegante. Temos uma bela capa com uma página do Eisner colorida. Aliás, a capa dá o tom da HQ: o fluxo inesgotável de habitantes de Nova York com Eisner servindo de espectador e observando as ações mais simples e mundanas. A edição é em capa cartonada com páginas em papel pólen. Foram incluídos alguns extras bem legais como dois prelúdios (um feito por ninguém menos que Neil Gaiman em 2006 e outro feito pelo editor de Eisner) e ao final tem alguns quadros que foram cortados da edição final de Nova York. Tem um bem legal que mostra uma pequena cena se passando em São Paulo.
Neste compilado temos quatro histórias: Nova York - A Grande Cidade, O Edifício, O Caderno de Tipos Urbanos e Pessoas Invisíveis. Antes de me debruçar sobre as quatro histórias não tem como não falar da arte do Eisner. Ele consegue transitar entre vários gêneros narrativos, te passando a emoção adequada para aquele momento. Algumas histórias são engraçadas, outras irônicas e em algumas a gente abre um sorriso. Não há como não se relacionar emotivamente com as histórias. Há sempre um impacto, uma emoção. Algumas vignettes chegam a fazer você, leitor, adentrar na história como os tipos de ruas. Com certeza, algum de vocês imaginou um bairro ou um quarteirão de sua infância ao vê-lo imaginado nas páginas da HQ. Outros como O Edifício te fazem chorar. Apesar de bela e caricata em alguns momentos, as histórias podem facilmente ser trágicas.
O grande tema é a cidade Nova York e como as pessoas a imaginam. Não é que a cidade é o personagem, é a visão que as pessoas tem dela. Muitas vezes o autor emprega a ideia da invisibilidade das pessoas diante da grandiosidade do urbano. Queremos ser invisíveis. Queremos não ter que nos relacionar com as pessoas. Ao mesmo tempo em que isso produz uma visão interessante da cidade, revela a dessensibilização do homem frente ao moderno. Histórias como a de Herman, em Combate Mortal, são mais comuns do que parecem.Vivemos sob o jugo de uma realidade que nos oprime. E essa realidade se tornou tão comum e cômoda, que não desejamos sair dela. É fácil se sentir oprimido... difícil é lutar contra a opressão. A maioria dos personagens de Eisner que luta contra o lugar comum acaba sendo esmagado pelo peso da cidade.
"Tão concretos quanto a sua arquitetura são os sons da cidade. Uma sinfonia infinita, tão peculiar a ela quanto os seus cheiros."
A primeira parte é dedicada a uma série de vignettes sobre Nova York. Temos várias experimentações geniais de Eisner com arte sequencial. Por exemplo, a primeira história acontece do ponto de vista de uma tampa de esgoto.Vários objetos acabam caindo nas gretas e se perdendo. Vemos várias histórias acontecendo acima dessa tampa como um homem pedindo uma mulher em casamento, meninos brincando, um amante querendo dar a chave do seu quarto. Histórias que se passam no pano de fundo de um pequeno espaço. Blecaute é uma pequena vignette que se passa em um trem em movimento mostrando pessoas se apertando para conseguir espaço. Subitamente acaba a energia e as pessoas reagem instantaneamente. Depois ela retorna. Não há nenhuma fala. Apenas entendemos a história porque a construímos a partir das situações que nos são apresentadas. Eisner trabalha muito com a nossa imaginação para construir as situações. Ele joga as cenas para nós, e a gente monta os pedaços do quebra-cabeças. Ou ele emprega poucas falas, mas nenhuma delas compõe algo explícito para nós.
Essa qualidade de atravessar a leitura e tornar-nos participativos é algo que vemos pouco atualmente. Aliás, a forma de organização das cenas nas páginas é único. Isso porque Eisner pode usar um elemento do cenário para construir os balões de diálogo. Em um quadro, ele usa a fumaça deixada pela chaminé de um trem para colocar as falas. As frases ocupam o cenário. Por isso que eu disse que não há uma quadrinização no modo como conhecemos. O autor foge a esses padrões. E é isso que torna essa primeira parte tão genial.
O Edifício é uma história belíssima que mostra a capacidade do autor de criar uma história a partir de diversos relatos. Temos a inauguração de um edifício chamado Edifício Hammond e nos deparamos com quatro fantasmas na marquise do prédio. Ao longo das páginas de O Edifício conhecemos as histórias de cada um que contribuíram com a construção do arranha-céu ou estiveram envolvidos na história dele de alguma forma. A narrativa é triste e melancólica e vamos nos deparando com a crueldade da vida diante daqueles que não conseguem atingir seus objetivos. Todos são pessoas que foram devastados por algum problema. Estão ali assombrando o prédio por alguma questão inacabada. O mais legal dessa narrativa é que elas se interligam e vemos os outros personagens passando de alguma forma pelas narrativas alheias. Isso demonstra todo o dinamismo dos grandes centros urbanos. Essa é uma história que vai te fazer se emocionar de alguma forma; ou seja, ou você ficará reflexivo ou irá derramar aquela lágrima no canto do olho.
"Será que existe uma cidade sem paredes para abrigar a sua alma, ou abafar seus gritos e coreografar a dança da sua vida? Se as paredes existem para proteger e excluir, elas também não contém e aprisionam? Serviriam elas, então para amar ou para odiar? Afinal, as paredes não são feitas pela natureza..."
O Caderno de Tipos Urbanos é aquele em que o leitor mais interage. É impossível não temos vivido alguma das situações mostradas por Eisner ou termos passado por alguma das localidades que ele nos mostra. O esquete da pontualidade foi aquele que eu mais me identifiquei. Quantos de nós não acordamos com o despertador só para programar mais dez minutinhos e podermos descansar mais um pouco? Ou saímos correndo desesperados torcendo para pegar o metrô e chegar na hora no trabalho? É parte do nosso cotidiano. Ou o A Tempo que mostra como somos controlados pela mão cruel do relógio diariamente. Para tudo temos uma hora: para trabalhar, para amar, para observar, para descansar. A ditadura do relógio define a nossa personalidade. Essa ditadura é mostrada magistralmente pelo autor em três páginas. Fica também o destaque novamente para os vários tipos de rua. Relembrei várias cenas da minha infância.
Por último o Pessoas Invisíveis é o que mais me deu um aperto no coração. São três histórias (Santuário, O Poder, Combate Mortal) que mostra pessoas completamente ignoradas pelo resto da sociedade. Pessoas com histórias absolutamente comuns, mas diante da grandiosidade da cidade acabam ficando à parte de tudo por algum motivo. Santuário conta a história de um homem absolutamente comum e sem qualquer destaque que leva sua vida pacificamente e um dia é dado como morto pela seção de obituários de um jornal. Sua vida comum é colocada de pernas para o ar. O Poder conta a história de Morris, que desde pequeno tem o dom de curar as pessoas. Mas, ninguém acredita nele e ele tenta levar a vida sem chamar muito a atenção. Isso porque todas as vezes em que ele tenta usar o seu poder, algo ruim acontece em sua voda. Já o Combate Mortal conta a história de uma filha que cuida de um pai enfermo desde os seus dez anos. Aos quarenta, seu pai morre e ela não sabe mais o que fazer de sua vida.
São histórias tocantes cujo desenrolar vai fazer você se questionar o que você faz com a sua própria vida. Talvez O Poder seja aquela que mais tenha me tocado. Não há justiça na vida. Procuramos levar nossas vidas do nosso jeito e nem sempre ela vai nos recompensar. Não há uma receita para uma vida feliz. Ame seus pais, sua esposa e leve sua vida de acordo com o que você acredita que vai lhe trazer a felicidade. Talvez traga, talvez não traga. Isso não importa. Viva sem arrependimentos.
Eisner produziu uma obra de arte com essa história. Admito que não conhecia o autor e me senti intimidado ao pegar essa HQ. Sabia o quanto o autor significava para o mundo das histórias em quadrinhos e o meu medo de não compreender a sua arte era gigantesco. Mas, depois de passar por estas mais de quatrocentas páginas posso dizer que estou muito feliz de ter aceitado esse desafio. Valeu muito a pena e quero ler mais coisas do autor.
Ficha Técnica:
Nome: Nova York Autor: Will Eisner Editora: Quadrinhos na Cia Gênero: Drama/Comédia/Romance/Fantasia Tradutor: Augusto Pacheco Calil Número de Páginas: 440 Ano de Publicação: 2009
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*Material enviado em parceria com a Companhia das Letras
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