Peggy é uma menina que vive com sua mãe, Ute, e seu pai, James. Ele tem um hobby como viciado em sobrevivência. Um dia, James foge com Peggy de casa e segue para um casebre na Baviera. Ao chegar lá, ele conta a Peggy que o mundo deixou de existir. Esses são os dias infinitos de Peggy e James neste pequeno casebre.
Sinopse:
Todos os pais mentem. Mas algumas mentiras são maiores do que as outras. "Datas só nos fazem perceber quão finitos nossos dias são, quão mais perto da morte ficamos a cada dia que passa. De agora em diante, Punzel, vamos viver seguindo o sol e as estações". Ele me pegou no colo e me girou, rindo. "Nossos dias serão infinitos". Com aquela última marca, o tempo parou para nós em 20 de agosto de 1976". Peggy tinha oito anos quando seu pai a levou para viver em uma remota cabana no meio de uma floresta europeia. Lá ele lhe disse que sua mãe e todas as outras pessoas do mundo morreram. Agora eles precisam viver da terra e sobreviver ao rigoroso inverno. Mas até quando a pequena Peggy vai acreditar na história de seu pai? Até quando você pode ficar são, quando o mundo está perdido? o que acontece quando você para de crer em tudo?
Algumas histórias são poderosas, viscerais. A ponto de fazerem o leitor sentir todo o tipo de emoções. Raiva, felicidade, alegria, tristeza, depressão. Nossos Dias Infinitos é um desses exemplos. O livro te dá um soco no estômago do começo ao fim. Me senti nocauteado quando terminei a história. Ainda sou capaz de sentir parte dos efeitos da leitura. Ao mesmo tempo, estes são os livros bons. São aqueles que te passam alguma mensagem para a vida. Claire Fuller pode não ter sido a autora cuja leitura estará entre as minhas melhores do ano, mas certamente ela produziu um efeito no meu coração.
Posso não ter gostado inteiramente da escrita dela, mas é preciso dizer logo de cara a aula que a autora nos fornece a respeito de um narrador não confiável. Peggy é o exemplo mais direto disso. Por conta de toda a sua experiência sendo ainda uma criança e o tempo em que ela fica na cabana na Baviera a sua percepção de mundo é extremamente equivocada. Certas descrições que ela faz são confusas, distorcidas. Portanto, ao leitor é preciso muita atenção para perceber os detalhes que se escondem naquilo que a protagonista não diz. O subtexto é muito rico em nos oferecer muitos questionamentos acerca do comportamento dos personagens. E muita coisa da história só será revelada bem no final mesmo. Tem todo um trecho da história em que não sabemos se a protagonista está inventando histórias ou elas de fato aconteceram. Vou usar um exemplo bobo e inocente de spoilers; Phyllis, a boneca de Peggy por muito tempo serve como amiga imaginária dela. Peggy faz confidências a Phyllis, expressa seus sentimentos mais íntimos a ela.
"Naquele dia, naquele ínfimo instante, meu pai estava estranhamente relaxado e bonito, com seus cabelos longos e seu rosto fino, enquanto Ute, em uma saia na altura dos tornozelos e uma blusa branca de mangas bufantes, saía do quadro como se tivesse sentindo o cheio de comida queimando."
E por que eu dei duas corujas para a escrita? Porque eu sou implicante com narrativas em primeira pessoa. Admito não gostar mesmo. E o fato de eu ter lido cinco livros com esse estilo de escrita em sequência não ajuda nem um pouco. Então peço desculpas pela minha parcialidade. Mas, vamos ser um pouco mais honestos em relação a isso então. A narrativa se passa em duas temporalidades: depois que a Peggy volta para casa e os acontecimentos que levaram à fuga e o tempo em die Hutte. Eu achei que a autora poderia ter trabalhado melhor o tempo presente, aprofundando mais o estranhamento da protagonista em relação à sua nova vida junto de Ute e Oskar. Mas, foram escolhas da autora. Ela preferiu se concentrar mais na relação entre James e Peggy.
Como não comentar sobre a relação abusiva de James e Peggy. O próprio ato de sequestrar a Peggy já não foi motivo suficiente para não gostar do personagem. Eu senti que a autora quis dar desde o começo um ar desequilibrado ao personagem. E isso é mostrado em diversos momentos. Principalmente as reações tolas dele na cabana com Peggy. No final da história, quando há um plot twist, a gente começa a entender melhor a loucura da mente de James. Ele amava Peggy de um jeito estranho e distorcido que acabou mais por machucar profundamente o emocional e o psicológico da protagonista. Para quem imagina que um comportamento como o do James é absurdo demais para existir no mundo real, revejam seus conceitos, caros leitores. Como professor que trabalha em uma região em que a violência doméstica é a ordem do dia, isso é mais comum do que parece. Já vi até mesmo casos parecidos com o dos personagens do livro (não de ir a uma cabana na Baviera, mas o de fugir de casa).
O pior de tudo é a confiança que a Peggy tinha na figura paterna. Não havia por que questionar o pai. Quando viviam juntos, James sempre teve afeto pela menina. E o conjunto de ideias sobre moral e percepção de mundo ainda não estavam construídos na mente de Peggy. Quando seu pai alega que o mundo foi completamente destruído por sabe-se-lá-o-que, ela acredita. Não há razão para questionar. Fora que a Peggy tinha boas lembranças dos momentos em que ela passava junto de seu pai testando técnicas de sobrevivência. Em sua mente, eram boas recordações. Tudo isso somatiza na fácil aceitação de uma situação absurda. Novamente não é impossível. A personagem não possui ainda todo o arcabouço de conhecimentos necessários para questionar a fala ou as ideias do pai. Tanto é que isso só vai acontecer vários anos depois. Quando ela começa a questionar, que é algo natural na adolescência, a relação dos dois estremece até entrar em um franco processo de decadência. É o momento em que o pai se torna mais violento.
"Datas só nos fazem perceber quão infinitos nossos dias são, quão mais perto da morte ficamos a cada dia que passa."
Achei que a relação entre Peggy e Ute fica mal trabalhada. Claro, muito da relação das duas ocorre por conta das lembranças de Peggy sobre não estar com sua mãe. Tocar piano fica sendo a única maneira possível de se lembrar dela. Mas, eu acho que esse aprofundamento da relação de ambas poderia ter sido feito em mais capítulos passados no presente. Ficou um pouco no ar isso. Dá até a impressão em alguns momentos que a Peggy ama mais o pai do que a mãe. Mas, claro, isso não é verdade por causa do próprio comportamento da mesma. Peggy e Oskar também possuem pouco tempo para interagirem. A relação com o irmão parece avulsa em certos momentos.
Essa é uma história intimista, portanto, falar de temas é mais complicado. Acredito que dois temas principais são o abuso e a violência. E este abuso passa por todas as suas etapas: a retirada de casa, a distância em relação à mãe, uma vida de fome e miséria, a violência física, emocional e sexual. Tem um momento na história que inicialmente nós achamos bonito. E a própria maneira como a autora constrói a cena é de uma beleza e doçura fenomenal. Quando você percebe depois do que se trata realmente a cena (e aí entra a questão do narrador não-confiável), você sente nojo daquilo. Eu vivi junto com a personagem o momento estarrecedor da revelação. Senti o mesmo que ela: me senti violado, agredido, machucado.
Enfim, Nossos Dias Infinitos é um livro poderoso que vai te deixar para baixo ao final da leitura. Mas, eu recomendo a leitura. Só prepare os lencinhos de papel ao final porque este é chocante. A autora dá uma aula sobre o que é contar uma história partindo de um narrador que não te passa informações inteiramente verdadeiras. Os personagens são bem trabalhados em sua relação embora eu ache que a relação com a mãe e o irmão poderiam ter sido melhor explorados. Mas, vale demais a pena a leitura.
Ficha Técnica:
Nome: Nossos Dias Infinitos
Autora: Claire Fuller
Editora: Morro Branco
Gênero: Romance?/Fantasia?/Drama?
Tradutora: Carolina Selvatici
Número de Páginas: 332
Ano de Publicação: 2016
Link de compra:
*Material enviado em parceria com a Editora Morro Branco
Comments