Depois de passar muitos anos preso pelo regime soviético, Ivan Ivanovic recebe uma nova oportunidade para atuar como agente da KGB em missões sensíveis. Sua primeira missão é lidar com um traficante de armas na Birmânia.
Sinopse:
O prisioneiro Ivan Ivanovic foi o soldado mais frio, determinado e preciso da União Soviética, mas sua insubordinação o levou a ser encarcerado na Sibéria.
Acontece que a Pátria Vermelha precisa novamente de seus serviços e Ivan ressurge como MUGIKO, o agente secreto mais mortífero, sedutor e cínico que o mundo já viu. Uma intrincada trama de espionagem e aventura saída da mente genial de Gianfranco Manfredi e soberbamente ilustrada pelo brasileiro Pedro Mauro. Originalmente publicada pela Sérgio Bonelli Editore, no título Le Storie, Mugiko é o primeiro trabalho internacional de Pedro Mauro editado no Brasil.
Nos acostumamos no cinema a ver atuações de agentes secretos como James Bond, pelo MI-6 ou outros agentes americanos tentando obter informações sobre a Cortina de Ferro. Em plena Guerra Fria, eram os melhores tipos de histórias e se aproveitavam desse clima de tensão que pairava o mundo onde um simples apertar de botão poderia levar todos nós à destruição. E onde a atuação invisível de um homem poderia obter vantagens para um dos lados. Manfredi traz de volta esse gênero pensando um agente secreto soviético e como seriam suas missões nesse complicado mundo de espionagem e traição. Mugiko é uma grande aventura digna de filmes do 007 e com o mesmo tipo de canastrice típica de um homem nascido nessa época. Uma história para qualquer leitor se divertir e desligar um pouco a mente e só curtir o belo roteiro e as páginas lindamente desenhadas pelo brasileiríssimo Pedro Mauro que está arrasando nos quadros. Fiquem aí que vamos falar mais sobre essa obra.
Tendo sido preso por falar mal do partido, Ivan Ivanovic cumpre quinze anos de pena na Sibéria dos quais já cumpriu onze. Praticamente uma vida. Mas, um velho amigo seu que subiu nos rankings das forças militares russas faz um convite inusitado para ele. Em troca de perdão de sua pena e de um polpudo salário, Ivanovic se tornaria um agente da KGB a ser enviado em missões sensíveis pela Mãe Rússia. Ivanovic aceita com uma única condição: gastos ilimitados como pagamento pelos anos em que ficou preso. Sua primeira missão é lidar com um traficante de armas birmanês chamado Zaw. Apesar de ele ter sido lucrativo para a URSS, agora ele parece estar fazendo um perigoso jogo duplo que pode balançar as relações entre a URSS e a China. Ivanovic precisa matá-lo e descobrir quem mais está envolvido.
Que roteiro gostoso e despretensioso (no bom sentido) do Manfredi. Às vezes vejo uns roteiros escalafobéticos prometendo mundos e fundos e não entregando nem metade do que se propõe. Aqui temos uma execução perfeita com uma história que consegue ser rápida e divertida. Pensando em aspectos de roteiro, não consigo encontrar nenhuma falha. E penso em o quanto eu me divertiria vendo um filme com essa HQ. Seria tão simples de fazer. Manfredi entrega todos os detalhes ao longo das páginas, sem grandes complicações. Primeiro ele te apresenta o personagem rapidamente, depois ele coloca Ivanovic no cenário onde a ação vai acontecer e no terceiro ato ele coloca uns complicadores para atiçar a tensão. Tem alguns elementos exóticos aqui e ali, mas me faz pensar imediatamente nas maluquices que vemos em filmes como 007 contra o Goldfinger ou A Chantagem Atômica. É curioso pensar em o quanto não exploramos tanto assim o lado soviético da coisa e o autor nem precisou carregar o dedo em pontos ideológicos. Nadinha. É só uma boa e velha aventura. E isso é ótimo.
A arte do Pedro Mauro está um escândalo nesta HQ. Mugiko é uma das obras mais recentes do artista e a gente começa a vê-lo experimentando mais aqui e ali e testando quadros mais cinematográficos. O lápis do Pedro Mauro tem um grau de precisão extraordinário e o leitor consegue acompanhar como ele constrói artifícios como perspectiva, profundidade e latência só observando os quadros. Comparem os estudos de arte que tem no final da HQ com as páginas e a gente consegue perceber o quanto ele consegue obter um resultado espantoso sendo objetivo. Com poucos traços ele consegue preencher a cena, mostrando não só um domínio do preto e do cinza, mas como usar o branco adequadamente. Às vezes parece um contrassenso falar de "usar o branco", mas um pleno domínio do PB envolve compreender o funcionamento da dicotomia entre a presença e a ausência. Como posso transformar uma ausência em uma presença? Vejam na imagem acima como ele consegue definir toda a rodovia construída pelos prisioneiros e as árvores ao fundo apenas preenchendo poucos espaços no lápis. Nossa mente vai preencher a ausência formada pelo branco do cenário com formas.
Outro ponto que me deixa impressionado na arte do Pedro Mauro é o seu design de personagens. Primeiro que ele é capaz de empregar tipos diferentes de estrutura corporal. A gente consegue ver vários deles espalhados pela HQ. Isso vai desde personagens secundários para a história como Irina Volushka até os nagas no final da trama. Alguns vão criticar que toda a personagem feminina é escultural e magnífica... Sim, é isso mesmo. Porque isso faz parte da temática do filme de espionagem. Vou falar disso mais abaixo. Mas, meu deus, como o Pedro Mauro sabe desenhar personagens femininas. Vale destacar também a expressividade dos rostos seja o jeito matreiro de Ivanovic ao estilo sério e desconfiado de Gao Mei ou ao fanatismo de Zaw. Os personagens demonstram seus sentimentos através do rosto e das expressões físicas, o que dá mais vida a eles. Os momentos de ação são muito bem feitos pelo Pedro, mas essa é uma habilidade que já conheço dele de quando ele desenhou a trilogia Gatilho. Só queria que o Manfredi tivesse usado mais essa característica dele. O combate na selva é fenomenal e tenso, com tiros e explosões rolando para todos os lados. A gente se sente no meio da ação, acompanhando a dupla de personagens tentando fugir daquela encrenca.
Falando sobre o personagem em si, ele é o típico personagem de histórias do Ian Fleming: malandro, sedutor, mortal. Ser misógino era parte do clichê desse tipo de personagem. Manfredi poderia ter criado um personagem politicamente correto? Sim, mas aí ele estaria sendo anacrônico. Se a ideia era beber desse filão de histórias, seu protagonista tinha que ser o canalha sedutor mesmo. Acho até que o Manfredi elevou um pouco mais a canastrice do Ivanovic até para distanciá-lo de onde ele foi influenciado. Isso deu características únicas para ele. Gosto de como o personagem nem tenta agir diferente. Ele é esse cara mesmo e bola para frente. Talvez a melhor cena que defina o Ivanovic seja quando o seu contato na KGB está explicando a missão, seus pormenores e perigos e ele está olhando para as coxas enormes da Irina. Aos poucos vamos conhecendo alguns detalhes sobre a personalidade dele e o que o faz não cair na armadilha que aprontam para ele lá no final. Isso só ganha verossimilhança porque lá nas páginas iniciais, Manfredi nos mostrou com seu roteiro o quanto Ivanovic não confia no próprio governo. Uma informação solta lá no começo da história vai ter uma consequência sutil no final.
Apesar da escrita do Manfredi estar perfeita, o roteiro não me agradou tanto assim. Mas, é mais uma questão de gosto do que pela qualidade do que é apresentado. Em filmes de espionagem temos bons momentos de ação espalhados pelos três atos do filme. E aqui senti que faltou mais alguns desses momentos. Podemos argumentar que a cena do barco pode ter sido um desses, mas discordo. Queria ter visto uma perseguição, uma emboscada ou uma situação com reféns. Concentrar tudo só no final colocou o peso todo desses momentos no clímax. Mas, no geral a história é muito boa e consegue se fazer entender com facilidade pelo leitor. Todas as informações que ele precisa estão presentes na HQ, seja a conjuntura do mundo naquele momento, a história pregressa do protagonista ou a escala de sua missão. Está tudo ali, então é só curtir mesmo. Recomendadíssimo.
Ficha Técnica:
Nome: Mugiko
Autor: Gianfranco Manfredi
Artista: Pedro Mauro
Editora: Trem Fantasma
Gênero: Espionagem
Tradutor: Lucas Pimenta
Número de Páginas: 128
Ano de Publicação: 2020
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