A LoveStar tem a solução para a vida, o amor e a morte. Mas uma grande ideia ainda perturba seu criador. Enquanto isso, as coisas não parecem tão boas para o jovem casal Indridi e Sigrid, que acabam de ter a comprovação científica de que não são almas gêmeas. Será que a tecnologia realmente é a resposta para tudo?
Sinopse
O enigmático e obsessivo fundador das Corporações LoveStar, desvendou o segredo para transmitir informações em frequências emitidas por pássaros, finalmente libertando a humanidade de dispositivos e cabos, e permitindo que o consumismo, tecnologia e ciência tomem conta de todos os aspectos da vida diária. Agora, homens e mulheres sem fio são pagos para gritar propagandas para pedestres desavisados, enquanto o programa Regret elimina todas as dúvidas sobre os caminhos não escolhidos. Almas gêmeas são identificadas e unidas através de um sistema altamente tecnológico. E enviar os mortos aos céus em foguetes se torna um símbolo de status e beleza, um show catártico para aqueles deixados para trás. Indridi e Sigrid, dois jovens amantes, têm seu mundo perfeito ameaçado, quando são calculados para outras pessoas e forçados a chegar a extremos para provar seu amor. Sua jornada os coloca em uma rota de colisão com LoveStar, que está em sua própria missão de encontrar o que pode vir a ser a última ideia do mundo.
O perigo de uma ideia
Ideias são a força motriz da humanidade, o combustível necessário para a criação de toda e qualquer tecnologia, a verdadeira essência nos movendo adiante. Em seu rastro de avanços científicos e tecnológicos, os vestígios de destruição são inquestionáveis. O fogo, a pólvora, a indústria, a bomba nuclear... Ideias são muito perigosas. Existe um limite para elas? LoveStar acredita que não.
LoveStar inicia de forma abrupta e ousada, jogando as nossas expectativas lá em cima. Caímos de paraquedas numa narrativa não-linear e entrecortada por diversos trechos aparentemente soltos, excertos e pensamentos do próprio LoveStar, um homem que é uma entidade, uma organização, uma empresa, um idealizador apaixonado pelas suas ideias e criações. Algo confuso no começo acaba por delinear uma história muito bem encaixada em todas as suas partes soltas, exigindo do leitor conexões e interpretações conduzidas de forma magistral pelo autor.
“Uma ideia é uma fome incontrolável. É um desejo reprimido por muito tempo. As pessoas que têm ideias são as mais perigosas do mundo porque estão prontas para correr o risco. Elas só querem ver o que acontece; o pensamento delas não vai além disso”.
A organização LoveStar é, de fato, a grande estrela (perdoem-me pelo trocadilho) do livro. Acompanhamos o jovem casal Indrid e Sigrid em alguns trechos e capítulos dedicados inteiramente a eles, e também o próprio LoveStar, um personagem misterioso, obcecado e absolutamente genial em seus dilemas entre ciência, fé e moralidade, mas a entidade, a grande ideia e seus vários braços comerciais, está por trás de tudo o tempo todo. Do nascimento à morte, do amor ao arrependimento, a LoveStar tem uma solução para você. Seus efeitos na sociedade são deflagrados ao longo da trama e as partes cômicas e absurdas tomam proporções assustadoras, nos envolvendo em uma ficção científica que talvez, em mais alguns anos, não seja tão fictícia assim.
Não é a toa que Magnason teve seu LoveStar comparado ao famoso 1984 de Orwell. Há um tom de profecia em uma história soando muito familiar aos leitores do clássico, me levando a pensar que o autor atualizou muitas das críticas orwellianas, como a supressão da liberdade, o controle pela tecnologia e até mesmo o romance na era das máquinas. Os instintos mais básicos do ser humano são substituídos por cálculos e, de repente, nos tornamos incapazes de decidir sobre qualquer coisa, “pelo nosso próprio bem”. Mas o clima não é de caos e opressão, como em 1984, não. Pelo contrário, a sociedade é mais feliz e todos percebem as maravilhas da LoveStar. É nesse pretenso cenário utópico que o casal Indrid e Sigrid encara seu fim: Sigrid é calculada para outro homem. Eles desafiaram a ciência da LoveStar e falharam em buscar o amor por conta própria. Será?
Magnason tem uma escrita aparentemente leve, de um humor negro cativante, mas suas palavras escondem um significado perturbador e intenso. A leitura em si é fácil, mas a interpretação depende de inúmeras referências, algumas já consolidadas na literatura, com alusões aos grandes mitos, e outras mais tênues, exigindo atenção. O autor não economiza malícia e talento, transformando LoveStar em um livro chocante, inteligente e terrivelmente real. É impossível não se abalar quando a verdade das palavras de Magnason nos atinge.
“LoveStar teria dito que Indridi e Sigrid estavam entre as últimas vítimas da liberdade. Eles deviam ter pensado melhor, se comportado de modo racional e esperado sua vez”.
LoveStar é uma história sobre a humanidade em seus anseios e suas ganâncias, em toda a sua dependência por uma direção, um lugar seguro e por ter alguém no comando. Talvez a liberdade de escolha seja um preço pequeno a se pagar pelo conforto da vida moderna, não? Afinal, não é o que fazemos, nas devidas proporções, ao disponibilizar nossos dados na rede e nos submetermos a uma enxurrada de propaganda? Também muito associada à série Black Mirror, da Netflix, LoveStar é o retrato de um futuro não tão distante, dominado pela tecnologia, nada mais sendo o fruto das ideias desenfreadas e ambiciosas da humanidade. Se você quiser entrar no clima desse livrão, recomendo especialmente os episódios Queda Livre e Hang the DJ. Mas o autor vai além da reflexão sobre o poder das ideias e o alcance da tecnologia. Magnason faz uma crítica afiada e dolorosa à sociedade de consumo, à indústria de alimentos, sobretudo, em uma realidade que, infelizmente, já está muito próxima da nossa. E mais ainda: os abusos do mercado publicitário não ficam impunes. LoveStar é um soco no estômago do modelo irracional e desumano sobre a economia, um tapa na cara da cultura de exploração, que distorce qualquer bem aos propósitos do capital.
Preciso fazer um último comentário sobre a edição da Morro Branco, que é um absurdo de linda, super caprichada, com uma diagramação bem cuidada e uma capa sensacional escolhida a dedo. Um livro tão incrível não merecia menos que isso, realmente. LoveStar é mais do que parece ser e mais do que se pode esperar. Surpreendente é o mínimo que eu posso dizer; inovador e genial me parece mais correto. A crueldade e o humor andam de mãos dadas o tempo todo para nos conquistar em Oxnadalur, “onde o amor é comprovado, a morte é leve e LOVESTAR pisca atrás de uma nuvem”.
“Ele não tinha outra alternativa. Ele não era um homem livre. Era escravo de uma ideia.”
Ficha técnica:
Título: LoveStar
Autor: Andri Snaer Magnason
Tradução: Fábio Fernandes
Editora: Morro Branco
Número de páginas: 336
Ano de lançamento (no Brasil): 2018
Gênero: Ficção Científica
Livro cedido em parceria com a editora Morro Branco
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