Depois de vencer Ares, Diana tem pouco tempo para levar informações sobre o mundo do Patriarcado para suas companheiras amazona. E Zeus passa a ter um desagradável interesse pelas amazonas de Themyscira. Para se livrar do assédio dos deuses, Diana precisará passar por terríveis provas. Inicia-se o Desafio dos Deuses.

Sinopse:
George Pérez e seus parceiros de crime retornam para mais uma rodada de espetaculares aventuras estreladas pela Mulher-Maravilha ― histórias que não somente solidificaram a heroína como um ícone renovado do pós-Crise, como também pavimentaram o caminho para tudo o que veio depois. Nessa edição, Diana terá de encarar sua mais clássica adversária, a Mulher-Leopardo, e ninguém menos que uma ameaça vinda do… Olimpo! (Wonder Woman 8-14)
Este é o segundo arco de histórias escrita e desenhada por George Perez. Temos duas histórias fechadas e o arco do Desafio dos Deuses. Na primeira história temos um interlúdio encerrando os acontecimentos do primeiro arco e mostrando Diana se adaptando à vida na Terra, pelo pouco tempo em que sua mãe Hipólita permitiu que ela ficasse. A segunda história traz a doutora Minerva, uma colecionadora de artefatos antigos e que revela ter poderes sobrenaturais oriundos de seu ajudante. Ela deseja pôr as mãos no laço da verdade a qualquer custo. O arco Desafio dos Deuses começa após o retorno de Diana para a ilha Paraíso onde Zeus volta uma estranha e desagradável atenção às amazonas. Para escapar de sua luxúria, ela precisará passar por terríveis desafios impostos por cada um dos deuses do panteão do Olimpo onde ela precisará de mais do que sua força e velocidade.
O roteiro de Perez continua bem afiado e gostei de algumas experimentações narrativas que ele faz ao longo desse arco de histórias. Começando por esse interlúdio inicial, ele alterna o roteiro comum com cartas, diários e relatórios escritos por pessoas ligadas à Diana: a dra. Kapatelis, a jovem Vanessa e Etta Candy, a assistente do coronel Trevor (que agora não é mais coronel). Na época não tinha como tornar essa parte menos textual em excesso porque não haviam muitos recursos gráficos que se tornaram comuns com a arte digital. Mesmo assim, Perez produz algo bastante diferente. Já na segunda história, senti um tom mais épico nos recordatórios. Parece que Perez pode ter se inspirado em narrativas como a Ilíada e a Odisseia para compor as descrições de cena porque elas assumem um tom quase cantado. Até o encadeamento de palavras soa diferente. Por último o arco do Desafio dos Deuses tem toda aquela aura de grande aventura, envolvendo seres mitológicos, os deuses sendo mesquinhos e as amazonas precisando lidar com situações fora do normal. Remete aos roteiros de grandes filmes do final da década de 1970 e início de 1980 como os que envolvia Hércules (interpretado pelo Lou Ferrigno) precisando realizar as doze tarefas. Perez captou essa essência com um twist voltado para o feminismo e um debate social de igualdade de gênero.
A arte é de cair o queixo. É o Perez em seu auge, entregando cenas épicas em uma revista mensal. Quando ele pira em cenas saídas de qualquer livro de mitos gregos, é um espetáculo. As cenas que se passam dentro da caverna são sensacionais com Hipólita enfrentando esqueletos animados, Diana precisando lidar com um ser formado de trevas e os deuses fazendo comentários ao vivo comendo uvas e tocando harpas. O puro sumo da mitologia grega. Inclusive tem uma cena icônica com Hércules segurando a ilha Paraíso nas costas similar à visão de Atlas segurando o mundo. Ficam dois destaques da arte, uma na primeira história e outra na penúltima. A primeira tem a ver com os relatórios e trechos de diário que Perez insere algumas artes no meio para não ficar algo maçante. Ele divide a página em duas colunas, sendo uma com o texto que ele quer entregar e a outra com uma colagem com vários quadros que remetem a trechos do que está escrito. Essas colagens são lindas e me recordo de que algumas destas imagens formaram um conjunto de pin-ups em homenagem a Perez. O outro recurso é algo tão simples que só poderia ter partido da cabeça dele. Está na página 166 desta edição e mostra Diana saindo da ilha Paraíso e voltando ao mundo dos homens. Ao invés de usar algum recordatório, Perez usa um recurso gráfico criando retângulos que vão diminuindo de tamanho até caírem em um quadro com relâmpagos e depois começarem a aumentar de tamanho novamente. É como uma passagem de espaço. Parece algo bobo, mas é uma representação bastante criativa.

Quero seguir em direção ao tema principal desta edição porque é a retomada daquele debate iniciado lá na primeira edição da fase do Perez. E que ótimo que ele voltou a esse tema. Se trata da opressão de gênero. Zeus volta a se interessar pelas amazonas, mas dessa vez com um teor mais sexual. Ele deseja a todo custo possuí-las uma a uma. E liberou geral para os outros deuses fazerem o mesmo. A primeira que ele deseja possuir é a princesa Diana que no começo não desconfia das intenções do rei dos deuses. Não passa pela cabeça dela que os seres a quem elas adoram poderiam ser capazes de atitudes tão desprezíveis e mesquinhas. Dignas do pior tipo de ser humano. Quando Zeus tenta forçar Diana a ter relações sexuais com ele, até mesmo Hera se levanta contra seu marido. Perez nos traz lá na década de 1980 uma discussão sobre violência contra a mulher. A maneira como os homens enxergam as mulheres como objetos de prazer e não conseguem compreendê-las para além dessa acepção inicial. A cena é abjeta e Perez não recua no que deseja entregar. Lógico que as coisas ficam mais na insinuação porque essa é uma revista voltada para o público de todas as idades, mas as implicações são bem claras. Isso faz com que todas as amazonas se sintam sujas e indignadas que o seres a quem elas tanto veneram se revelaram ser porcos chauvinistas e homens que se assemelham àqueles que as violentaram no passado. Lembrar que Hércules estupra Hipólita de todas as maneiras possíveis na primeira edição. Todas elas passaram por violências desse tipo nas mãos das tropas de Hércules. Não acontecem cenas explícitas, mas, novamente o teor é bem claro. Inclusive tem uma cena lá no epílogo em que Hércules pergunta a Hipólita se Diana não seria fruto desse estupro. Mas, tal não era o caso, lembrando que na edição anterior, Artemis havia confirmado que Hipóllita estava grávida antes de se tornar uma amazona.
Achei todo o percurso do Desafio dos Deuses válido para essa discussão porque no fim das contas, Perez queria chegar no perdão e no arrependimento. Mostrar primeiro o quanto podemos ferir as mulheres com a violência, marcando-as para todo o sempre. Mas, que, ao mesmo tempo, precisamos ter a capacidade de perdoar mesmo os atos mais abjetos porque violência causa mais violência. É um ciclo interminável que pode nos marcar para sempre. Claro que isso precisa ser feito de coração, um ato de desprendimento e compreensão do que foi feito de errado. Antes do perdão, é preciso pedir desculpas, compensar pelo mal feito no passado. A obtenção do perdão vem ao lado de uma postura de respeito ao outro sexo. Depois de tudo o que acontece no arco de histórias, Zeus percebe que precisa tratar as filhas das deusas com deferência e igualdade. Colocar Hipólita e Hércules juntos em uma cena dramática foi um toque de gênio. Um dos desafios da própria Hipólita foi colocá-la diante de seu agressor, frente a frente. Era preciso superar e seguir em frente. Para Hércules, o desafio era a humildade de perceber o erro de seus atos. Em uma cena fabulosa que inverte um clichê do gênero, Diana aparece carregando Hércules nos braços, numa brincadeira ao príncipe salvando a princesa. Agora não... é o contrário.

Vale a pena mencionar também toda a campanha midiática que Myndi faz com Diana no mundo dos homens. A empresária procura transformar a Mulher-Maravilha em um símbolo pop vendendo blusas, braceletes e a própria filosofia de paz e compreensão dela. Tudo se torna uma mercadoria. O que começa como uma cruzada inocente para levar ao mundo do Patriarcado a palavra das amazonas vai sendo deturpado em um produto a fazer parte de programas de entrevistas, de slogans de propaganda e outras coisas. Quando Diana começa a perceber o que está realmente acontecendo, ela se decepciona. Até pela maneira como uma mulher se diminui frente a uma sociedade machista. Tem muito da ingenuidade de uma mulher que nunca viveu em uma sociedade tão demarcada assim. É impactante quando Diana joga isso na cara das personagens; senti como se ela estivesse falando com o leitor. Ou o como os jovens não se interessaram por um discurso de empoderamento que ela faz na escola de Vanessa. O que Perez quis dizer é que não estávamos preparados para esse discurso; não estávamos antes e certamente não estamos agora.
Poderia falar sobre a dra Minerva, mas a participação dela foi tão curtinha que tenho certeza que Perez deve voltar a ela em outra oportunidade. Uma bela edição com um arco icônico como esse. Vale muito o investimento e é o Perez dando vitalidade à personagem. Pensar que nessa época tudo o que sabemos sobre a Mulher-Maravilha ainda estava em construção diante de todo uma confusão de histórias pré-crise que não aprofundavam muito a personagem. Talvez a própria Diana fosse vítima de seus próprios Zeus editoriais antes e finalmente havia caído nas mãos certas.


Ficha Técnica:
Nome: Lendas do Universo DC - Mulher-Maravilha vol. 2
Roteirista: George Perez e Len Wein
Artista: George Perez
Arte-Finalista: Bruce Patterson
Colorista: Tatjana Wood e Carl Gafford
Editora: Panini Comics
Tradutor: Daniel Lopes e Paulo França
Número de Páginas: 180
Ano Publicação: 2016
Outros Volumes:
Vol. 1
Vol. 3
Vol. 4
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