Continuando a jornada iniciada no volume anterior, o pistoleiro acaba de entrar na cidade com o seu mais novo prisioneiro. Ao chegar lá, vai se deparar com toda uma mudança de valores e ver seu mundo ficar de ponta a cabeça.
Sinopse:
Ao chegar em Santa Cruz para receber sua recompensa, o pistoleiro se depara com uma nova ordem na cidade. Agora, suas convicções serão postas à prova com o surgimento de uma ameaça ainda maior, e ele terá que aprender que uma vez puxado o gatilho... há consequências.
Legado é uma continuação direta de Gatilho, uma HQ que eu adorei e remetia aos western spaghetti da década de 1970. Apesar de ser um volume 2, ela pode ser lida independente. Claro que para entender o todo da narrativa vai ser preciso ler o primeiro volume. Mas, fica a critério de cada leitor. Só de oferecer essa possibilidade, Legado já entra na minha lista de HQs acima da média. Porém, preciso dizer que o primeiro volume tinha uma narrativa e um ritmo melhor. A arte do Pedro Mauro continua magnífica. Então, como avaliar essa história?
Antes de mais nada, vamos ao roteiro. Nesse segundo volume, Estefan não usou das estratégias narrativas do primeiro. Dessa forma, o roteiro teoricamente ganharia em velocidade e dinamismo. E funcionou até certo ponto. Faltou um pouco da empatia que sentimos em Gatilho. Como a narrativa é mais complexa e envolve um debate político, o leitor precisa entender os meandros daquilo que está sendo apresentado. Ou seja, saber quem são os atores, como funciona a política e quem vai se beneficiar do que. Isso envolve desenvolvimento e nas quase sessenta páginas não houve espaço para imprimir a ação frenética do primeiro volume com os temas profundos do segundo. Aqui o roteiro não funcionou bem, mas é perceptível que existe um arco maior a ser concluído no próximo volume.
Se o roteiro do Estefan não teve um resultado perfeito, a arte do Pedro Mauro continua enchendo os olhos. Acredito que está até melhor do que o primeiro volume. Um dos pontos altos nas duas HQs é a química perfeita entre autor e artista. Isso continua presente aqui. O autor entende quando é o momento para deixar o artista brilhar. Isso causa uma economia no roteiro, ao mesmo tempo em que produz um efeito curioso: as páginas desenhadas pelo Pedro Mauro falam tanto quanto as palavras do Carlos Estefan. Tenho certeza, leitor, que você vai se deter por alguns minutos nas páginas criadas pelo artista. Eu fiz isso. Legado começa com cinco páginas desprovidas de qualquer diálogo. E é um dos inícios mais geniais que eu vi em quadrinhos nos últimos anos. Cada quadro do Pedro Mauro fala volumes sobre o mundo criado por ele e Estefan. Imaginem um filme de western com uma câmera pousada no horizonte e ela vai descendo. Primeiro, ela mostra o deserto em todo o seu aspecto mortal. Depois, ela segue em direção a algumas patas de cavalos e mostra uma caravana chegando. Depois ela sobe uma colina e dá uma tomada da cidade para se fixar na praça central onde algo está acontecendo. Essa é a sequência inicial. E é de tirar o fôlego.
Legado fala muito de corrupção, política e o quanto ela afeta os mais necessitados. O nosso pistoleiro tem a visão de um caçador de recompensas. Pensando ser um justiceiro, ele caça bandidos, entrega à justiça e recebe seu dinheiro. Nada mais fácil do que isso. Só tem um problema: à medida em que o Velho Oeste vai sendo civilizado, as relações entre as pessoas vão mudando. Políticos vão se formando, governos surgindo e as disputas não podem mais ser resolvidas por um duelo de armas. A justiça agora segue toda uma burocracia onde nem sempre a justiça é feita. Nosso pistoleiro pensava que o mundo era simples e vai percebendo na narrativa que as coisas nem sempre são claras.
O outro grande tema é o da redenção. Isso porque nosso pistoleiro busca uma forma de expiar o seu passado. Um mundo mais simples e primitivo que acabou tornando-o quem ele é. Ao mesmo tempo ele se questiona se ele vai se tornar o que seu pai acabou se transformando. Ao presenciar tanta injustiça, passará ele para o outro lado. Há algumas insinuações sobre isso feitas pelo governador local. Ao tentar defender uma comunidade de desfavorecidos, a tragédia acaba voltando a bater em sua porta. Essa injustiça em um mundo cruel acaba por destruir parte do sentimento do pistoleiro de que é possível mudar o mundo. E é com esta visão pessimista sobre o destino daqueles que lhe são caros que ele vai partir para um confronto perigoso. Ao final da narrativa temos um final bem melancólico ao mesmo tempo em que nos joga para uma possível situação no volume final.
Apesar dessa HQ ser um pouco inferior ao primeiro volume, tanto roteiro quanto arte são acima da média. É que Gatilho é uma história que realmente nos impacta por tudo o que está presente nela. Contudo, a arte do Pedro Mauro está melhor aqui. Algumas tomadas de cena são dignas de cinema. Se você curte histórias de western ou se você é apenas fã de bons quadrinhos, Legado é obrigatório.
Ficha Técnica:
Nome: Legado Autor: Carlos Estefan Artista: Pedro Mauro Editora: Auto-Publicado Gênero: Western Número de Páginas: 68 Ano de Publicação: 2018
Outros Volumes:
Redenção (vol. 3)
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