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Foto do escritorPaulo Vinicius

Resenha: "Klaus" de Grant Morrison e Dan Mora

Ao retornar à cidade de Grimsvig após anos vivendo na neve, Klaus chega a uma cidade completamente diferente. Adultos explorados nas minas, crianças sem poder brincar e um tirano cobrando impostos abusivos. Klaus não consegue ficar parado observando tanta injustiça.



Sinopse:


Em um passado fantástico e sombrio, cheio de mitos e magia, Klaus conta a origem do Papai Noel - a história de um homem e seu lobo contra um estado totalitário e o mal ancestral que o sustenta.


O premiado autor Grant Morrison (Grandes Astros: Superman, Multiverso DC) e o artista Dan Mora (Hexed) renovame reinventam um super-herói clássico para o século XXI e Klaus pode ser considerado um “Papai Noel: Ano Um” que finalmente responde à pergunta: o que o Papai Noel faz nos outros 364 dias do ano?





De uma coisa podemos ter certeza: Grant Morrison é o típico autor que foge do senso comum. Mas, para quem espera algo extremamente cerebral como outras de suas publicações, vai se decepcionar um pouco. Embora ele saia bastante do roteiro de uma narrativa natalina, muitas ideias são adaptadas da lenda original do Papai Noel. Nessa HQ você vai ter aventura, magia e algumas insanidades típicas da mente deste roteirista que revolucionou as histórias em quadrinhos.


A ação começa com Klaus chegando à cidade de Grimsvig. Logo, ficamos cientes de que alguma coisa o afastou da cidade por muitos e muitos anos. Ele pouco conhece da cidade atual e precisa se atualizar sobre os últimos desdobramentos. Infelizmente, Grimsvig não é mais a mesma. O novo barão está usando sua autoridade para levar o medo e o terror à cidade. Os adultos estão sendo levados a uma mina para extrair carvão até caírem mortos. O motivo dessa extração é desconhecido entre os moradores da cidade. As crianças estão proibidas de brincar porque o filho do barão está com a saúde abalada (só que não) e não pode sair do castelo. Todo e qualquer brinquedo que elas possuírem deve imediatamente ser dado ao jovem. Este é um menino mimado que deseja mais e mais brinquedos e tem uma vida melancólica dentro das muralhas. A rainha Dagmar se apagou para o mundo ao ver que seu marido é um ser maligno e feroz que parece ouvir vozes em sua cabeça. Klaus poderia ir embora, mas não suporta ver como até as crianças são infelizes nesse reino. É aí que ele começa a distribuir presentes para que as crianças tenham um mínimo de felicidade. E isso vai fazê-lo entrar em rota de colisão com o barão.


Grant Morrison foi muito feliz em sua adaptação da história do Papai Noel. Ele simplesmente deu um novo significado a uma série de lendas e contos sobre a figura. Óbvio que colocar a imagem de Noel lado a lado com um tipo de Conan do gelo é meio exagero, mas vamos ver que o roteiro não funciona bem por aí. Klaus não é exatamente um lutador e as ideias giram mais em retirar o povo de uma situação desesperadora. Vários pequenos detalhes ajudam a entender os mitos do Natal: a necessidade de Klaus de entrar pelas chaminés, de que maneira Noel chega tão rápido aos lares das crianças, as árvores repletas de luzes. Tudo tem uma explicação plausível. Claro, não são as ideias originais, pois veremos em Vida e Aventuras de Papai Noel, escrito por L. Frank Baum como os mitos originais se desenvolveram. E é óbvio também que se a ideia é seguir uma narrativa aventuresca, Morrison teria que criar algum antagonista para Klaus. Alguém que não fosse necessariamente humano. E os leitores vão ficar surpresos sobre que figura Morrison tirou da cartola. No mais, eu gostei de como o autor distribuiu bem os capítulos com trechos inteiros onde ele emprega com habilidade a arte de Dan Mora e outros em que ele usa bem o recurso da virada de página, sempre nos deixando com tensão sobre o que vai acontecer a seguir.



Um dos pontos altos desse quadrinho é a arte do Dan Mora. Ele está arrasando nas páginas de Klaus. Em alguns momentos pode até ser que o design de personagens parece meio estranho, mas ele combina demais com o tipo de história que o Morrison queria entregar. Apesar de eu achar o Klaus bombadão demais, mas essa foi a ideia que o autor quis e o desenhista apenas entregou o que foi criado. Achei os cenários riquíssimos em detalhes. Dá para perceber que o Mora pesquisou bastante sobre construções nórdicas. As casinhas típicas mescladas a um ambiente medieval de camponeses e nobres. Até mesmo detalhes sobre o Yuletime, ou seja, o natal nórdico estão ali como as luzes, a comida e as decorações. A palheta de cores usada por Mora se divide em dois tipos: uma com cores mais frias representando a melancolia e a desolação do tempo presente e uma mais na cor terra representando os flashbacks. Isso produz um efeito sensacional. Mais para o final ele muda para uma ambientação mais infernal quando o verdadeiro antagonista surge diante dos personagens.


O enquadramento usado por Mora também está incrível. Ele não vai inventar a roda e até usa algo bem típico, entre 4 a 6 quadros por páginas. Mesmo assim, os quadros fazem sentido. Nada é despropositado ou exagerado. Se tem splash pages? Com certeza. Mas, sem um uso repetido e cansativo, apenas para cumprir seu propósito. Alguns momentos do Klaus sendo incorporado por espíritos do gelo são belíssimos. Há uma mescla de misticismo e das cores da aurora boreal. Aliás, tinha que ter um momento lisérgico na HQ do Morrison, né? Ele não resiste. De qualquer forma, são momentos em que o Mora consegue explorar todas as cores possíveis, rendendo belos quadros. Os espíritos do gelo me lembraram demais os espíritos vagantes presentes no filme A Viagem de Chihiro, do Hayao Miyazaki. Não sei se houve uma inspiração aí.


No lado da tradução feita pela Mythos também não achei nada que tivesse algum problema. A tradução está boa e o letramento está adequado. Acho que a HQ não oferece tantos desafios no letramento, então só traduzir e reposicionar estava ótimo. Minha reclamação está em uma oportunidade perdida pela editora. Eles poderiam ter colocado um glossário ao final com as expressões mais diferentes presentes na narrativa e talvez uma matéria extra caso a licença permitisse. Fica aquela sensação de que poderia ter sido algo mais e no entanto é uma HQ até subestimada dentro do catálogo da editora.


Temos vários personagens em desenvolvimento no decorrer da narrativa. Começando pelo próprio Klaus. Embora ele seja a imagem do Noel que conhecemos, a HQ funciona como um início de sua vida como essa criatura mitológica. O motivo pelo qual ele inicia a sua tarefa de distribuir presentes de Natal para as crianças ou como ele vai adquirir poderes mágicos. A divulgação da HQ fala muito de ela ser um "Ano Um " do personagem e de certa forma até e. Isso porque ele precisa descobrir as motivações que o levam a agir, como ele se liga ao reino de Grimsvig e ao final ele se torna um personagem do mundo e não apenas de uma cidade. Vemos que ele tinha uma origem desconhecida desde quando era pequeno, e parece ter sido abençoado pelo mundo selvagem. Suas interações com as pessoas revelavam o quanto ele tinha uma boa índole e um desprendimento sobre si mesmo. Mas, devido a uma fatalidade ele acaba deixando para trás tudo aquilo que ele aprendeu a amar e passou a viver no mundo estranho do gelo.



Dagmar e seu filho também são personagens importantes para a história. A personagem parece apagada no começo, mas logo vamos entender as razões por trás dessa apatia. Apatia essa compartilhada por toda a cidade que, devido à exploração do barão, perdera as esperanças de dias melhores. Somente quando Klaus começa a distribuir presentes pela cidade é que estas esperanças vão renascer e é como uma ferida que fica por muito tempo anestesiada: ela começa a doer duas vezes mais. A revolta contra a exploração do barão se torna cada vez mais evidente e Dagmar sabe que alguma coisa do seu passado parece estar agindo na cidade. Talvez seu maior pecado realmente tenha sido escolher o lado errado na questão, o que levou a uma série de desdobramentos ruins. E o preço a ser pago pode ser alto demais para ela.


Achei a ideia do antagonista bizarra demais para o meu gosto. Gostei quando a narrativa seguia um ritmo mais íntimo entre o trio de protagonistas (o barão, Dagmar e Klaus). Inserir um elemento mágico faz parte de toda a ideia natalina por trás da história. Quando tem um grande vilão malzão no final, achei que a história perdeu um pouco o prumo. Mas, a progressão narrativa é boa com obstáculos a serem superados e conquistas sendo realizadas pelo personagem. A gente nota essa progressão e o personagem se desenvolve internamente e conhecemos mais e mais sobre ele.


Klaus é uma boa história natalina. Não é o melhor que veio da mente do Grant Morrison, mas ela consegue entregar uma releitura honesta sobre o mito do Natal. O autor juntou vários elementos da cultura nórdica e pagã para construir algo que fizesse sentido para o leitor e pudesse ser lido na atualidade. Tudo é muito coerente com as lendas sobre o personagem. Não curti muito os capítulos finais porque não vi necessidade da inserção daqueles momentos. Era possível fazer o antagonista pagar sem inserir alguma outra coisa. A arte do Dan Mora está sensacional. Um cuidado com o detalhamento, o sentido das cores e o design de personagens. Mora fez um Papai Noel bombadão ser crível.














Ficha Técnica:


Nome: Klaus

Autor; Grant Morrison

Artista: Dan Mora

Editora: Mythos

Tradutor: Kleber de Souza

Número de Páginas: 208

Ano de Publicação: 2017


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