O Dr. Eric Sweetscent é um médico que trabalha com artificiórgãos para Virgil. Um dos melhores no ramo. Ele é convocado para lidar com Gino Molinari, o líder de seu mundo em uma guerra sem fim contra alienígenas. Ao mesmo tempo ele precisa lidar com o seu casamento fracassado. No meio de tudo, surge uma droga chamada JJ-180 que causa estranhas reações em quem a utiliza.

Sinopse:
O dr. Eric Sweetscent está em apuros. Seu planeta está enredado em uma guerra intergaláctica; sua esposa é letalmente viciada em uma poderosa droga com efeitos colaterais estranhos; e seu novo paciente não é apenas o homem mais importante da Terra, como talvez o mais doente.
Em meio a uma crise interplanetária, onde nada é exatamente o que parece, Eric se torna o médico pessoal do secretário-geral Gino Molinari, que transformou suas misteriosas doenças em um instrumento político ― e Eric já não sabe se seu trabalho é curá-lo ou apenas mantê-lo vivo. Navegando entre o impossível e o inevitável, Philip K. Dick nos apresenta um futuro onde a realidade é uma superfície terrivelmente tênue, multifacetada ― e faz com que o leitor repense tudo o que sabe sobre o tempo.
Este é mais um romance de ficção científica do autor que lida com viagem no tempo. O curioso é sempre imaginar como qualquer romance do Philip K. Dick lida com drogas psicotrópicas. Aqui ele adota um tom bem curioso abordando temáticas políticas e sociológicas que eu não havia visto em outros trabalhos dele. Por essa razão, Espere Agora pelo Ano Passado é um material que vale a pena ler.
A escrita de Dick continua no mesmo tom de outros trabalhos: ele começa apresentando os personagens, depois derruba o nosso chão para em seguida evoluir na estranheza pouco a pouco. Nem sempre os finais são satisfatórios porque o objetivo do autor não se situa no desenvolvimento dos personagens ou sequer no desenrolar da narrativa. Quase sempre Dick se focava na exploração das ilusões causadas pelo uso de drogas psicotrópicas. Diferentes personagens em diferentes situações geravam diferentes resultados. Podemos ver que nenhuma das ilusões que ele criava continham os mesmos elementos: Ubik funcionava naquele universo vintage, Palmer Eldritch ficava nos recantos da mente, Valis explorava ilusões quase reais a partir de uma semi-biografia. A narrativa do livro é em terceira pessoa a partir de dois pontos de vista: a do dr. Sweetscent e até mais ou menos um terço da obra tínhamos trechos focados em Kathy. Depois Kathy desaparece e ficamos só com o protagonista.
“O problema com garotas assim, pensou, é que envelhecem muito rápido. O que se diz por aí é verdade: aos trinta anos estão gastas, gordas, o sutiã e o casaco e a bolsa já desapareceram e tudo que resta são os olhos negros e ardentes por baixo das sobrancelhas grossas, enquanto a criatura esguia de antigamente continua aprisionada lá dentro em algum lugar, mas é agora incapaz de erguer a voz, de brincar, de fazer amor, de fugir correndo. O estalido dos saltos no calçamento, o impulso que as arremete de encontro à vida, tudo isso já se foi, deixando para trás apenas o som de algo que se arrasta e que chafurda”.
A edição da Suma está muito bonita seguindo o padrão estabelecido por O Tempo Desconjuntado. A imagem de capa é bem psicodélica tentando trazer à tona um pouco do que o autor tenta dar vida em suas obras. Ou seja, se trata de uma edição luxuosa, seguindo a ideia de uma coleção com outros volumes programados para 2019 e 2020. A tradução foi feita por Bráulio Tavares, um autor especialista nos escritos do autor, o que já nos garante uma obra que vai atender à mensagem que ele queria dizer. Novamente eu senti falta de algum extra. Uma edição de colecionador tende a ser uma edição definitiva, ou seja, o departamento editorial poderia ter incluído alguma matéria sobre o livro, uma entrevista do Dick ou até mesmo pedido ao Bráulio ou a outro autor ou crítico que curtisse o autor algum tipo de prefácio. Daria um valor maior ao trabalho.

O dr. Sweetscent é um personagem que eu abomino. Preciso tirar isso do peito logo porque poucas vezes eu detestei tanto um personagem. E o pior é que eu não sei se a ideia do Dick era criar um personagem "odiável". É preciso lembrar que Eric é o protagonista direto da narrativa. Narcisista, egocêntrico, adúltero, machista. Cito mais alguns defeitos? Vou tirar uma das temáticas principais e depois a gente vai trabalhando as outras. A relação entre Eric e Kathy é uma das molas propulsoras da narrativa. Desde o começo vemos que se trata de um casamento de comodidade entre duas pessoas que tinham formas distintas de enxergar um ao outro. Enquanto Kathy parecia de fato amá-lo de coração, Eric só enxergava em sua esposa uma fonte de dinheiro e status. À medida em que a relação deteriorava, ele passou a ter uma atitude de indiferença em relação à sua esposa. O curioso é que Kathy é uma mulher bonita e atraente, mas Eric apenas enxerga outras possibilidades. Logo de cara ele se interessa por Phyllis Ackerman (primeiro capítulo isso) e tem relações extra-conjugais. Mesmo com tudo o que acontece a ele ao longo da narrativa, Eric nunca vai enxergar Kathy como uma parceria, mas como um fardo. Algumas pessoas vão argumentar que no final ele paga pelos seus erros, mas eu não acredito nisso. O personagem não se arrepende de seus atos ou sequer cresce como pessoa a partir daquilo que ele vê acontecer a si mesmo e àqueles ao seu redor.
“Como podemos chegar a uma convivência pacífica? Os reegs, estranhamente, tinham uma resposta. Sua resposta era o equivalente a: Vivam e deixem viver.”
Gino Molinari aparece como um estrategista político na narrativa. Como diz na sinopse, ele usa sua doença para obter vantagens políticas frente a uma guerra iminente que está para acontecer tendo a Terra como campo de batalha. Neste universo criado por Dick temos duas raças alienígenas interagindo com os seres humano: os Starmen, uma civilização avançada e com objetivos militaristas, sendo os principais aliados dos seres humanos e os reegs, uma raça de seres insetoides com vida efêmera e dificuldade para se comunicar. Os Starmen estão em guerra com os reegs e querem derrotá-los a qualquer custo. Molinari não deseja a guerra, mas ela se apresenta como uma obrigação. Vamos vendo todo o tipo de artimanha política sendo empregada. O legal aqui é como Dick dá uma rasteira no leitor ao dar pistas sobre uma situação quando na verdade o que está acontecendo é algo completamente diferente. Ficamos imaginando Molinari como um homem frágil e excêntrico quando o controle da situação está em suas mãos. Eric é chamado para cuidar dele e vai se questionando se vale ou não a pena curá-lo, já que a doença é parte de sua estratégia política.

A droga JJ-180 acaba sendo empregada mais como um elemento de enredo do que propriamente algo a ser levado a sério. Isso porque as condições de uso da droga se alteram no final. Eu gostaria de ver a droga sendo trabalhada em todos os seus riscos e problemas. Quando ela deixa de ser um vício para se tornar uma ferramenta, ela perde o perigo e o sentido. Mas, eu sempre esqueço que o próprio autor não entende drogas psicotrópicas como um vício, mas como um meio para se atingir uma iluminação.
As personagens femininas são vistas de uma forma muito estranha na história. Mary Reineke é encarada quase como um objeto para lidar com Molinari. A gente sequer conhece muito a seu respeito. Ela é aquela que levanta Molinari do seu estupor. Mas, só isso? A personagem foi praticamente encomendada para estar com o grande líder. Ela é uma italiana brigona... mas, continua a ser só isso? A personagem é unidimensional em tantos níveis que chega a ser agressivo. Quando a Kathy, ela é uma personagem injustiçada e sofrida ao longo da narrativa. A postura liberal e permissiva dela vem da indiferença de Eric em relação a ela. Embora Dick dê pistas de que ela possa ter tido relações fora do casamento, eu não creio porque a gente não tem nada concreto. A relação de Eric e Phyllis e o desejo de Eric por Mary é bem claro... já as situações com Kathy são mais insinuadas. A personagem perde toda a sua agenda quando se vê vítima de drogas e a perseguição dela por Eric acaba se tornando desesperadora ao invés de bela. O único fato redentor à relação dos dois personagens é a conversa franca que eles tem lá no final da narrativa, mas quando chegamos lá a personagem está completamente devastada por tudo o que se passa com ela.
Espere Agora pelo Ano Passado é uma boa obra de ficção científica com elementos de viagem no tempo. Daria para fazer mais uns comentários sobre Guerra Fria e como o autor enxergava a relação entre EUA e URSS, mas vou deixar para outra matéria. Essa é uma obra também que é o espelho da maneira como os autores de ficção científica encaravam a presença feminina nas narrativas: nula. Por outro lado, as ideias acerca de viagem no tempo (e outra coisa que eu não posso dizer porque seria spoiler) são sensacionais. Demonstra toda a criatividade e inventividade do autor. É uma obra que vale a pena a leitura, dados os devidos cuidados.


Ficha Técnica:
Nome: Espere Agora pelo Ano Passado
Autor: Philip K. Dick
Editora: Suma (no Brasil)
Tradutor: Bráulio Tavares
Gênero: Ficção Científica
Número de Páginas: 296
Ano de Publicação: 2018
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*Material enviado em parceria com a Editora Suma
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Eu pessoalmente discordo da sua visão em certos pontos da obra, em especial sobre Dr. Eric Sweetscent.