Miyu é uma jovem mulher que vive sozinha e precisa se virar com os problemas que a vida lhe traz. Ela encontra o gato Chobi que se torna seu companheiro de todos os dias. A história nos é narrada pelo ponto de vista de Chobi, entre alegrias e tristezas de sua dona, compartilhando diversos momentos com ela.
Sinopse:
“Era um dia de chuva,no começo da primavera.Eu fui acolhido por ela.” Um gato e uma garota que mora sozinha se conhecem na primavera… ao viver sozinha, ela aprende a alegria e a solidão de ser independente, enquanto o gato, que recebeu o nome de Chobi, descobre a existência do mundo através dessa garota. O tempo desses dois passa lentamente, mas a severidade do mundo acaba por alcançá-la…
Esse mangá representa um pouco daquilo que é a vida adulta para nós. As responsabilidades, as dificuldades, a vontade de largar tudo. Todos nós sentimos isso um dia. Quantos de nós já não passamos por momentos de crise onde a vida perde o sentido. Mesmo quando vivemos com outras pessoas. Aquele momento de se lembrar de como a vida era mais simples em um passado agora distante. Makoto Shinkai é aquele tipo de autor que gosta de trabalhar estes temas mais melancólicos, e Ela e o seu Gato não ficam para trás, trazendo um roteiro bem mais pé no chão no qual qualquer um de nós consegue se identificar. Isso sem falar no Chobi, o gatinho da Miyu. Quem não curte histórias com bichinhos?
Miyu é uma garota que vive sozinha e tem um trabalho que exige muito de si. Sua mãe se preocupa muito com ela e, aparentemente, ela está a caminho de uma vida com outra pessoa. Mas, Miyu tem uma vida complicada, principalmente porque uma forte solidão habita o seu coração. Ela não consegue se relacionar direito com as pessoas e tem dificuldade de iniciar conversas mesmo com pessoas conhecidas dela. Chobi é um gatinho que Miyu encontrou embaixo de uma ponte dentro de uma caixa de papelão. A menina leva o gatinho para casa e isso é o começo de uma gostosa amizade entre eles. No passar das estações, vamos vendo as dificuldades da vida adulta e como isso impacta uma pessoa tão solitária como a protagonista. E Chobi estará lá para acompanhar tudo, tentando demonstrar seu amor e carinho por aquela que lhe abrigou.
O roteiro de Shinkai é bem simples de entender e não há grandes mistérios na forma como ele é posto para o leitor. O que eu gosto do mangá é que Shinkai não nos dá todas as respostas. Ele deixa algumas coisas no ar, exigindo do leitor que ele deduza e monte os acontecimentos a partir de suas próprias obrigações. Isso pode ser um ponto positivo e negativo ao mesmo tempo até porque algumas situações ficam mal explicadas e estranhas. Quando uma lacuna de informação acaba prejudicando o todo. Por exemplo, a mãe da Miyu se separou de seu pai ou ele está morto? Não é uma informação completamente relevante para os acontecimentos em si, mas ajudaria a entender o estado de espírito da garota. A narrativa se desdobra em um ano de vida da personagem sendo que cada capítulo representa uma estação do ano. Foi uma maneira criativa de separar a história até porque ela revela um pouco como está o humor da personagem em cada momento.
A arte de Tsubasa Yamaguchi é linda e combina perfeitamente com a história. Os traços arrojados e repletos de expressividade nos ajudam a entender mais a personagem e seu entorno. Sério, fiquei abismado com como ele consegue ser tão detalhista. É simplesmente algo que não esperava até porque não conheço o seu trabalho. Para termos uma ideia boba do quanto ele é preciso, com o passar do tempo na história vamos nos acostumando a todas as nuances do apartamento da Miyu até o momento em que conhecemos de memória tudo o que está ali. Ou o fato de o artista desenhar cada detalhe dos cabelos rebeldes da protagonista. Algo bem difícil de se fazer. Ou como ele consegue trabalhar bem a questão da luz e da escuridão na história. O quanto o apartamento é bem iluminado, mas em certos momentos, ele escolhe usar uma sombra sendo projetada no quarto para demonstrar alguma cena melancólica. Sua quadrinização também é bem legal com Yamaguchi frequentemente reduzindo a quantidade de quadros por páginas (2, 3 ou 4 quadros) permitindo à sua arte se espalhar pelos quadros. Fiquei um pouco chateado que a Newpop preferiu adotar um tamanho menor para o mangá (menor até do que os mangás comuns) e isso acabou apertando os quadros. Gostaria de ver a arte dele mais solta e com sobras.
Shinkai usou um recurso bem legal que foi o de usar o Chobi como o narrador da história. Temos a história de Miyu que teoricamente é a protagonista pelos olhos do seu animal de estimação. E ele procura descrever bem os acontecimentos e as sensações que ele tem ao observar sua dona. As falas são bastante poéticas com o leitor sendo levado a acreditar que Chobi ama sua dona, no sentido de um homem gostar de uma mulher. Tanto que isso é motivo de uma briga entre Chobi e sua namoradinha, Mimi. Alguns momentos são belíssimos e arte e roteiro conseguem nos entregar de fato essa percepção de amor entre os dois personagens. Ao mesmo tempo isso me incomodou um pouco porque Chobi não tem exatamente as reações de um gato. Determinadas falas são as que um ser humano teria frente a outro. Nada contra uma narrativa com um gato nos mostrando os acontecimentos, desde que estes fiquem restritos às suas percepções absorvidas pelos seus sentidos. Quando o roteiro deixa de ser sensorial, me pareceu que Shinkai humanizou demais o Chobi. E isso provoca interpretações bastante estranhas.
No Japão dos dias de hoje situações como a de Miyu são bastante comuns. Pensemos que ela é uma pessoa que vive sozinha e trabalha para sobreviver. E o Japão ainda é um país bastante arraigado em uma cultura tradicional onde a mulher não tem voz ativa no mercado de trabalho. Nossa protagonista é uma mulher independente, mas essa liberdade veio com um sentimento de solidão atrelado. Tem algumas falas da Miyu que refletem isso como se ela conseguirá se manter sozinha daqui a alguns anos ou se ela realmente precisa de um marido para continuar vivendo. De certa forma, o leitor fica preocupado com a protagonista mais em relação a ela não ter companhia. A rotina de trabalho a afeta duramente e não ter ninguém esperando por ela em casa é triste. Chobi acaba se tornando essa pessoa que a espera em casa. Mas, sabemos que só isso não é o suficiente. A falta de calor humano faz dela uma pessoa triste. E Chobi percebe isso em seu olhar. Aliás, esse contexto independente é um mal que afeta as grandes cidades. Milhares de pessoas vivem esse tipo de situação diariamente. A necessidade de ganhar dinheiro, conquistar uma posição social, se sustentar sem precisar de ninguém. Isso cria essas bolhas em que temos pessoas que estão sozinhas por uma opção. E as dúvidas que Miyu tem são as mesmas de outras.
Outro elemento de roteiro que eu gostei bastante é o quanto a narrativa tem poucos diálogos. Isso reflete muito o espírito narrativo pensado por Shinkai. É uma protagonista que mora em um apartamento com um pequeno animal de estimação. Vemos somente uma outra personagem na história, além da mãe no telefone. Com isso a narrativa ganha uma eterealidade ainda maior. E permite à arte de Yamaguchi mais espaço para brincar. Ela e o seu Gato é uma pequena pérola que gostaria de ver mais pessoas entrando em contato. A narrativa é meio triste, porém para amantes de gatos é deliciosa. Para mim que já tive um gato quando era mais jovem, ele era exatamente isso o que Miyu faz com ele: um confidente, um amigo, um cúmplice.
Ficha Técnica:
Nome: Ela e o seu Gato
Autor: Makoto Shinkai
Artista: Tsubasa Yamaguchi
Editora: NewPop
Gênero: Slice of life/Fantasia
Tradutora: Karen Kazumi Hayashida
Número de Páginas: 216
Ano de Publicação: 2019
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