O casal Mary e Ned Boyne adquirem uma casa em Dorcestershire. Mas, eles fazem questão que sua casa tenha um fantasma caso contrário não haveria graça em adquiri-la. Mas, sua amiga Alida os avisa que o fantasma que existe nessa casa pode parecer imperceptível, mas somente depois será possível entender suas reais intenções.
Sinopse:
Eles só queriam a casa se fosse assombrada. Após o desaparecimento do marido, Mary Boyne entra numa sombria jornada para encontrá-lo.
Diferentemente de outras Relíquias Literárias da editora Wish, Depois é uma novella, portanto, um pouquinho maior do que um conto. Nele, vemos a habilidade de Edith Wharton de pensar uma histórias de fantasmas. A história nos traz o casal Ned e Mary Boyne que adquirem uma casa na região de Dorcestershire, na Ingletarra. Depois de muito tempo lutando pelo seu ganha-pão, Ned faz um ótimo negócio e consegue um pouco de tranquilidade para ele e a esposa. Assim como em outras casas inglesas, o casal faz questão de que sua casa tenha um tempero a mais. Que ela tenha algum tipo de fantasma, para dar ao espaço algum tipo de história apavorante para poder compartilhar com os amigos. Mas, o casal pode ter conseguido mais do que pediram. Sua companheira Alida, reponsável por encontrar a casa para eles, lhes dá um aviso de que o fantasma dessa casa é um tanto quanto peculiar. Eles só saberiam o que ele queria muito tempo depois. O casal segue para a casa e pensa estarem felizes até que um dia Ned desaparece sem deixar vestígios. Tudo o que Mary sabe é que ele se encontrou com um estranho homem antes do ocorrido.
Essa é uma história bem típica do século XIX. Se você já foi capaz de ler histórias de homens como E.T.A. Hoffman ou quem sabe Henry James. É uma escrita bem mais descritiva e contextual. O leitor acaba sendo levado até o local onde a história se realiza e a narradora procura nos deixar incomodados com alguma coisa. Não chega a ser um terror gore, mas é muito mais aquele temor de estar vendo alguma coisa que não deveria estar ali, ou um personagem fora do lugar. Por essa razão, é essencial para a autora nos fazer entender como é a rotina da vida daqueles que moram naquele lugar. O que fazem, quando realizam suas refeições, quem trabalha na casa. Ao estabelecer essas bases, o terror fantasmagórico está em bagunçar essa rotina, inserindo elementos extras ou atrapalhando a realização de alguma das atividades. A partir da disrupção, a autora vai tentar encontrar uma maneira de sanar o problema, só que este não pode ser alcançado já que o status quo já foi alterado.
Gosto de como Wharton fornece um papel de protagonismo para Mary. Ela não é exatamente uma mulher submissa e procura se envolver nos negócios do marido. Estamos falando do início do século XX quando a mulher ainda buscava estabelecer seu espaço na sociedade. Mary é inteligente e observadora e quando imaginamos que ela vai se contentar com alguma situação, ela passa a pensar fora da caixa. Quando seu marido desaparece, é Mary quem conduz diretamente as investigações e procura pensar em todos os detalhes sobre os últimos dias de seu marido. Ela analisa ponto a ponto e sai para interrogar os empregados da casa para poder criar uma linha do tempo sobre o que pode ter acontecido. Ela não se incomoda sequer em investigar entre os documentos de seu marido, algo completamente anormal na época em que o espaço da mulher na sociedade era bem reduzido. Mary não é nenhum exemplo de mulher tipicamente vitoriana que suspira pelos cantos e aguarda um casamento. Ela é pró-ativa, inteligente e ganha o protagonismo da trama rapidamente.
A ideia de fantasma nessa história é a daquele que busca vingança por conta de uma injustiça cometida. Mais do que isso, ele é uma presença, alguém que faz o ser vivo realizar alguma ação. Sua assombração está no fato de que ele está ali e a vítima vai ser o alvo de suas maldições. Wharton não revela exatamente o que acontece com a pessoa afetada pelo fantasma, deixando várias coisas para serem interpretados pela imaginação do leitor. É bem diferente do que estamos acostumados a ver nos dias de hoje com os temas da possessão ou até de afetar fisicamente aqueles que são assombrados. Penso que Wharton mais insinua a ação dos fantasmas do que mostra e talvez essa insinuação fosse bem terrível para as pessoas na época. Como temos acesso a um conteúdo mais audiovisual atualmente, perdemos um pouco dessa habilidade de imaginar cenas apresentadas em livros. Outro ponto importante é que a ideia do fantasma estava bem impregnado na cultura inglesa, com as mansões assombradas sendo bastante comuns. Isso vinha do fato de que algumas dessas grandes casas pertencerem a famílias que se estenderam por inúmeras gerações. Era normal imaginar que a morte trágica de algum familiar possa ter deixado uma marca no local. Essa marca poderia ser benéfica ou maléfica, mas os espíritos ainda não estavam descansando até que o que eles deixaram para trás fosse resolvido.
O meu incômodo com a narrativa é a facilidade com a qual Wharton se perde na história. Sua narrativa não segue uma linearidade e ela aborda assuntos e situações que não contribuem com o andamento dos fatos descritos por ela. Há uma repetição de falas inclusive com a personagem remoendo situações que ela já tinha resolvido antes. Esse excesso de aliterações me tirou com frequência da história. Ao invés de tornar a história mais interessante ao criar tensão para o leitor, o que acontece é que existe uma gordura desnecessária para o resultado final da história. Tem um momento frio na narrativa que se estende do último dia em que Ned está na casa até o interrogatório das empregadas da casa. A partir do momento em que a investigação toma mais corpo, a curiosidade acabou me tomando até as derradeiras explicações no final. Uma narrativa sem rumo se torna inócua se ela não mantém a atenção do leitor presa. É esse o cuidado que um autor deve ter ao criar um trecho que explore mais o clima e o humor da trama. Em uma história de fantasmas, é importante sim explorar o ambiente e em como essa criatura sobrenatural corrompe o que a cerca. Descrever as diferenças, apontar as ausências, destacar como os personagens se sentem diante de tudo isso. Só que é preciso equilibrar isso com levar a história em frente. É uma decisão bastante importante para o autor saber quando fazer uma coisa e quando mudar a perspectiva.
Depois é um bom exemplo de uma história com fantasmas empregando o clima narrativo de histórias vitorianas. Contudo, vale destacar a importância da inserção de uma protagonista feminista que sabe o que quer, que não é simplesmente decorativa para a história a qual ela participa. A virada narrativa no final é boa e destaca pequenos detalhes que são comentados aqui e ali na história. Só que isso vem como consequência de um tom meio lento da história em seu trecho central.
Ficha Técnica:
Nome: Depois
Autora: Edith Wharton
Editora: Wish
Tradutora: Carolina Caires Coelho
Número de Páginas: não informado (ebook)
Ano de Publicação: 2021
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