Nessa coletânea de histórias curtas, vários quadrinistas interpretam a vida e a obra de Poe em narrativas assustadoras.
Sinopse:
O escritor obcecado pela morte
Para celebrar os 210 anos de Edgar Allan Poe, reunimos os mais degenerados e soturnos quadrinistas que se embriagaram na obra do mestre da melancolia para criar oito histórias inéditas do mais puro horror mórbido.
Sob o olhar faminto dos corvos, o organizador Raphael Fernandes reuniu uma sociedade de roteiristas monomaníacos, formado por Dana Guedes, Murilo Zibetti, Antonio Tadeu, Larissa Palmieri, Airton Marinho, Gabriel Correia e Alexey Dodsworth. Cada palavra e frase redigida foi transformada em artes cheias de mistério e horror por Erick Pasqua, Eder Santos, Ioannis Fiore, Má Matiazi, LuCas Chewie, Ebá Lima, Flávio L. Maravilha e Tiago Lima. E a sufocante capa foi trazida à vida por Daniel Canedo.
Delirium Tremens de Edgar Allan Poe é uma coletânea de histórias em quadrinhos que vai martelar pensamentos obscuros nas profundezas de sua mente, como pregos em um caixão. Enterre-se nas sombras para nunca mais levantar.
A essência de Poe
Juro que eu subestimei em parte a coletânea. A gente tem inúmeras adaptações de Poe seja em quadrinhos ou em literatura. O autor é tão influente que se tornou legendário. Seus contos ou são adaptados fielmente ou inspiram outras histórias. Mas, a proposta de Delirium Tremens, apesar de focada no famoso autor, difere um pouco de outras tentativas. A proposta não é apenas adaptar histórias do autor, mas qualquer coisa relacionada a ele: seus hábitos, suas manias, suas ideias. Então vamos ter uma variedade enorme de histórias que não se prendem necessariamente ao literário e avançam por outras ideias como Butim que se inspira no medo de ser enterrado vivo de Poe.
Vários roteiristas e artistas foram chamados para participar deste título e eu queria me focar em alguns contos. Até para de certa forma não dar muitos spoilers dos outros contos. O primeiro deles, por coincidência, é o primeiro: Smile Away. O roteiro de Dana Guedes consegue capturar muito bem toda a estranheza do conto Berenice. Nele somos apresentados ao jovem Eduardo que tem uma fascinação por dentes. Aliás, o roteiro de Dana começa com uma cena bizarra envolvendo um enterro, a família chorando e Dudu debruçado sobre o cadáver de sua mãe concentrado em seus dentes. A partir daí a história mistura imagens insólitas que parecem surgidas de algum delírio esquizofrênico e a realidade da vida do jovem menino. Dana conseguiu captar tão bem a estranheza que me dava nervoso de olhar as cenas.
A arte de Erick Pasqua caiu como uma luva para o roteiro da Dana. Seus quadros variam do bizarro até o belo e sensual. Tem um momento onde o protagonista conhece uma linda e sensual mulher. O artista consegue criar uma mulher estonteante em contraste com a bizarrice do personagem principal. As cenas também são bem construídas com uma quadrinização competente e fácil de entender e com cenários que dizem muito sobre o roteiro e as sensações vividas pelos personagens. Apesar de Dana ter situado a história em São Paulo, ela poderia ter acontecido em qualquer lugar. Não há marcos específicos do mesmo. Também gostei do design de personagens em que cada um deles é bem específico: o protagonista estranho, a família indiferente, a bela mulher.
Murder é uma grande história investigativa. É óbvio que me fez lembrar na hora de histórias de mistério (algo nas raias de Agatha Christie), mas com uma pegada de terror. Minto: consigo imaginar perfeitamente uma narrativa policial do Garth Ennis. Uma história de mistério, com uma narrativa insólita e personagens bizarros ao lado de uma crítica social pungente. Não conhecia esse lado do Alexey Dodsworth e curti bastante. A história se aproveita da mística por trás de O Corvo em um cenário de ficção científica. Nós temos a personagem principal que é uma policial investigando uma série de assassinatos que envolvem os membros de uma rede de pedofilia. As vítimas morrem de formas bizarras, arrancando suas faces e se atirando do alto de edifícios. O que parece suicídio começa a não se encaixar. E é nessa contradição que os assassinatos vão se misturar com a própria infância da protagonista.
Confesso que a arte de Flávio L. Maravilha não me agradou muito. Entendo toda a ideia do estranhamento e dos flashes de ficção científica/terror, mas as cenas me parecem mais confusas do que aterrorizantes. Às vezes eu me pegava precisando olhar durante alguns minutos para a cena para realmente entender o que estava acontecendo nela. Ele mescla momentos de estranheza com a investigação policial. As cenas gore são repletas de detalhes grotescos que, novamente, acabaram não funcionando para mim. Porém, eu gostei do design de personagens. Me fez lembrar o Steve Dillon em seu trabalho em Preacher. Os contornos corporais bem trabalhados nas cenas reais e a preocupação com as expressões faciais. Seja susto, ira, surpresa...
E não tem como eu não falar de Butim, a última das adaptações de Delirium Tremens. A ideia de Raphael Fernandes é tratar do tema da narcolepsia e de ser enterrado vivo. Nesse sentido o Raphael foi muito feliz ao transmitir para os leitores toda a agonia de estar presente na sua própria autópsia e ver o seu corpo sendo revirado do avesso. Tem também a brincadeira de ser enterrado vivo que era um dos maiores medos de Poe. Podem ficar tranquilos que não dei spoiler de nada porque a história não é sobre isso. A narcolepsia é um instrumento para contar uma história de traição e crime. O protagonista é um velho rabugento cuja família não tem qualquer amor por ele, mas desejam o seu dinheiro como herança. Mas, o velho sempre manteve seu testamento em total segredo e ninguém sabe o que pode sair disso. O protagonista quer descobrir quem o matou. A forma como o autor escolhe fazer a narrativa é genial com ele apenas reagindo ao que as outras pessoas falam sobre ele. Esse é um daqueles roteiros que são quase impossíveis de serem adaptados se não forem uma combinação de arte e texto.
A arte de Tiago Palma é competente e consegue entregar aquilo que o Raphael havia imaginado. O artista se foca em representar bem as expressões dos personagens que cercam o nosso narrador. Isso porque se formos parar para pensar, os quadros são mais representações estáticas do que o protagonista está presenciando. As pessoas mudam e se movem ao seu redor, mas ele continua na mesma posição. É um eu-estático para um mundo em movimento. Tiago captou bem essa essência da história. A balonização também é importante porque é preciso diferenciar a fala do protagonista da fala dos outros personagens que estão vivos. Os cenários são comuns, mas o que chama a atenção é a variedade e os detalhes presentes nos desenhos. Gostei bastante e quero ver outros trabalhos do artista.
Não se deixem enganar: Delirium Tremens é uma bela HQ. Desde a preocupação e o cuidado com a edição aos contos que são de alto nível. A edição vem em capa dura e com uma bela jacket na frente em um papel de boa gramatura. A capa mesmo é com a ilustração sem o título e o nome da editora na frente para que o leitor possa apreciar a arte dela. Já o papel é couché 115g e com alto brilho ajudando a enfatizar a arte presente na HQ. A proposta da coletânea é bem diferente e não são só apenas contos baseados em Poe; são contos que envolvem vários aspectos da vida do autor, mesmo os mais mundanos. Vale a pena sim, com certeza.
Ficha Técnica:
Nome: Delirium Tremens
Coletânea de histórias organizadas por Raphael Fernandes
Editora: Draco
Gênero: Terror
Número de Páginas: 184
Ano de Publicação: 2018
Avaliação:
Link de compra:
*Material enviado em parceria com a editora Draco
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