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Resenha: "Contos Clássicos de Terror" organizado por Júlio Jeha (Parte 2)

Atualizado: 30 de mai. de 2019

Continuando nossa resenha sobre essa incrível coletânea, temos agora alguns autores bem conhecidos como H.G. Wells e Bram Stoker. Algumas das histórias são surpreendentes. Confiram!

Vamos dar continuidade a esta resenha. Não esqueçam que na coluna de Ficha Técnica tem as outras partes desta resenha para que você possa navegar entre os diferentes autores.  Nesta segunda parte, constam os seguintes contos:


8 - "A Selvagem" (de Bram Stoker) - 1893

9 - "Pollock e o Homem do Porroh" (de H.G. Wells) - 1895

10 - "A Tapera" (de Henrique Coelho Neto) - 1895

11 - "A Mão do Macaco" (de W.W. Jacobs) - 1902

12 - "A Fera" (de Joseph Conrad) - 1906

13 - "Emoções" (de João do Rio) - 1910


Seguem as resenhas:


8 - "A Selvagem"


Autor: Bram Stoker Avaliação:

Publicado originalmente em 1893




Essa é uma boa história de vingança. Uma daquelas que você sabe que vai acontecer a qualquer momento, mas não de que forma ela vai acontecer. Bram Stoker nos apresenta uma boa narrativa com dois momentos distintos acontecendo que levam a um final bem gore. Não gostei do resultado final, mas é bom ler alguma coisa do autor que não seja necessariamente o seu Drácula. 

Somos colocados diante de um casal em lua-de-mel e um amigo que é levado junto porque segundo a esposa é bom ter um amigo por perto neste momento. Ok, não vou entender a lógica de levar um amigo durante uma lua-de-mel e por mais que o narrador tenha explicado e até brincado com safadezas neste sentido, não vou entender. Ainda mais quando o amigo vai despertar a fúria de uma mamãe gato ao brincar de atirar pedrinhas para assustar uma gata e seu filhote e acidentalmente atravessar o crânio do filhote com uma pedrinha. Tudo bem, contos de terror não são necessariamente famosos por seguirem as leis da física. Mas, sigamos adiante. Depois de um passeio do casal à tarde, com um amigo intruso ao lado que atravessa o crânio de um gato e deixa seus miolos no chão, a mamãe gato vai tentar se vingar do amigo sem noção. 

Desculpa, gente... eu sei que era para fazer uma resenha séria, mas não dá... Este é um daqueles contos que eu coço a cabeça durante a leitura e me pergunto por que diabos o autor escreveu isso. Ou o que ele bebeu antes de pensar nesse conto. 

Tirando a falta de noção da narrativa de lado, falemos da escrita. E ela também não me agradou nem um pouco. Drácula é uma peça de teatro verborrágica, mas ali a verborragia acaba atuando a favor do todo porque serve para criar um efeito dramático além de seguir a tradição do romance gótico. Aqui a verborragia do autor só serve para transformar uma história que poderia ser contada em 10 páginas em algo com o dobro do tamanho. O leitor sabe que o gato vai obter a vingança dele... e o personagem que atirou a pedra vai criar as condições para que a vingança pudesse acontecer. Mas, meu deus... é tudo muito moroso. 

​Não tenho como recomendar esse conto. Fique com a sua lembrança do clássico que é Drácula. Não conheça essa história do gato vingativo. 


9 - "Pollock e o Homem do Porroh"


Autor: H.G. Wells Avaliação:

Publicado originalmente em 1895




H.G. Wells é mais conhecido por ser um escritor de ficção científica. Mas, tem alguns de seus contos que enveredam por outros gêneros como o terror. Esse é um destes exemplos. Ao mesmo tempo é um conto que demonstra o desconhecimento de mundo que os autores tinham no período. Ele menciona uma comunidade de guerreiros de Serra Leoa que perseguem homens que os ofenderam. Os africanos soam como caricatos e cruéis. Quase inumanos. Mas, deixando estas impressões de mundo de lado, vou tentar me focar mais na narrativa em si. 

Pollock se desentende com o homem do Porroh quando este tentava esfaquear uma mulher de sua comunidade (não é explicado o motivo da altercação). Porém, Pollock se excede e atira no indivíduo e este sai humilhado do local. Jurando vingança, Pollock se vê perseguido por várias situações estranhas como formigas e cobras que o atacam subitamente. Ele fica sabendo que apenas se o homem do Porroh desfizer a maldição é que ele ficará em paz. Ele pede a um mercenário que mate o feiticeiro e é aí que os problemas de Pollock ficam ainda piores. 

Essa é uma história de gato e rato. O homem do Porroh quer realizar sua vingança contra Pollock a qualquer custo. Vamos ver o protagonista buscando se safar da maldição de todas as formas possíveis. Ele descobre posteriormente que se ele conseguir sair de Serra Leoa, a maldição irá se desvanecer. Mas, as tentativas do feiticeiro vão ficando cada vez mais ousadas. A narrativa é uma repetição incansável dessas tentativas do feiticeiro em várias situações e ocasiões diferentes. Isso acabou me cansando um pouco depois de algum tempo. Wells consegue dar um tom bem bizarro no final com a história da cabeça surgindo de ponta a cabeça. Mas, é aquilo: fica nisso mesmo. Já cheguei a ler outro conto de terror do Wells e preciso dizer que ele não sabe empreender um ritmo legal nesses contos. O pior é que ele deixa transparecer muitos preconceitos de sua época o que acaba sempre incomodando um pouco, por mais que você releve e tente posicionar o escritor dentro de sua época. 

Os diálogos são legais e demonstram o desespero progressivo do protagonista. A escrita também é repleta de flashes do brilhantismo do autor. Por exemplo, a escrita dele é muito precisa e ele consegue construir uma boa cena com poucas palavras (enquanto outros de seus contemporâneos eram mais verborrágicos). A narrativa é em terceira pessoa acompanhando as desventuras de Pollock. Há um bom entendimento entre início, desenvolvimento e conclusão. O final é bem típico de histórias de terror com aquele final impactante e nem sempre feliz. Mas, não é um conto que eu vá recomendar. Existem outros do Wells que são muito mais interessantes. 

10 - "A Tapera"


Autor: Henrique Coelho Neto Avaliação:

Publicado originalmente em 1895




Este é mais um autor que eu desconhecia dentro do cenário nacional. Um clássico após algumas pesquisas que eu fiz. De qualquer forma, ele nos apresenta como o Brasil sempre teve escritores muito talentosos e o quanto nós os desconhecemos. Henrique Coelho Neto escreveu para folhetins da época e publicou uma série de romances, mas A Tapera tem uma marca clara dos escritos góticos do período. 

A escrita de Coelho Neto é bem diferente, e apesar de representar um período de ascensão do gótico com autores se espelhando em Bram Stoker ou em Mary Shelley, Coelho Neto embarca para um estilo meio barroco. Ele situa sua história em um engenho de açúcar onde um homem vive uma situação horrível graças a uma esposa infiel. Tudo cercado por aquele clima de escravidão onde os negros eram subservientes a seus senhores e onde a sinhá podia fazer tudo o que desejasse. A situação toma um rumo exponencial a partir de uma vingança realizada por um escravo. 

O romance tem um tom até inocente se analisarmos direito. O amor do protagonista pela sua esposa chega a ser ingênuo e ele acaba sofrendo com o que se sucede com ele. Ele fica dividido entre o amor por sua ama-de-leite e pela sua esposa. A escrita de Coelho Neto tem muito daqueles exageros do romantismo em que o amor do protagonista é sempre extremo. Seu sofrimento toma sempre proporções colossais a ponto de sua alma chegar a sangrar. Esse nível elevado de exagero nos sentimentos acaba por obscurecer os elementos de terror da narrativa. Quando o elemento do estranho é inserido na história, estamos tão entregues ao sentimentalismo que transborda pelos poros que o susto acaba não acontecendo. Ou seja, eu gostei da história, mas tenho dificuldade em colocá-la como um terror per se. 

Por outro lado, o autor tem uma enorme habilidade nas descrições. Elas são grandes sim, mas elas conseguem passar muito bem aquilo que está acontecendo ou transmitir as emoções do narrador. A propósito a história é contada por aquele que a viveu. Porém, é uma narrativa em terceira pessoa com um dos personagens contando a outro o que aconteceu a ele. Ao final temos um momento de estranhamento que fecha bem a narrativa. Gostaria sim de recomendar A Tapera para que os leitores possam conhecer este escritor. 


11 - "A Mão do Macaco"


Autor: W.W. Jacobs Avaliação:

Publicado originalmente em 1902




Este é um clássico do terror do início do século XX. Para mim, uma história completamente atemporal mostrando o quanto nossas ambições e nossa falta de crença pode nos levar a fazer. Jacobs escreve uma narrativa repleta de humor negro. Aquele tipo de história que você aplaude e diz querer mais dela. De uma forma super simples, o autor conseguiu criar algo nefasto e assombroso. 

Aqui somos apresentados a um pai, uma mãe e seu filho que conversam com um soldado que retornou do continente africano após uma viagem de exploração. Lá ele encontrou uma pequena pata de macaco que teria a capacidade de dar três desejos àqueles que o possuírem. Mas, segundo o soldado, o artefato é maligno e tem o hábito de deturpar os pedidos. A família acha que tudo é bobagem e decide brincar com a ideia de fazer desejos à mão do macaco. Bem, o resto acho melhor vocês lerem para ficar sabendo. 

Um dos pontos altos da narrativa é a mescla de humor negro com suspense. Ele mantém esse ritmo o tempo todo. Em alguns momentos estamos rindo de alguma tirada do filho ou da esposa. O marido serve como alívio cômico por conta de sua aparente credulidade. Mas, da metade para a frente, o conto ganha contornos bizarros por causa da forma como o artefato passa a agir sobre a família. E o final é arrebatador. O melhor de tudo é que Jacobs não te entrega o que acontece de verdade, mas deixa você imaginar a cena. No gênero do terror, o mais assustador não é o choque causado por imagem aterradora, mas insinuar algo ao leitor e deixar para ele formar a sua própria imagem do terror. 

O autor trabalhou muito bem a relação da família. Ele conseguiu em dez páginas fazer com que eu me empatizasse com aqueles três. Quando as situações estranhas começam a acontecer, a gente sente o impacto das desgraças sobre a família. No final, a tristeza de um dos personagens é completamente perceptível e compreensível. A Mão do Macaco está entre os melhores contos desta coletânea. Recomendadíssimo.

12 - "A Fera"


Autor: Joseph Conrad Avaliação:

Publicado originalmente em 1906




Curiosamente este é o conto do H.G. Wells bem escrito. A mesma premissa, o mesmo desenvolvimento, só que existe toda uma preocupação em preparar o leitor para o que está por vir. Além do que a história não fica em uma perseguição tola de gato e rato. Conrad nos coloca diante de um navio amaldiçoado que realmente faz jus ao seu nome. 

A história nos é contada por alguém que conhece a história do Apse Family, um estranho navio que foi construído para ser uma besta dos mares. Com toda a pompa que foi dado a ele, o navio se tornou uma espécie de existência que faz de tudo para assassinar sua tripulação. Sempre existem vítimas quando ele está navegando. Mas, ele sempre está sendo desafiado. É uma espécie de orgulho para um marinheiro desafiar esta fera dos mares. É genial a forma como Conrad nos coloca diante deste ser cruel. Não dá para cravarmos com 100% de certeza que o Apse Family realmente é um navio amaldiçoado. Só sabemos que toda vez que ele navega, alguém morre. O aspecto sobrenatural é deixado para o leitor achar que é real. Por tudo o que acontece, imaginamos se tratar do caso, mas se pensarmos a fundo, tudo poderia ter sido uma mera coincidência ou até um problema na infra-estrutura do navio. Ou até mesmo marinheiros não muito habilidosos. 

A habilidade de contar uma história é importante aqui já que a narrativa é em terceira pessoa e é contada por essa pessoa desconhecida (a qual a gente desconfia quem seja lá no final). Mesmo com diálogos longos, o narrador consegue prender o leitor à história ao alternar momentos calmos com situações impactantes. Conrad fez mágica ao transformar um navio imenso em uma máquina de matar pessoas. E das maneiras mais bizarras possíveis. A cena da âncora eu não estava esperando. Aquilo vem tão de repente que o leitor precisa se apoiar em algum lugar para não cair. Não há um grande desenvolvimento dos personagens já que a história gira mais em torno do próprio navio. Este sim é um personagem bem desenvolvido. Chega quase a ganhar vida nas mãos do escritor. 

Novamente um conto sensacional. Leiam com calma e desfrutem da escrita maravilhosa do autor. 


13 - "Emoções"


Autor: João do Rio Avaliação:

Publicado originalmente em 1910




Muitos autores hoje tentam criar histórias de terror fascinantes e buscam fazer isto em livros com centenas e centenas de páginas. Se formos parar para pensar, uma história de terror precisa fazer o leitor se apavorar ou temer pela sua segurança. Não há a necessidade de algo enorme para isso. João do Rio nos mostra que com menos de dez páginas é capaz de criar uma história memorável. 

Aqui conhecemos o barão Belfort, um homem excêntrico e rico que se diverte ao corromper pessoas puras. A narrativa é apresentada em primeira pessoa e Belfort conta a nosso narrador um dos seus maiores feitos: como ele conseguiu corromper Praxedes, um indivíduo íntegro, trabalhador, com uma mulher linda e uma vida aparentemente feliz. Belfort conta como ele transformou Praxedes em alguém viciado em jogos de azar a ponto de ele destruir tudo aquilo que conquistou ao longo de vários anos. 

Essa história é apavorante. Vemos a lenta derrocada da integridade de alguém. João do Rio conta em detalhes macabros como Praxedes vai se submetendo ao seu vício progressivamente. É como se o vício em jogos fosse uma droga viciante e o indivíduo precisasse de mais e mais para sobreviver. E o problema dos jogos de azar é que a sorte um dia termina. O prazer sentido por Belfort ao ver a essência do homem se esfacelar é o verdadeiro terror dessa narrativa. E se pararmos para pensar, se Praxedes se viciou em jogos, Belfort se viciou também mais em uma droga mais rara e poderosa. 

Com uma escrita contagiante e simples de ser compreendida, João do Rio consegue trazer uma história aterrorizante sem usar nenhum aspecto sobrenatural. Afinal, a maldade do homem consegue ser tão assustadora quanto qualquer monstro. 

Ficha Técnica:

Nome: Contos Clássicos de Terror Organizado por Julio Jeha Editora: Companhia das Letras Gênero: Terror Número de Páginas: 408 Ano de Publicação: 2018


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*Material enviado em parceria com a Companhia das Letras





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