Lia e Tan se conheceram em um dia de chuva e rapidamente se tornam amigos. Duas pessoas diferentes e que desenvolvem uma conexão bela como as folhas de outono. Mas, são essas diferenças que podem apresentar um desafio para eles.
Sinopse:
O que é o amor? Quando Lia e Tan se encontram por acaso sob uma forte chuva, ambos terão que descobrir o que esse momento pode significar. Conhecer alguém é sempre empolgante, mas o que temos de abrir mão para que um relacionamento possa vir a ser?
Costumamos dizer que queremos encontrar nossa alma gêmea. Aquela que curte coisas parecidas, que tem hábitos semelhantes. Mas, a vida não é assim. Normalmente nos relacionamos quase sempre com o diferente. Com aquele que acha aquele seu hábito chato, não curte os mesmos lugares que você. Mas, a química inexplicável do universo faz com que amemos incondicionalmente essa pessoa. Nas diferenças que nos separam existem as conexões profundas que nos ligam. E quando passamos a viver juntos, descobrimos novos desafios. Por exemplo, para poder estar junto dessa pessoa, às vezes precisamos abdicar de algumas coisas. Deixar um pouco de lado aquele hábito, reduzir a frequência de certas coisas. E esse pode ser um ponto de tensão entre duas pessoas. A arte da negociação entre duas pessoas que se amam. Até onde você está disposto a ceder? É essa a pergunta que Calmaria nos faz, com um belo roteiro de Phellip William e a arte exuberante de Melissa Garabeli.
Em uma tarde de chuva, Tan está perdido na praia. Ele acaba encontrando Lia que o convida a esperar a chuva passar em sua casa. Os dois moram em uma pequena ilha onde, aparentemente, os dois são os únicos habitantes. Nesse dia chuvoso, nasce uma bela amizade. Tan é meio introvertido, mas acaba cedendo ao carisma e à animação de Lia que o faz sair de casa, embarcar em trilhas a lugares lindos. Os dois se entendem em suas diferenças que os aproximam mais e mais. A amizade se torna um algo mais, uma conexão que os une e que dói quando se separam. Mas, ambos são diferentes demais. Poderá o laço que os une superar os obstáculos da vida a dois? As invasões de espaço, os momentos em que queremos estar sozinhos, os nossos hábitos estranhos?
A arte de Melissa continua linda demais. Ela emprega uma palheta de cores viva, que te transmite emoções e sentimentos que transbordam dos quadros. Seus personagens conseguem nos passar o que estão sentindo e a autora usa várias páginas até sem balões para nos transmitir isso. Não consigo deixar de parar e observar os lindos quadros que Melissa compõe, e em um ir e voltar de páginas apreciar o que ela fez nesse quadrinho. É aquela arte para degustarmos com calmaria e carinho porque acaba rápido e ficamos querendo mais. Os enquadramentos que ela emprega são bastante assimétricos, o que nos surpreende a cada página que passamos. As sarjetas são incorporadas ao padrão artístico que a artista tenta impor e produz alguns momentos belíssimos. Sua arte se encaixa muito bem na história. O roteiro foi feito para ela desenhar.
Phellip é bastante inteligente em seu roteiro. Ele acaba sendo bastante econômico nos balões de diálogo e deixando que as cenas nos transmitam as emoções e sentimentos que permeiam cada momento. Isso permite uma narrativa enxuta, e ao mesmo tempo deixa a arte da Melissa brilhar. Se trata de uma temática simples, mas colocada com elegância e no tempo certo. Primeiro o autor faz com que a gente se conecte com os personagens para depois trabalhar a temática que ele deseja. Quando nos damos conta já estamos bastante envolvidos com a relação dos dois. Ou seja, o roteiro é eficiente em gerar empatia. Na minha visão, a HQ tem o tamanho certo, sem barrigas ou nada que esteja ali por nada. O final é tranquilo de entender, mas ele deixa uma série de camadas interpretativas aos quais podemos imaginar um algo a mais.
Os personagens são bem desenvolvidos. Tan é aquele que tem maior dificuldade para se relacionar. As coisas que ele quer dizer parecem ficar entaladas na garganta e ele não consegue ser honesto com seus sentimentos. Já Lia é expressiva demais. A ponto de sua honestidade conseguir confundir Tan. É engraçado que no começo eles apenas buscavam um ao outro para poder fugir do tédio, mas aos poucos a presença do outro se torna uma constante e uma necessidade. Como comer ou beber água. Os dois não conseguem mais realizar suas tarefas cotidianas adequadamente sem o outro. Quando eles se movimentam para estabelecer uma relação mais duradoura, os limites são ultrapassados. Para quem está acostumado a viver sozinho, estar com outra pessoa envolve ter sua intimidade adentrada e não existe mais espaço para guardar coisas. Eventualmente tudo é compartilhado. E isso em um primeiro momento é sufocante. Porque parece que deixamos de ser nós mesmos para nos tornarmos o que o outro quer que sejamos. Essa disputa é eivada de combinados e negociados. Somente quando os dois perceberem o quanto fazem falta de verdade um para o outro é que eles vão conseguir superar esses obstáculos e criar um algo novo. Não é mais a minha casa ou a sua casa, mas é a nossa casa. Só tenho a recomendar essa bela leitura.
Ficha Técnica:
Nome: Calmaria
Autor: Phellip William
Artista: Melissa Garabeli
Editora: Independente
Número de Páginas: 112
Ano de Publicação: 2021
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