Os senhores de terra escravistas do norte do Brasil querem destruir o movimento dos cabanos a todo custo. Eles soltam escravos e exigem liberdade, algo que vai contra seus interesses escusos. A lenda de Chico Patuá se espalhou por toda a região. Hora de usar o último recurso: o terrível Dom Rodrigo.
Sinopse:
1836. A cabanagem foi derrotada em Belém e se espalhou pelos rios da Amazônia. Um pequeno grupo de índios, negros e mestiços liderada pelo misterioso Chico Patuá se dirige para o Amapá singrando os pequenos rios da região. No seu encalço, o governo regencial mandou soldados comandados por um psicopata assassino, Dom Rodrigo. Em meio a essa disputa, soma-se outra, quando os seres da floresta (Matinta, Jurupari, Cobra Norato, Mapinguari) resolvem tomar partido na contenda, alguns ficando a favor de Chico e outros se aliando a Dom Rodrigo. Cabanagem é um romance de fantasia histórica que mistura fatos reais com mitologia amazônica e terror no melhor estilo Gian Danton.
Uma das características da fantasia histórica que eu mais gosto é a possibilidade de abordar assuntos ou acontecimentos que não são muito conhecidos. Venho gostando demais desses fatos e personagens como Ajuricaba (um quadrinho sobre um personagem icônico para a cidade de Manaus) ou Spetaculare Meneghetti (um ladrão paulista do início do século XX). Portanto, Cabanagem se trata de um livro essencial para dar luz a um dos movimentos do período regencial menos conhecidos. Sim, aqueles que nós, quando alunos, não gostamos de comentar porque exigem decorar e compreender a Balaiada, a Sabinada, a Revolução Farroupilha, as duas Cabanagens. Danton dá luzes ao acontecimento, nos trazendo personagens interessantes e fatos curiosos ao lado de algumas especulações. Não é um livro que vai mudar a sua vida, mas vai te permitir conhecer mais sobre um movimento do período regencial pouco trabalhado e que revela mitos e lendas do norte do Brasil.
O movimento dos cabanos tem aterrorizado a elite do norte do Brasil. São revoltosos alinhados ao discurso de abolição da escravatura que vinha tomando conta do debate no período imperial. Os cabanos eram escravos fugidos e camponeses empobrecidos que passavam de fazenda em fazenda e libertavam os escravos das senzalas. Isso fortalecia também o movimento que conseguia lidar com as forças nacionais com o uso de táticas de guerrilha. Chico Patuá se tornou uma lenda na região. Ao apoiar um dos líderes do movimento, Angelim, Chico ficou conhecido na região e passou a ser abrigado por pessoas mais pobres enquanto fugiam das forças nacionais. Estrondo, um escravo fugido conhecido por sua imensa força física, passa a seguir Chico Patuá, entendendo que ele terá algum papel em tempos vindouros. O grupo passa a seguir rumo a Mazagão, no Amapá, após conseguirem trazer para o grupo vários escravos das redondezas. Isso aumenta o poder das forças de libertação e preocupa ainda mais o governador local. Em uma medida controversa, o governador colocam o sargento Elmano e o soldado Duarte para cuidar de um especialista em matar, o cruel Dom Rodrigo. Este ficou encarregado de lidar de uma vez por todas com os cabanos. Mas, por trás disso tudo existe uma guerra secreta envolvendo os poderes da luz e das sombras que poderão influenciar o desenrolar do movimento.
Danton colocou para si a tarefa de informar os leitores sobre o que era o movimento. De uma coisa não podemos reclamar: ficamos sabendo a respeito do que foi a Cabanagem e os principais envolvidos. Claro que existe o elemento fantástico e ele criou um personagem ao qual encaminhar a narrativa. Mas, isso não tira o foco do movimento em si, que está sempre ali no foco das decisões de todos os núcleos narrativos. Que são dois: um formado por Chico e Estrondo que seguem rumo a Mazagão em busca de abrigo e reforços vindos da Guiana e de outro temos Dom Rodrigo, Elmano e Duarte que estão em busca dos cabanos. A narrativa é em terceira pessoa bem próximo dos personagens. Observamos tudo o que eles observam. A escrita do autor emprega um português moderno, mas o autor explicou o motivo pela escolha. Lembrar que tanto camponeses como indígenas da região não falavam português, mas um dialeto local que seria incompreensível para os leitores hoje. E usar um português arcaico, de época, não seria realista, já que eles não usavam esse idioma.
Um dos grandes medos que eu tenho ao ler uma fantasia histórica é quando o autor acaba concentrando sua escrita mais no aspecto do cenário ou do acontecimento que inspirou a história. É o que em História se chama o encanto pelo objeto de estudo. O equilíbrio entre contar uma história e apresentar os fatos é importante para que a narrativa não perca a sua qualidade de história ficcional. E eu tive uma opinião bastante dividida nesse sentido. A primeira metade da narrativa é bastante expositiva onde os acontecimentos são apresentados ao leitor. Isso é feito através de uma série de diálogos expositivos que podem tornar a leitura um pouco árida no princípio. Mais à frente, o autor pega o jeito e consegue equilibrar melhor as duas características. Entendo a importância de apresentar os fatos, afinal foi o que inspirou a história, mas isto poderia ter sido feito de uma forma mais suave. Recortes de jornal antes dos capítulos, notas, bilhetes. Quem faz isso muito bem é o livro Guanabara Real que brinca com os acontecimentos, tornando-os parte da mitologia do que é apresentado no livro.
Por falar em mitologia, parabéns ao autor por conseguir mesclar harmonicamente fatos históricos e folclore do norte do Brasil. Sinto que alguns autores nacionais ainda possuem uma resistência ou uma incompreensão sobre como usar lendas como a Matinta, a Mãe D'Água, Norato e Caninana, que são menos conhecidas. Autores e autoras, leiam esse livro. Pronto, está aqui o que vocês precisavam. Danton emprega bem as lendas em sua narrativa fazendo com que elas fornecessem evoluções para a história que está sendo contada. Estas figuras lendárias não foram simplesmente atiradas ali para dizer que tem folclore sendo usado; nada disso. Os seres sobrenaturais tem uma função a ser cumprida. E o embate entre forças do bem e do mal é parte da narrativa. Alguns podem reclamar que se trata de um clichê, o que eu vou discordar abertamente. Para mim, basta a história ser bem contada que o resto é o resto. E o autor conta bem a história e consegue fechar todos os plots que ele propôs ao longo da história.
Posso estar errado, mas achei que o protagonista é mais Estrondo do que Chico Patuá. Apesar de haver uma conexão entre o ícone dos cabanos e Dom Rodrigo, a história de Estrondo é aquela que fica no fundo, mas quase sempre toma conta das decisões. E a relação entre os personagens é importante para que a missão de Chico possa ser levado a cabo. Estrondo não é apenas o companheiro do protagonista; ele assume o protagonismo vez ou outra. Posso estar enganado e o foco ter sido mesmo entre Dom Rodrigo e Chico Patuá, mas a inclusão de Estrondo foi importante sim para que Chico pudesse levar a cabo sua missão. O autor soube também transformar Dom Rodrigo em um personagem detestável. Aquele antagonista que o leitor quer ver sendo derrotado de alguma maneira pelo mocinho. Aliás, fica o meu alerta (e que está na quarta capa do livro): cuidado com algumas cenas mais fortes. Tem alguns momentos bem tensos com muitas mortes, violência sexual, assassinatos. No mais, eu curti o livro e achei que representou bem um acontecimento histórico menos conhecido. Mais um livro que eu voto para que a Avec mande para as escolas!!!
Ficha Técnica:
Nome: Cabanagem
Autor: Gian Danton
Editora: Avec Editora Número de Páginas: 120
Ano de Publicação: 2020
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*Material enviado em parceria com a Avec Editora
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