Em uma narrativa belamente ilustrada por Jill Thompson, Evan Dorkin conta a história de um grupo de cachorros da vizinhança que são encarregados de cuidar de diversos casos sobrenaturais: possessão, fantasmas, lobisomens e até sapos gigantes.
Sinopse:
Bem-vindo a Burden Hill, uma pacata cidadezinha como qualquer outra, com cercas brancas e gramados aparados… lar de uma inusitada equipe de investigadores paranormais. Magia negra, sapos demoníacos e cães zumbis são alguns exemplos dos problemas que assolam a aparente tranquilidade dessa vizinhança. Com os habitantes humanos alheios ao perigo, cabe a um perseverante grupo de cachorros (e um gato) manter toda a comunidade a salvo.
Terror, aventura, mistério e humor povoam cada página de Beasts of Burden, que promete ganhar o coração do leitor e assombrar seus sonhos.
Quem pega este quadrinho e acha ele fofinho e engraçadinho, vai ter uma surpresa bem rápido. Sim, os traços são lindos, e a aventura parece saído de um desenho do Manda-Chuva, mas a história vai tomando um tom sombrio bem rápido. Através de uma narrativa competente e um traço estonteante, esse quadrinho mostra como você não deve julgar qualquer coisa à primeira vista.
É preciso falar antes do acabamento do quadrinho. O trabalho do Pipoca & Nanquim aqui é primoroso. A capa tem uma aparência que lembra um livro de fábulas o que dá um charme especial. A borda tem uma textura semelhante ao couro. A imagem central é envernizada, mostrando um pouco do que a Jill Thompson é capaz de fazer. O papel é de uma gramatura alta, o que ressalta os quadros aquarelados da artista. Ao final temos alguns extras com scripts e comentários do Evan e da Jill. É uma edição digna de um colecionador.
É incrível como o roteiro do Evan é legal. Parece uma história ingênua com animais que falam, mas nas pequenas sutilezas a gente vai percebendo progressivamente como a narrativa é bem mais complexa. A narrativa é composta de várias pequenas histórias que formam um pano de fundo e servem para fazer a construção de mundo proposta pelo autor. Burden Hill vai ganhando forma à medida em que as histórias vai tomando um ar de gravidade. Elementos das histórias vão ajudando a compor um fundo mais geral. O autor deixa um excelente cliffhanger no final levando para o próximo volume. A gente fica apreensivo querendo saber o que vai acontecer a seguir. Fica a menção da boa tradução feita pela Marília Toledo que faz a história ganhar muita velocidade. Não pareceu truncada em nenhum momento.
A arte da Jill Thompson é deslumbrante. Ela dá muita personalidade e individualidade aos animais. Cada um é diferente do outro seja em aparência ou até na forma como se movimenta pelos cenários. Além disso, eu fiquei espantado em como os animais conseguem ser expressivos. Os olhos doces do Órfão, o olhar altivo do Campeão, a língua para fora em sinal de animal brincalhão do Jack. Jill Thompson levou a antropomorfização dos animais em Beasts of Burden a um outro nível. Os cenários também são muito bonitos com uma palheta de cores bem puxada para o verde e para o branco. Dá aquele tom de terra e de gramado para o cenário. Contudo, em alguns momentos que requerem outra atmosfera, a artista consegue entregar cores diferenciadas: o azul e preto de uma noite de lua cheia ou o marrom e cinza dos esgotos. Mais uma menção ao trabalho editorial fica por conta do letramento. Parece bobagem, mas em alguns momentos temos balões ou quadros bem diferenciados como a invocação de magia de Miranda, o poema canino ou os canções entoadas pelos ratos. Trabalho estupendo da equipe do Pipoca nesse sentido também.
"Grandes ou pequenos... Gordos ou magros... Esse é o destino a que estamos fadados... Fechamos nossos olhos e dormimos... E um ninho de moscas deixamos quando partimos."
Cada um dos personagens possui características bem únicas. E o mais legal é que o autor consegue explorar bem cada um deles na história. Campeão é o que aparece mais vezes então podemos dizer que ele é uma espécie de protagonista da galerinha. Sempre disposto a proteger os seus amigos, ele se mete em situações bem complicadas. A história dele com o menino é de apertar o coração. Rex é o cão covarde. Um doberman covarde. Mas, vamos percebendo com o passar da história que ele gosta muito dos seus amigos e pode surpreender em uma situação perigosa. Pugs é um pug cético. Sempre é o cara que quer provas antes de tomar alguma decisão precipitada.
A riqueza dos personagens é incrível. Citei só alguns... ainda ficou faltando falar do Jack, do gato Órfão, do Cão Sábio. As relações entre eles são largamente exploradas e a maneira como eles se ajudam e se apoiam é um dos pontos altos da narrativa. Apesar de serem histórias curtas, existe uma narrativa maior no pano de fundo e o leitor é capaz de perceber uma progressão rumo a um clímax. Ou seja, não esperem que sejam histórias soltas porque elementos aqui e ali dos contos vão sendo mencionados mais à frente.
A história é de uma sensibilidade ímpar. Alguns capítulos são de partir o coração. A união entre o bom roteiro e os traços sutis produzem uma narrativa bonita como em O Garoto e o Menino e Perdido. Na primeira temos a história de um menino que aparece um dia na casinha do Campeão e eles se tornam bons amigos. Mas, um segredo terrível se esconde na história de como o menino foi parar ali. Na segunda, temos a história de uma mãe que pede ajuda ao grupo para procurar os seus filhotes que desapareceram. Não vou dizer muito, mas só posso comentar o quanto eu fiquei desolado com o final da história.
O mundo criado por Evan Dorkin é rico em detalhes. O que no começo parece ser algo simples e centrado em uma vizinhança vai ganhando proporções cada vez maiores. Outros pontos vão sendo incluídos como o subterrâneo, a casa onde vive o Campeão, o bosque, o cemitério. O elemento sobrenatural está presente o tempo inteiro. O legal é que tudo faz muito sentido dentro desse universo. As regras são colocadas bem explicitamente pelo autor. Claro que existe muita margem para extrapolar em algumas situações, mas tudo é muito verossímil. Temos bastante estranheza, como a chuva de sapos, os golens no cemitério, mas é legal ver como o autor consegue explorar coisas muito interessantes dentro do "confinamento" daquele espaço onde os cachorros vivem.
Beasts of Burden é uma HQ linda, com uma narrativa bem mais complexa do que parece em um primeiro momento. Os traços da Jill Thompson são de encher os olhos e ela consegue dar vida aos personagens. O trabalho editorial do Pipoca & Nanquim também é muito competente seja na tradução, na capa ou no acabamento. Uma edição para qualquer fã de quadrinhos.
Ficha Técnica:
Nome: Beasts of Burden - Rituais Animais vol. 1 Autor: Evan Dorkin Artista: Jill Thompson Editora: Pipoca & Nanquim Gênero: Fantasia Tradutora: Marília Toledo Número de Páginas: 188 Ano de Publicação: 2017
Outros Volumes:
Beasts of Burden - Cães Sábios e Homens Nefastos
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