Santiago Santos mostra toda a sua versatilidade em histórias curtas que são pequenas doses de genialidade. Desde acontecimentos inusitados, passando por situações insólitas, momentos de reflexão e até cenários fantástico, tudo é possível. Venham conhecer as ficções relâmpago de Baguncinha.
Sinopse:
Narrativas curtas, minicontos, ficções breves, ficções relâmpago: Baguncinha é um apanhado de 40 desses contos enxutos que Santiago Santos publicou ao longo dos anos no flashfiction.com.br. Os temperos variam: uma cabeça que prevê os nomes dos mortos, um pirata que negocia seus últimos dias, um detetive sobrenatural resolvendo perrengues no interior mato-grossense, a árvore genealógica de um açougue, famílias assombradas pela saudade, um gerente de hotel sistemático e nada humano, um tubarão de rio de estimação, o mercado imobiliário espiritual e suas negociatas, futuros distópicos a rodo, fatias duma Cuiabá contemporânea… Costurando gêneros, formatos, vozes narrativas e ambientações diversas, Baguncinha abre o mapa dum microcosmo literário radioativo e percorre suas vielas.
Para quem não conhece, ficção relâmpago é um tipo de narrativa que possui mais ou menos entre 1000 a 1500 palavras. São textos bem curtos no qual o autor busca ser bem direto e objetivo na forma como apresenta sua história. O Santiago Santos é um dos autores que mais estimularam esse tipo de histórias aqui no Brasil e eu conheci esse formato narrativo através dele e da Jana Bianchi. Me senti bastante honrado quando o Santiago insistiu em me enviar uma cópia do seu trabalho mais recente. Como alguém que curte histórias curtas, fui premiado com dezenas delas de uma só vez. E até já peço minhas devidas desculpas porque é muito difícil avaliar, pôr uma nota ou quantidade de estrelas nesse tipo de produção. Isso porque é impossível alguém gostar de todas as histórias. E até para avaliar histórias curtas é complicado. Porque tem temas ou estilos de escrita que vão agradar a um público X ou Y. Então é normal que o leitor de uma coletânea como essa diga que não curtiu essa ou aquela história que pode ser uma que eu curti. Totalmente normal. Segundo ponto que queria trazer neste começo é que recomendo que os leitores não leiam de forma linear o livro. Tirando uma história que tem como personagem um cenário ao estilo Japão medieval, todas são histórias fechadas e com personagens específicos. Dá para ler fora de ordem, uma ou duas por vez. Fica a critério. Eu costumava ler três contos por vez antes de começar um dia de leituras. Como um aquecimento. Em algumas oportunidades aconteceu de os contos do Santiago serem melhores no fim do dia do que aquilo que havia me colocado como meta.
Vou me concentrar em alguns pontos da escrita do Santiago para fazer algumas comentários e usar algum conto como exemplo. O autor não empregou um gênero específico ou uma temática específica conduzindo o livro. A gente até consegue ver alguns temas que se repetem como a incompreensão, o preconceito e a violência, mas via de regra os textos são bem variados. Gosto de como ele visualiza o gênero fantástico. Como um bom latino, a fantasia está presente nas coisas cotidianas e não é o foco da história. Ela está presente ali e seus personagens, quando provocados, entendem o maravilhoso como normal. Em Baldo e a ponte, o protagonista é chamado pelo prefeito da cidade para buscar entender o que tem de errado com o rio. Após não ter sucesso com as deduções normais, o personagem acaba por entender que ali naquele lugar se escondia uma força sobre-humana que estava presa ali por algum motivo. O personagem passou para esse raciocínio de uma maneira bem natural. Não havia nenhum mistério que levasse ao fantástico, pois ele fazia parte do conjunto de ideias que cercavam o seu pensamento. O resultado final é bem interessante porque te dá uma conclusão satisfatória ao mesmo tempo em que abre um leque de possibilidades.
E esse é outro aspecto bacana da escrita do Santiago. Ele não testa a inteligência do leitor. Por vezes alguns elementos narrativos ou até mesmo o final é deixado em aberto para que possamos interpretá-lo. E a partir daí existem inúmeras possibilidades. Em Das Formas de tutorar árvores vemos o dilema de Juquinha que está sendo empurrado por seu partido para se candidatar a prefeito após muitos anos sendo vereador. E fazemos uma jornada reflexiva por suas memórias vivendo em Boa Esperança. Ao longo de sua caminhada por seu reduto eleitoral, o personagem vai buscando sua identidade no meio de uma difícil escolha a ser feita. A partir dessas informações o leitor pode construir o que pode ter acontecido ao personagem após essa caminhada. Nos apropriamos do personagem criado por Santiago e damos a ele a nossa própria jornada. Mas, isso só foi possível porque o autor criou um personagem bem delineado, mas fez o leitor se tornar participativo na escrita da narrativa.
Quando o Santiago acaba escrevendo ficção científica o resultado sai bem único. Dora faz parte da tripulação de uma nave que está em busca de água em um setor remoto da galáxia. O narrador aproveita para contar como a personagem foi resgatada de quase ser morta e de como mudou todo o seu aspecto e possui uma nova vida. Se trata de um personagem de orientação queer que é apresentado ao leitor com bastante naturalidade. Mas, o que busco trazer é como o autor dá uma identidade própria à sua maneira de escrever scifi. Não é o gênero que conduz a sua pena, mas o direcionamento que ele dá à história e ao que ele quer trazer que fornece um gênero específico ao conto. Parece estranho dizer isso, mas canso de ver autores que entendem que um gênero como terror, fantasia ou scifi direciona o que eles pretendem fazer. Como uma lista onde o autor precisa verificar uma série de características como ter uma nave espacial, ter armas laser, se passar no futuro. E nem sempre precisa ser assim. Posso escrever um scifi por acidente ou algum elemento calhar de ser scifi porque é o que se encaixava melhor dentro do meu objetivo inicial.
Mas, antes de finalizar preciso dar uma passada rápida em Do Adestramento Útil de Vizinhos. E já recomendo àqueles que tem medo de insetos para ficarem longe dessa história. Porque vai dar aquele calafrio básico no leitor. Afinal, a narrativa é contada do ponto de vista de uma... aranha. Com suas patinhas percorrendo os espaços e vendo estes seres gigantes que são os seres humanos tocando suas vidas. Achei genial a mudança de escopo e a forma como Santiago apresenta como o seu protagonista enxerga o mundo. Claro que tem uma ligeira reviravolta bizarra nessa história e eu a consideraria quase como uma história situada no gênero new weird. Fato é que é um dos melhores contos da coletânea e é um dos mais curtinhos dentre todos. Costumo dizer que se você quer conhecer a habilidade de escrita de um autor, estude sua ficção curta. É lá que vemos o quanto o autor é capaz de comprimir seus pensamentos, usar todas as suas ferramentas de escrita e prender a atenção do leitor. Em uma ficção relâmpago, é preciso ser certeiro, caso contrário você perde linhas preciosas.
Baguncinha é uma bela baguncinha; estranha, divertida, caótica. Santiago consegue mostrar porque ele é um indivíduo que se especializa nessa maneira única de contar histórias. E ele faz isso com maestria apresentando histórias que vão desde ficções de gênero, passando por relatos policiais e até pequenas pílulas de pensamento que nos prenderão ao livro buscando ler um conto a mais. Se você ainda não conhece esse estilo, vale bastante a pena e pode ser uma daquelas pérolas escondidas no meio de tantas leituras. Para mim é um livro que surpreende, e que mostra o quanto é legal quando um autor se desafia a produzir alguma coisa que teste suas habilidades. O que pode sair daí é algo que surpreende até mesmo quem o escreveu.
Ficha Técnica:
Nome: Baguncinha
Autor: Santiago Santos
Editora: Arcada
Gênero: coletânea de microcontos
Número de páginas: 134
Ano de Publicação: 2023
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*Material recebido em parceria com o autor
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