Zé Wellington compartilha conosco uma série de histórias curtas publicadas ao longo de toda a sua carreira. Histórias que vão desde homenagens a autores de terror clássicos, distopias calientes, personagens folclóricos e mistérios policiais. Confiram conosco!
Sinopse:
Para entender a dura realidade, nada melhor que terríveis e assustadoras fantasias Autores como Stephen King e Neil Gaiman encantam (e assustam) multidões pelo mundo com histórias que mesclam elementos fantásticos e do cotidiano. Mesmo escritas em linguagem leve, a tensão que marca esses escritores influenciou o cearense Zé Wellington nos contos com que participou em diversas revistas e coletâneas nacionais, reunidos pela primeira vez nesta publicação. Em Assombros, de Zé Wellington, temos uma seleção de histórias protagonizadas por alienígenas, zumbis, sacis e monstros mitológicos através dos principais temas do suspense e do terror, mas sempre ancoradas na ficção científica e na fantasia. Entre encontros do Monstro de Frankenstein com personagens reais da Inconfidência Mineira, um levante de mortos-vivos no interior nordestino e um psicólogo que se depara com um paciente deslocado entre as realidades, estão o estranhamento e o incômodo dos seres humanos, buscando entender sua existência na fantasia da vida real.
Essa é uma coletânea de histórias escritas por Zé Wellington e que foi financiada via Catarse junto de um romance chamado Mata Mata. Para quem nos acompanha aqui no FH, já deve ter visto resenhas anteriores do Zé Wellington que se destacou bastante com seus roteiros para HQs como Steampunk Ladies e Cangaço Overdrive, quadrinhos que curti bastante. Claro que todo bom roteirista tem aqueles textos na gaveta ou publicados em coletâneas aqui e ali, e o Zé Wellington achou que era uma boa hora juntar essas histórias curtas em um lugar só para divulgar estes trabalhos e quem sabe alcançar outro público. Vou comentar alguns contos específicos da coletânea, mas falando de um aspecto geral, é um material bem bacana. A Draco fez um ótimo tratamento editorial e um livro fininho que dá para ler bem rápido. Os contos variam de tamanho tendo entre 6 a 20 páginas (o mais longo é o penúltimo) e o autor não se prende muito a um gênero específico. Ele brinca com uma fantasia, tendo várias histórias de mistério e até uma distopia erótica. Tem histórias para todos os gostos. Sob um aspecto histórico-biográfico é legal porque vamos acompanhando a evolução do autor ao longo dos anos, os seus interesses alterando e a busca por um estilo diferente de escrita. Fica só a fica para o Zé Wellington que teria sido bem legal colocar o ano e o local de publicação de cada conto. São informações que ajudam a traçar a trajetória e até os lugares onde as histórias foram primeiro publicadas. Recentemente li uma coletânea do Duda Falcão e ele faz muito isso, mesmo à frente quando ele republica um conto, reescrevendo aqui ou ali.
Vou começar falando sobre Tantruss, Dadograme e Barbatanas um conto bem legal que é um dos que brinca com o gênero fantástico. Na trama, o psicólogo Francis recebe um paciente chamado Octávio que tem um estranho problema: ele diz querer voltar para a sua realidade, um universo fantástico onde ele possuía barbatanas. O próprio Francis é um escritor de literatura de gênero mal sucedido e fica espantado com o grau de detalhes e "realismo" da narrativa fantástica de seu paciente. Fica a dúvida de se a narrativa dele é real ou não. O autor separa a narrativa em dois blocos, sendo um com as sessões de Francis e até a reação dele aos relatos e os relatos em si do seu paciente. Um ponto positivo e um negativo. O lado positivo do conto é que gostei demais de o quanto o autor consegue embaçar as barreiras entre o real e o imaginário. O leitor ora imagina que o paciente é maluco, ora que ele está falando a realidade. Nunca temos uma certeza absoluta e a narrativa deixa isso em um espectro subjetivo. O que não gostei foi que imaginei que o autor fosse explorar mais o desejo do psicólogo de obter lucro com a narrativa do seu paciente, tomando atitudes antiéticas para alguém do ramo. Acho que foi um ponto que ficou solto e poderia ter dado um drama maior à narrativa.
Como bom escritor de terror e mistério, eu imaginaria ver alguma homenagem a um dos grandes escritores vitorianos, fosse Bram Stoker, Mary Shelley ou Robert Louis Stevenson. Ele escolheu a famosa história do Frankenstein e deu uma releitura brazuca a ela. Eliseu é um garoto que quando era mais jovem tinha seus dentes tratados por ninguém menos do que Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Um homem que marcou sua vida com sua bondade e seu jeito de ser. Quando ele cresce, Eliseu vai estudar em Portugal onde durante seus estudos de ciências naturais conhece um suíço chamado Victor. Suas discussões giram em torno da vida e de suas funções biológicas e como prolongá-la. Os dois trocam muitas ideias e desenvolvem aquela amizade entre colegas de interesse semelhante. Eliseu retorna ao Brasil e se depara com a região onde vive tomada pela Inconfidência Mineira. Com Minas Gerais em polvorosa, Eliseu se prepara para uma vida frugal e desinteressante ao lado de sua futura esposa, Elizabeth. Mas, quando ele recebe uma carta vinda de seu amigo Victor contando seus experimentos, os interesses de Eliseu seguem para outra direção. Essa é uma boa história, embora um tanto corrida. Gosto de como o autor consegue estabelecer bem a personalidade de Eliseu e a sua virada em direção ao sombrio é algo que a gente acaba enxergando como natural. Uma conclusão óbvia para uma obsessão clara. Esse crescendo do drama gera os momentos finais que são bem legais. Há aqui até uma certa relação com o primeiro encontro tempestuoso entre Criador e Criatura em Frankenstein, de Mary Shelley.
Em O Trágico Destino do Colecionador de Riquezas temos um homem ao mar tendo uma batalha terrível contra um monstro do mar que deseja destruir sua embarcação. Mas, em um momento o monstro começa a conversar com o homem e pedir que interrompam essa perseguição sem sentido. É aí que a criatura pergunta por que o homem veio parar em alto mar e ele passa a contar o quando sua família e outras pessoas estavam atrás de seu dinheiro e de seus bens. Essa é uma belíssima discussão sobre a dicotomia família/amor e materialismo. E a Criatura faz o papel de alguém de fora, incapaz de compreender como um ser como esse consegue ficar longe dos seus apenas por causa de algo que ele não pode usufruir bem ali. Uma solidão autoimposta devido a uma ambição desmedida. A virada narrativa que acontece no final é bem patente de para onde estava indo os rumos da discussão. Um conto bem curtinho, mas que merece várias releituras.
Quinze Minutos é o conto de distopia erótica que mencionei antes. Nesse mundo criado pelo autor, uma doença altamente contagiosa via contato sexual fez com que os órgãos competentes proibissem as relações sexuais. Uma doença que matou milhões de pessoas em poucos meses e provocou uma onde de histeria coletiva. Métodos de reprodução in vitro foram rapidamente desenvolvidos e uma medicação que inibia a sexualidade passou a ser distribuída com aqueles que não a tomassem sofrendo severas punições legais. A trama gira na investigação do assassinato do padre Robinson pelo detetive Philip, um homem comum nesse estranho novo mundo. Ele é contratado pela Freira Freia que faz o seu relato sobre os últimos dias do padre e sua desconfiança de que há alguém do alto escalão que pode ter sido o responsável. Fato é que o padre pesquisava indícios de que a doença já não estaria mais em efeito e que ela teria afetado apenas um grupo específico de pessoas. A partir daí as investigações começam a tomar rumos estranhos já que a freira parece ser mais do que aparenta. Uma história com fortes doses de sexualidade, mas uma boa discussão sobre o quanto o ser humano pode ser afetado pela ganância de grandes empresas. Achei o enredo bom, mas ele poderia ter explorado mais essa relação capitalista entre a indústria farmacêutica e o que significa o bem-estar de seus pacientes. Ficou meio desbalanceado nisso e até achei curioso o red herring usado pelo autor para nos levar em uma direção diferente do que ele planejava. Esse é o típico conto que merecia ter mais espaço para se espraiar, podendo até gerar um romance mesmo... ou um quadrinho, quem sabe.
A coletânea é bem legal por sua variedade e o Zé Wellington nos mostra o quanto ele é um autor versátil. Inclusive nas formas como aborda a escrita como pode ser visto lá no final em Flint Deadwood e Durin em: Regra Básica que se trata mais de um roteiro. Com boas histórias que vão da fantasia, ao terror e até a ficção científica, Assombros é uma daquelas coletâneas que vão te divertir naquela tarde de domingo ou naquela longa viagem de ônibus. Vale cada centavo.
Ficha Técnica:
Nome: Assombros
Autor: Zé Wellington
Editora: Draco
Número de Páginas: 112
Ano de Publicação: 2022
Avaliação:
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*Material recebido em parceria com o autor
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