Mitos não morrem. Cada geração conta a sua versão, e Mitografias reúne catorze dessas histórias, contadas por grandes autores nacionais de forma atual e inteligente.
Sinopse
14 autores revisitam narrativas ancestrais em cenários contemporâneos, trazendo mitos que são ao mesmo tempo rastros do passado, marcas do presente e indícios do futuro.
Autores: Alessandra Barcelar, Ana Lúcia Merege, Andriolli Costa, Bruno Leandro, Cassiano Rodka, Isa Prospero, Janayna Bianchi, Leonardo Tremeschin, Lucas Ferraz, Michel Peres, Paulo Teixeira, Rodrigo Rahmati, Romeu Martins e Saulo Moraes.
Mitos Modernos
Como é possível que os mitos permaneçam sendo contados, geração após geração, por séculos a perder de vista, e nunca percam essa magia que nos atrai para suas histórias fantásticas? Ainda que sempre revisitemos os clássicos mitológicos, nunca perdemos o interesse em novas versões, em aprender mais, saber mais e nos aprofundarmos em questões diversas sobre metáforas, significados e lições. O pessoal do Mitografias explorou muito bem essas lendas clássicas, aproximado-as da nossa realidade e trazendo novos olhares para os mitos modernos.
Adoro ler contos. O poder das histórias curtinhas é incrível e geralmente proporcionam uma leitura arejada, rápida, e, ainda assim, envolvente. Eu esperava isso tudo de Mitografias, e consegui algo muito além. A organização foi ótima porque, mesmo com alguns contos mais fracos que outros (bastante normal de acontecer em coletâneas), o ritmo e a unidade do trabalho não se perdem. O primeiro conto, Calada, de Isa Prospero, inclusive, foi uma escolha inteligente para iniciar a antologia. Impactante, instigante, a partir daí é impossível largar o livro. É bem verdade que ele eleva o nível das expectativas, mas é só o ponto de partida. Como são catorze contos, vou me ater a uma breve análise dos meus favoritos e alguns destaques que precisam ser comentados.
O Voo das Deusas-Pássaro, de Ana Lúcia Merege
Ana Lúcia Merege escreveu um dos melhores, se não o melhor conto do Mitografias. Baseado na mitologia fenícia, conhecemos o casal Riad e Ana Maria, dois imigrantes, ele da Síria, ela do Líbano. Eles não conseguem engravidar de forma natural e começam a ver as opções minguarem, mas não suas esperanças. A narrativa é muito bonita e sensível, envolvente, e a escrita da Ana Lúcia transmite todos esses sentimentos de forma simples, gostosa. É uma história sobre acreditar e de não perder a esperança, e, sem dúvidas a que mais conversou comigo.
Sem Cabeça, de Andriolli Costa
Andriolli escreveu sobre o que eu mais queria ler no Mitografias: folclore brasileiro. E não é qualquer folclore, não. A repaginada proposta pelo projeto antológico se faz mais do que presente em sua versão crítica, atual e consciente de um dos mitos mais conhecidos pelos brasileiros, denunciando uma sociedade machista que sempre associou a mulher ao pecado. Se o conto da Ana Lúcia foi o mais belo, o do Andriolli ganhou meu coração pelo posicionamento social.
Sinfonia da Saudade, de Jana P. Bianchi
Mais uma história envolvendo imigração e, novamente, uma narrativa sensível e emocionante. Jana conta a história do Akil, um marid em terras brasileiras, cheio de saudades e arrependimentos. O conto é extremamente sensorial e marcado por um tom nostálgico, de uma beleza com uma pontinha de melancolia. A conexão com o personagem é imediata e a autora conseguiu, em tão poucas páginas, me deixar apaixonada pela sua escrita.
Como Vencer o Minotauro, de Saulo Moraes
Quando eu comecei a ler esse conto, fiquei totalmente cética. Saulo tem uma proposta tão subversiva de um dos mitos mais clássicos da humanidade que eu fiquei até ofendida. E terminei mordendo a língua com a certeza de que o seu Minotauro foi uma das histórias mais engraçadas, com uma das sacadas mais espertas da antologia. O autor escreveu brincando e fez o que quis, de forma despojada e desprendida de regras e classicismos. É o tipo de história impossível de se esquecer.
Coração Dedo-Duro, de Romeu Martins
Mais um autor que usa e abusa do humor na modernização de uma mitologia secular, Romeu brinca de forma ousada em um conto bem curtinho, mas nem por isso menos incrível. Esse é o terceiro conto da antologia e equilibra bem o clima mais sério das narrativas até então e descontrai o leitor de forma criativa.
Além desses, eu preciso destacar No Olho do Furacão, do Cassiano Rodka, outro conto folclórico excelente, atualizando uma das nossas histórias mais populares de forma intrigante e esperta como deveria mesmo ser, traduzindo bastante da cultura brasileira, e Esculturas Perfeitas, do Leonardo Tremeschin, uma fantasia maravilhosa com um quê de terror gótico muito bem construído.
Nem todos me agradaram, alguns foram bons, mas sem um grande atrativo e houve dois realmente mais fracos, não tão interessantes e que poderiam ter sido melhor trabalhados, inclusive na temática que não é tão bem delineada.
E, assim como comentei do início da jornada pelo Mitografias, compondo conto a conto uma seleção de histórias com nuances e sentimentos diversos, porém equilibrados, não poderia ter havido escolha melhor para finalizar a obra do que Intermitências, de Michel Peres, que merece um grande destaque por ser o único conto de ficção científica e é assustadoramente bom! Michel escolheu um tema com uma infinidade de desdobramentos possíveis, mas que poderia facilmente ter caído em uma solução previsível, o que não acontece, muito pelo contrário. Fechamos o livro com um nó na cabeça e uma vontade desesperadora de ler mais Mitografias.
Mitografias venceu o prêmio LeBlanc de 2018 na categoria Melhor Antologia Nacional e é uma ótima oportunidade para visitar as histórias de autores nacionais já conhecidos e descobrir novos trabalhos. Foi uma experiência excelente e precisa ser lido e divulgado!
Ficha Técnica:
Nome: Antologia Mitografias - Mitos Modernos Organizado por Leonardo Tremeschin, Andriolli Costa e Lucas Rafael Ferraz Série: Antologia Mitografias vol. 1 Editora: Penumbra Gênero: Fantasia/Ficção Científica Número de Páginas: 215 Ano de Publicação: 2017
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